Para especialistas, candidatos de BH não têm proposta efetiva para ocupação

Carlos Eduardo Cherem

Colaboração para o UOL, em Belo Horizonte

  • Alexandre Rezende/Folhapress

    Moradores da comunidade Rosa Leão, em Isidoro, região ocupada por mais de 30 mil pessoas em Belo Horizonte, olham para o bairro Jaqueline, logo abaixo

    Moradores da comunidade Rosa Leão, em Isidoro, região ocupada por mais de 30 mil pessoas em Belo Horizonte, olham para o bairro Jaqueline, logo abaixo

Uma "bolha" de ocupações em três áreas contíguas em Belo Horizonte, com cerca de 30 mil pessoas, é pouco tratada pelos dois candidatos à prefeitura, Alexandre Kalil (PHS) e João Leite (PSDB). Quando abordada, a questão é discutida de maneira superficial e vaga, segundo avaliação de Klemens Lachefski e Heloísa Soares de Moura Costa, ambos professores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) consultados pelo UOL sobre o tema.

A partir de meados de 2014, três áreas particulares foram ocupadas por famílias de renda extremamente baixa, a grande maioria egressas de favelas e vilas da região metropolitana da capital, pressionadas pelo valor do aluguel.

Em poucas semanas, numa área de mata abundante e nascentes na região norte de Belo Horizonte, conhecida como Isidoro, formaram-se os assentamentos Esperança, Vitória e Rosa Leão, que são terrenos adjacentes. Atualmente estimam-se 30 mil pessoas nas três ocupações.

Numa comparação, essa área é sete vezes maior do que o terreno onde ficava Pinheirinho, ocupação com 9.000 pessoas em São José dos Campos (SP), distante 97 km da capital, que foi esvaziada em 2012 com extrema violência, marcando a história dos movimentos por moradia no país. Enquanto Pinheirinho tem 1,3 milhão de m², as ocupações mineiras contam com 9,5 milhões de m².

Alexandre Rezende/Folhaspress
Ocupação Vitória, em Isidoro, região ocupada por mais de 30 mil pessoas em BH
Diversas decisões de retomada de posse pelos proprietários dos terrenos foram adiadas. Protestos pararam a capital mineira diversas vezes e suspenderam atividades dos três Poderes. Com medo da desocupação, moradores já chegaram a fazer vigílias de 24 horas por dia.

"Essas ocupações foram muito dinâmicas, um processo muito rápido, parecendo uma corrida ao ouro, e tornaram-se extremamente graves do ponto de vista social e dos direitos humanos", afirma o professor do Departamento de Geografia da UFMG Klemens Lachefski, que há duas décadas estuda a questão de ocupação do solo em Belo Horizonte.

"As notícias de ocupações na região de Isidoro foram se espalhando e, em poucas semanas, milhares de casas estavam construídas. São pessoas sem emprego fixo, extremamente pobres, e que ficaram sem condições de arcar com um aluguel de R$ 300, R$ 500 de um barraco numa favela, após a crise econômica iniciada em 2014", diz Lachefski. Para ele, "essas ocupações viraram uma bolha que pode estourar a qualquer momento".

Promessas

O candidato Alexandre Kalil (PHS) informou, através de sua assessoria, que pretende "não atentar contra as ocupações existentes na capital, buscando regularizá-las e humanizá-las, buscando entregar os respectivos títulos de propriedade a 100% dos moradores até 2020".

Alexandre Rezende/Folhapress
Rua da comunidade Rosa Leão homenageia a guerrilheira Iara Iavelberg
O candidato visitou Isidoro, conversou com os moradores e disse que, embora garanta a permanência deles no local, não vai permitir novas ocupações, pretende avançar no processo de regularização urbanística e ambiental das zonas e áreas de interesse social, verificando também a viabilidade das obras em curso. Essas propostas, explica, não são específicas para Esperança, Vitória e Rosa Leão, mas para todas ocupações existentes atualmente em Belo Horizonte.

João Leite (PSDB) não esteve em Isidoro durante a campanha eleitoral, mas, segundo sua assessoria, manteve diversos encontros com lideranças da ocupação. O candidato costuma dizer que, em Isidoro, a exemplo de outras ocupações na capital mineira, "há questões judiciais que a Prefeitura de Belo Horizonte não pode interferir". "Mas vamos garantir direitos básicos e cidadania às famílias nessas condições, como visitas de equipes do programa de saúde da família, por exemplo", disse o candidato, através de sua assessoria.

O candidato diz ainda que pretende fazer nas vilas e favelas ações de regularização urbana, por meio de dois projetos para a área de habitação. "O Regulariza BH será focado em áreas que não sejam alvo de disputas judiciais de titularidade e executado por meio de parcerias com universidades e terá um eixo voltado para a melhoria das habitações nas vilas e favelas por meio do trabalho cooperativo", afirma.

O Reforma Popular pretende implantar projetos pelo sistema de mutirão, em que a comunidade provê a mão de obra e a prefeitura entra com o suporte técnico e parcerias para fornecimento de materiais de construção, sistemas de reaproveitamento de água da chuva e painéis de energia solar.

"Não há soluções pensadas para a questão. As famílias, as mulheres e as crianças estão no seu limite e não têm futuro. É uma situação extremamente emergencial, mas as autoridades e os candidatos tratam a questão com promessas vazias. Eles [os candidatos] não enxergam a questão com clareza", afirma o professor.

"Claramente, não está havendo propostas e, mesmo quando os candidatos fazem promessas, eles não mostram como fazer", diz.

Alexandre Rezende/Folhapress
Ocupação Vitória; protestos contra a desocupação geraram diversas paralisações
Especulação imobiliária

O professor explica que a legislação brasileira define claramente a habitação como direito humano e determina que os terrenos urbanos tenham função social, existindo diversos mecanismos legais para que isso aconteça.

Lachefski lembra que estudos do Departamento de Geografia apontam a existência de uma área superior a 1,6 milhão de m² de lotes urbanizados, com tamanhos superiores a 1.200 m² (o tamanho médio dos lotes nas metrópoles brasileiras é de 360 m²), em ruas com calçamento, luz, água e esgoto em Belo Horizonte.

No mesmo estudo, explica o especialista, é apontado que esses terrenos poderiam abrigar 265 mil unidades habitacionais de 50 m². No programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, o tamanho das unidades construídas em Belo Horizonte varia de 39 m² a 42 m².

A professora do Instituto de Geociências da UFMG Heloísa Soares de Moura Costa diz que o deficit habitacional de Belo Horizonte, de cerca de 200 mil unidades, corresponde à disponibilidade de terrenos vazios no município. "O que não há é determinação política", afirma a especialista, que estuda a questão do solo urbano há 30 anos.

"Existem diversas alternativas para a questão da moradia, a exemplo dos processos de autogestão, mas não vejo nenhuma proposta nesse sentido, nenhuma menção. Quando são feitas promessas pelos candidatos, elas não são muito claras", diz a professora.

"Uma ocupação é um embrião de um bairro. É esse o sentimento dessas pessoas. Por isso que essa questão se torna tão grave do ponto de vista dos direitos humanos e social."

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