O que explica João Doria ir de 6% em julho à vitória no primeiro turno?

Irineu Machado

Do UOL, em São Paulo

  • Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo

Em meados de julho, um mês antes do início da campanha eleitoral, João Doria tinha minguados 6% de intenções de voto em uma pesquisa do instituto Datafolha em São Paulo. Quatro adversários apareciam à frente dele, embora estivesse tecnicamente empatado, àquela altura, com o prefeito Fernando Haddad, candidato à reeleição pelo PT.

Numa campanha mais curta que em eleições anteriores, provavelmente nem o próprio candidato do PSDB fosse capaz de imaginar que, dois meses e meio depois, ele estaria comemorando o triunfo no primeiro turno para a Prefeitura da maior cidade do país. O que explica o crescimento que o levou aos 3.085.187 votos (53,29% do total) que lhe deram a surpreendente vitória em sua primeira disputa de uma eleição?

A arrancada de Doria se deu, praticamente, no último mês da campanha eleitoral. O candidato antes "desconhecido" do eleitorado, que surgiu com discurso falando em necessidade de "acelerar a cidade", "gastar sola de sapato", criticando o PT e repetindo o bordão "não sou político, sou gestor, sou empresário" (em uma eleição marcada pela rejeição à classe política), ganhou adesão de novos eleitores a cada semana de setembro, mostraram as pesquisas divulgadas ao longo do mês.

Um mês antes do início da campanha eleitoral, em 15 de julho, ele tinha 6% das intenções de voto, quando Celso Russomanno (PRB) tinha 25%, Marta Suplicy (PMDB) tinha 16%, Luiza Erundina (PSOL) tinha 10% e Fernando Haddad (PT) tinha 8%. Brancos, nulos, nenhum ou os que não sabiam em quem iriam votar eram, no total, 23%.

Em 26 de agosto, 38 dias antes do primeiro turno, em outra pesquisa do instituto Datafolha, Doria havia oscilado para baixo: 5%, num cenário em que Russomanno tinha larga vantagem sobre os adversários (31%), contra 16% de Marta, 10% de Erundina, 8% de Haddad. A soma de brancos, nulos, nenhum ou dos que não sabiam em quem iriam votar resultava em 24% dos eleitores da capital paulista.

Quando faltavam 24 dias para o primeiro turno, o Datafolha divulgou outra pesquisa: era o primeiro sinal do crescimento de Doria. O candidato tucano aparecia já com 16% das intenções de votos, tecnicamente empatado com Marta (dentro da margem de erro de três pontos), que aparecia com 21 (Russomanno tinha caído para 26% e Haddad aparecia em empate técnico com Erundina –respectivamente com 9% e 7%).

A pesquisa divulgada naquela sexta-feira, 9 de setembro, era a primeira do instituto a verificar as intenções de voto depois do início do horário eleitoral gratuito, que havia estreado exatamente duas semanas antes, em 26 de agosto. Dos concorrentes à Prefeitura de São Paulo, Doria foi o que contou com o maior tempo de divulgação no horário eleitoral. Dentro dos blocos diários de dez minutos levados ao ar às 13h e às 20h30, além das inserções de 30 ou 60 segundos que podiam ser exibidas das 5h à meia-noite, o tucano teve mais tempo: três minutos e seis segundos nos dois blocos diários, e mais 13 minutos e seis segundos diários nas inserções.

Como Doria ganhou no primeiro turno em São Paulo

O que definiu essa vantagem no tempo de divulgação foi a regra que estabelece o espaço de cada candidato com base na representatividade da bancada de sua coligação na Câmara. Esse critério define 90% do tempo, com o restante dividido igualitariamente entre os partidos. A coligação "Acelera São Paulo", de Doria, foi formada por PSDB, DEM, PP, PPS, PV, PMB, PHS, PSL, PTdoB, PRP e PSB. Para efeito de comparação, a coligação Mais São Paulo, de Haddad (PT, PR, PDT, PCdoB e PROS), a segunda com mais tempo no horário eleitoral, tinha dois minutos e 35 segundos de bloco, com dez minutos e 54 segundos de inserção.

"Ele teve, em função da maior coligação [de partidos], o maior tempo de TV, e ele, por ser um candidato de muitas posses, foi automaticamente um candidato autofinanciado. Com essas ferramentas --TV e dinheiro--, ele pôde construir o discurso dele", analisa o jornalista Josias de Souza, blogueiro do UOL.

Para a cientista política Denilde Oliveira Holzhacker, contou o antipetismo para o salto de Doria nas pesquisas. "O discurso anti-PT foi muito forte, e o resultado [da votação] mostra que São Paulo é a polarização PT-PSDB. Desde 2002 a gente vê que isso se consolidou, e o resultado mostra que essa consolidação existe, mas ele ganhou também em cima do discurso anti-PT", diz Holzhacker. "É bom ressaltar que ele cresceu na campanha depois do horário eleitoral."

Doria usou os programas iniciais para se apresentar ao eleitorado, falando de sua trajetória como empresário e contando sua experiência em administração, colocando-se como o candidato "diferente".

O empresário dizia na campanha, em debates e entrevistas, ser favorável a aplicativos como o Uber, desde que "estejam regulamentados e paguem impostos", prometia promover campanhas de prevenção a acidentes e melhorar o sistema viário para pedestres e revisar a medida que reduziu velocidade de algumas vias em São Paulo, uma das bandeiras do petista Haddad. Ele prometeu também levar tecnologias como tablets, lousas digitais e internet wi-fi às escolas do sistema municipal.

Numa entrevista a emissoras de rádio, Doria prometeu doar todos os 48 salários de prefeito a instituições, caso fosse eleito. "Tenho dinheiro suficiente para viver o resto da minha vida sem trabalhar (...) Quero seguir o exemplo de Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York [que recebia o salário de 1 dólar por ano]", disse. No dia seguinte, nova pesquisa e mais crescimento.

Faltavam 11 dias para o primeiro turno e a ascensão de Doria continuou: em 22 de setembro, o Datafolha apontava o tucano à frente, com 25%, em um triplo empate técnico com Russomanno (22%) e Marta (20%).

Em um mês de campanha, Doria já havia crescido 20 pontos percentuais. A essa altura, Haddad tinha 10% e Erundina havia caído para 5%. Com o crescimento, Doria declarou naquele dia que sua vitória levaria o governador Geraldo Alckmin (PSDB), seu padrinho político (Alckmin bancou politicamente a candidatura de Doria nas prévias do PSDB, em fevereiro e março, em meio a intensas disputas internas que geraram muitos descontentamentos no partido), à Presidência da República em 2018.

A liderança na corrida eleitoral fez com que ele se tornasse alvo dos adversários no debate UOL/Folha/SBT, no dia 23 de setembro. Nos bastidores da campanha, integrantes da equipe de marketing de Doria estavam prevendo então um segundo turno entre ele e Marta Suplicy.

Doria crescia e contava com a perda de fôlego de adversários na corrida. A queda de Russomanno coincidia com comentários polêmicos feitos por ele: disse que o aplicativo Uber atua na "ilegalidade" e depois se recusou a opinar sobre a reforma trabalhista proposta pelo governo Temer para não "naufragar". Marta havia se tornado alvo preferencial de Haddad, que tentava ligá-la ao governo Temer, chamado de "golpista" pelo PT.

Numa eleição sem empreiteiras, bancos e frigoríficos que apareciam tradicionalmente entre os grandes financiadores, 2016 marcou a presença de doações de candidatos ricos no topo deste ranking. João Doria apareceu como o segundo maior doador nacionalmente: ele doou R$ 2,4 milhões para a própria campanha, valor equivalente a pouco mais da metade do que ele arrecadou. Dinheiro não parecia ser um problema na campanha do empresário que prometeu doar seus salários de prefeito e que apresentou em sua declaração de bens à Justiça Eleitoral um patrimônio de R$ 180 milhões.

"Com tempo de TV e dinheiro, Doria foi o candidato mais 'marketado' da eleição em São Paulo. Ele teve mais recursos para promover marketing, e ele fez um marketing em cima do antipetismo", avalia Josias de Souza.

Na penúltima pesquisa Datafolha do primeiro turno, divulgada em 27 de setembro, a terça-feira da última semana de campanha, Doria apareceu isolado em primeiro, com 30% das intenções de voto. Russomanno havia estacionado em 22% e Marta caíra para 15%, agora tecnicamente empatada com Haddad (11%). Doria disparou entre o eleitorado menos escolarizado. De 13% da preferência registrada na semana anterior, subiu para 23% nesse segmento.

Na reta final da campanha, a orientação da campanha era tentar colar "antipetismo" em Haddad, Marta e Erundina, destacando semelhanças entre eles. Ao mesmo tempo, a campanha lançou uma ofensiva para conquistar o voto evangélico, segmento religioso em que menos pontuava no Datafolha — 21% ante 34% entre católicos.

Depois de ter sido recebido pelas duas maiores correntes da Assembleia de Deus e pela Renascer, o tucano, que se declara católico, ajoelhou-se diante de 5.000 pessoas para a bênção do pastor José Wellington, que preside o Ministério do Belém e comanda 1 milhão de fiéis só na capital. Enquanto isso, Haddad, Marta e Russomanno trocavam ataques entre eles, na esperança de garantir a uma ida ao segundo turno contra Doria.

A pesquisa derradeira saiu na véspera da votação, atestando a disparada de Doria: em quatro dias, ele conquistou mais 8 pontos, chegando a 38% (considerando-se só votos válidos, ele tinha 44%). Na reta final, uma tendência de alta também foi verificada no desempenho de Haddad, que foi a 14% (16% na conta dos votos válidos), mesmo percentual de Russomanno, um pouco à frente de Marta (12%), com quem continuava empatado dentro da margem de erro da pesquisa. Na pesquisa divulgada no sábado, 14% estavam entre brancos, nulos, nenhum ou não sabiam em quem votariam.

Para alguns analistas, a disputa embolada pelo segundo lugar levou muitos eleitores a optar pelo chamado "voto útil" (a troca de candidato escolhido para tentar somar mais votos na última hora a alguém teoricamente com mais chances). Os mais beneficiados com isso teriam sido Fernando Haddad, que se distanciou de Russomanno e de Marta, e, principalmente, João Doria, cuja votação teve um salto explosivo em relação às intenções de voto nas pesquisas recentes.

A pesquisa de boca de urna do Ibope, logo depois do encerramento da votação e do fechamento das urnas no domingo, dava 48% dos votos válidos a Doria e 20% a Haddad, com margem de erro de dois pontos. Entre os petistas, a apuração dos votos começava com a esperança de um segundo turno. Entre os tucanos, muitos torciam e acreditavam na chance de vitória ainda no primeiro turno.

Às 18h41, uma projeção do Datafolha previa a vitória de Doria no primeiro turno. Às 20h35, a apuração dos votos no TSE confirmava matematicamente que o tucano já estava eleito. Na noite de domingo, ao lado de Geraldo Alckmin, Doria fez um pronunciamento sobre a vitória e lançou Alckmin para a Presidência em 2018, em festa embalada pelo "Tema da Vitória", música instrumental que se popularizou nas transmissões de corridas de Fórmula 1 na TV Globo, nas vitórias do piloto Ayrton Senna nos anos 80 e 90. Nas transmissões, o locutor Galvão Bueno usava o bordão "acelera, Ayrton".

 

(colaborou Gabriela Fujita)

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