Em ato com ar de comício, Lula ignora ação e diz que só morte vai pará-lo

Bernardo Barbosa e Nathan Lopes

Do UOL, em Porto Alegre

Em seu último evento público antes do julgamento que pode decidir o futuro de sua candidatura, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursou como se estivesse à beira de um segundo turno nesta terça-feira (23), em ato que ganhou ares de comício eleitoral em Porto Alegre.

Um dia antes de o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) julgar em segunda instância o caso do tríplex do Guarujá (SP), Lula quase não falou de Lava Jato e preferiu fazer um discurso nostálgico, falando de um "Brasil grande" que teria existido nos anos do PT no poder. Só não pediu voto, o que a lei eleitoral proíbe fora da época de campanha.

O petista chegou a Porto Alegre por volta das 17h, reuniu-se com advogados e militantes e depois seguiu para o ato em seu apoio. Segundo estimativa dos organizadores, 70 mil pessoas compareceram ao evento. A Brigada Militar do Rio Grande do Sul não divulgou números oficiais de público. Prédios públicos da região foram fechados.

Em seu discurso, Lula adotou um tom político, de crítica ao atual governo e à grande imprensa - sobretudo a TV Globo - e de exaltação de seus dois mandatos como presidente, entre 2003 e 2010. Disse ainda que só a morte vai pará-lo. "Eles sabem que se tem alguém que sabe cuidar do povo somos nós", discursou, fazendo praticamente um resumo de sua plataforma política --apresentar o Brasil como potência internacional soberana e com um Estado de bem-estar social.

Só uma coisa vai me fazer parar o que eu estou fazendo. É o dia que eu não estiver mais aqui. O dia em que eu morrer
Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Diversas lideranças petistas participaram do ato, entre eles: a ex-presidente Dilma Rousseff; os senadores Lindbergh Farias (RJ) e Gleisi Hoffmann (PR), presidente da legenda; os ex-governadores do Rio Grande do Sul Tarso Genro e Olívio Dutra; o ex-governador da Bahia Jaques Wagner; o vereador de São Paulo Eduardo Suplicy; e os ex-ministros Fernando Haddad e Alexandre Padilha.

Representantes de outros partidos também estiveram no evento, entre eles a pré-candidata à Presidência da República pelo PCdoB, Manuela D'Ávila (RS), e o senador do PMDB Roberto Requião (PR).

"Não vou falar do processo. Não vou falar da justiça. Primeiro, porque tenho advogados competentes. Aqueles que vão votar vão se ater aos autos do processo e não a suas convicções políticas", iniciou o petista. "Eu vim aqui pra falar do Brasil. Da soberania nacional. Da integração latino-americana. Do Mercosul. Da 'safadeza que que querem fazer' com a previdência. De quem sonha em viver com dignidade no Brasil".

"Não estou preocupado comigo, estou preocupado com o povo brasileiro", disse o ex-presidente. "Não posso me conformar com o complexo de vira-lata que tomou conta do nosso país".

Lula atacou os veículos jornalísticos, dizendo que a grande imprensa "não tem compromisso com a verdade" e também sofre de "complexo de vira-lata". O petista chamou a imprensa de "covarde", dizendo que os veículos não respeitam "as famílias".

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Ele ainda exaltou as políticas sociais, econômicas e de política externa de seu governo, reforçando o discurso de soberania nacional que já vinha adotando em suas caravanas pelo país.

"Esse país era protagonista internacional. Esse país era respeitado (...) Vocês não têm noção de como foi bom esse país ser grande. Pois bem, esse país vai voltar. A esquerda vai se unir não em torno de um candidato, mas em torno de um projeto", afirmou, criticando seus adversários políticos. "Quando eu penso que eles aceitam qualquer coisa, menos o Lula, eu penso: 'porra, eu sou bom pra caramba'".

O ex-presidente encerrou seu discurso fazendo mais uma menção ao julgamento do TRF-4. "Quero que vocês continuem torcendo. Independente do resultado, eu continuarei lutando para que as pessoas tenham respeito".

Lula lidera as principais pesquisas de intenção de voto para a eleição presidencial deste ano, mas pode ficar inelegível se sua condenação for mantida no TRF-4. Na primeira instância, ele foi condenado a 9 anos e meio de prisão pelo juiz Sergio Moro pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva no chamado 'caso do tríplex'.

ROBERTO VINÍCIUS/ESTADÃO CONTEÚDO
Ex-presidentes Lula e Dilma juntos durante ato em Porto Alegre

Críticas à Lava Jato e defesa de Lula candidato

Nos discursos, os políticos fizeram uma defesa enfática da pré-candidatura de Lula e distribuíram críticas ao atual governo federal e ao poder Judiciário. Entre as falas, o público entoava cantos de apoio ao ex-presidente e falava palavras de ordem, como "eleição sem Lula é golpe".

Artistas, como o escritor Raduan Nassar e o cantor Chico César, e líderes de movimentos e centrais sindicais, como Guilherme Boulos, do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), também compareceram.

Uma mulher chegou a passar mal em frente ao caminhão de som onde Lula e os outros políticos estavam, durante o discurso da ex-presidente Dilma, mas foi retirada da multidão e atendida.

Amigo de Lula, Jaques Wagner disse ao UOL que o ex-presidente está "resignado, mas determinado a continuar, muito determinado a continuar a caminhada para provar a inocência dele".

O político baiano disse que "a questão do Lula ultrapassa" o PT e que, "a exemplo das Diretas, está se juntando quem defende a democracia". Afirmou que não citaria nomes, mas que "vários nomes conservadores falam disso".

Já apontado no noticiário como plano B do partido caso Lula não possa concorrer na eleição, Wagner voltou a dizer que a legenda não trabalha com a hipótese de o ex-presidente ser alijado da disputa.

Em seu discurso no ato, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, também adotou tom político. "Nós estamos aqui num momento histórico, um momento de encruzilhada na história brasileira. Ou a gente acelera o passo, firma a luta para recuperar a nossa jovem democracia, ou vão passar por cima de nós", disse a senadora, que fez críticas aos partidos da situação e à operação Lava Jato.

Apesar de ser pré-candidata à Presidência, tal como Lula, Manuela D'Ávila defendeu que o ex-presidente tenha o direito de se candidatar.

"Eleição sem Lula é golpe porque tira a saída do nosso povo de tomar medidas para sair da crise", disse a deputada estadual. "O juízo político é o juízo das urnas. Nós queremos que Lula seja julgado pelo povo nas urnas. Lugar de política é na eleição e não no poder judiciário".

Apesar do tom político das declarações, o senador Roberto Requião negou que o ato em defesa de Lula fosse um comício. "Aqui não temos um comício, temos um tribunal popular", afirmou o peemedebista.

João Pedro Stédile, líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), mandou um alerta aos desembargadores que julgarão Lula na 8ª turma do TRF-4. "Não se preocupem com o que vai acontecer amanhã [com Lula]. Eles [desembargadores] que estão no banco dos réus", disse. Os militantes da Frente Brasil Popular e dos partidos de esquerda não deixarão que Lula seja preso. Lula, fique tranquilo: antes de prender você, vai ter que prender todos nós".

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