Fanático por eleições, homem tem até camisinha de candidato em coleção

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

O carioca Fernando da França Leite, 61, é um colecionador fanático pela história política do Rio de Janeiro e do país. As eleições são o seu objeto de compulsão. Em mais de 40 anos, Leite acumulou milhares de itens de propaganda eleitoral, como santinhos, medalhas, bustos, flâmulas, lápis, caixas de fósforo, camisas, bonés e muitos outros. Ele tem até uma camisinha personalizada com o nome e o número de Cesar Maia, ex-prefeito do Rio. "Todo esse material, que para muitos é lixo, tem um valor interessantíssimo. Tudo aqui é documento histórico", disse.

"Colecionar significa uma terapia. Não há pessoas que têm tara por carro? Como eu não posso colecionar Mercedes, eu coleciono material político, que é mais barato. É claro que eu gostaria de colecionar Mercedes", afirmou ele, aos risos. "Mas esse material político tem o seu valor, assim como tudo o que você coleciona. (...) As pessoas podem achar que eu sou perturbado, mas eu não sou perturbado."

Ao UOL, Cesar Maia explicou que a produção e distribuição de camisinhas ocorreu por iniciativa de um grupo de apoiadores. "Hoje é considerado brinde e é proibido", lembrou o político do antigo PFL, atual DEM, derrotado na eleição deste ano para senador. Mas por que escolher o preservativo como item de propaganda eleitoral? Em 1998, Maia disputava o governo do Estado do Rio com Anthony Garotinho (hoje no PR). A camisinha era acompanhada do slogan: "Contra garotinho, use camisinha". Questionado sobre a repercussão da iniciativa, o ex-prefeito não comentou.

Além de documentar os processos de marketing eleitoral no Rio e no país, Leite tem em sua coleção autógrafos presidenciais, uma edição da Constituição de 1946 assinada pelos parlamentares que participaram de sua elaboração e aprovação, exemplos de todos os os modelos de título de eleitor, e discos de vinil com os jingles de campanhas históricas como a do ex-presidente João Goulart (1961-1964). São tantos itens que ele diz ser impossível contabilizar. "Eu tenho caixas e mais caixas. A quantidade de coisas é imensurável", declarou.

De acordo com o carioca, morador da Piedade e proprietário de um antiquário na Tijuca, na zona norte da capital fluminense, a coleção é um acervo histórico de promessas não cumpridas e de material para apontar incoerências. "Para muitos, o que eu guardo aqui já teria desaparecido. Tem muita coisa que eles não assumem. São documentos que mostram, em um contexto histórico, o que um candidato é capaz de prometer para ganhar uma eleição. Esse é o maior crime de um político: prometer e não cumprir", afirmou.

"Tivemos, aqui no Rio, um candidato que pregava educação e nunca fez nada pela educação. Eu tenho todos os santinhos dele. Se ele fizesse um terço do que ele prometeu, ele seria ministro, teria uma estátua em praça pública, seria nome de colégio. Ele ganhou todas vezes pregando a mesma coisa e nunca cumpriu nada. (...) Ele deveria ser preso e condenado a devolver tudo que recebeu", disse.

Segundo Leite, a obsessão pela propaganda eleitoral surgiu em 1970, ano em que a Seleção Brasileira conquistou o tricampeonato na Copa do Mundo do México. "Naquela época, eu via a ligação dos políticos brasileiros com os jogadores e toda a emoção da Copa. Primeiro eu comecei a colecionar tudo sobre Copa do Mundo e, paralelamente, tudo que estava ligado às eleições", explicou.

Para o colecionador, algumas peças de seu acervo são relíquias. "Talvez eu seja o único no Brasil que tenha o primeiro santinho político", afirmou Leite, exibindo um papel envelhecido com a imagem de Nossa Senhora do Rosário. O panfleto, datado de 23 de junho de 1899, traz no verso um carimbo em nome de "Arl. Rocha". "Antigamente, o que se chamava de santinho era realmente um santinho de papel, o que deu origem ao termo que conhecemos hoje. Naquela época, as reuniões políticas eram feitas no entorno das paróquias. O que eles faziam? Pegavam a imagem de um santinho, carimbavam o nome do candidato atrás e distribuíam", explicou.

Leite afirmou não temer que o avanço da tecnologia e o uso cada vez mais frequente do ambiente digital por parte das campanhas paralise o crescimento de sua coleção. "Enquanto existir santinho e propaganda política, o meu acervo estará aumentando", declarou. O colecionador disse ainda que, em sua opinião, a sujeira eleitoral nas ruas e a poluição visual provocada por placas, galhardetes e afins não são problemas. "A sujeira está aí, por mais que se faça campanha contra a boca de urna. Ela existe e não é só no Brasil. Na França, nos Estados Unidos, enfim, em tudo que é lugar há santinho e a cidade fica suja mesmo. Isso faz parte da história das eleições no mundo todo. (...) Isso é cultura popular", afirmou.

Hanrrikson de Andrade/UOL Antigamente, os homens colocavam o melhor terno para ir votar. Você via aqueles velhinhos doentes que passavam o ano inteiro em casa, mas tinham prazer de ir votar. No interior, você ainda vê gente arrumadinha, com a melhor roupa, porque o dia de votar é o daquela confraternização entre vizinhos. Às vezes, você se muda, mas aí vota no bairro antigo e reencontra os amigos. É uma festa Fernando da França Leite, 61, colecionador

De Getúlio Vargas a FHC

Em sua aula sobre a história do marketing político no Brasil, Leite fala com orgulho a respeito de um de seus tesouros: o jogo de xícaras com a imagem de Getúlio Vargas. "Para voltar ao poder, Getúlio buscou associar a sua imagem ao sucesso do café. Era a campanha da volta, a do 'bota o retrato do velho'. Eles também carimbavam cédulas de pequeno valor, já era proibido escrever nelas. Essas notas eram distribuídas e circulavam no comércio", comentou. O carioca possui ainda bustos, fotografias, cinzeiros, documentos, enfim, uma longa lista de materiais relacionados a Getúlio.

Carlos Lacerda, por sua vez, foi o responsável por "inovar colocando o plástico nas propagandas eleitorais", de acordo com Leite. Ele também cita o "cofrinho do FHC" quando questionado sobre os objetos mais exóticos de seu acervo. Nos anos 1990, período em que o país sofria com a alta da inflação, os rumos da economia pautavam as campanhas eleitorais, em especial as do pleito de 1994, vencido por Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A equipe do tucano preparou réplicas de cofres com a foto e o número do candidato, e seus correligionários as distribuíam nas ruas, reforçando a imagem de que FHC era o "pai" do Plano Real, explicou o colecionador.

Com a palavra: Fernando da França Leite
  • De que forma você construiu a sua coleção?
    Os primeiros itens foram doados, sendo a maioria santinhos. Como eu sou antiquário, eu frequentava a casa dos clientes atrás de uma peça ou outra, e eu sempre aproveitava para perguntar se o cliente tinha algum material eleitoral guardado. Você sempre encontra alguma coisa na gaveta. Enfim, a maioria dos itens eu mesmo comprei.
  • Qual item você ainda não tem e que você gostaria de ter?
    O item que mais me interessa agora é o autógrafo do presidente eleito em 2014.
  • Qual item você teve mais dificuldade para conseguir?
    O autógrafo do Lula foi o mais difícil. Eu mandava cartas para a Presidência da República e eles mandavam chancela. A chancela do Lula não me interessa. Eles não conseguiam diferenciar autógrafo de chancela. Até que um dia, depois de muitas cartas, eu recebi o autógrafo do ex-presidente.
  • Qual item você tem mais afeição?
    Eu tenho um carinho muito grande pelo item que puxa esse tema: o santinho. Por sorte, dentre as várias coisas que eu consegui, há o primeiro santinho. Talvez eu seja, aqui no Brasil, o único colecionador que tem o primeiro santinho político.
  • Você saberia dizer em quanto a sua coleção completa está avaliada?
    Não quero dar valores. O pessoal pode pensar que eu sou milionário e pode vir me assaltar. Isso tudo aqui é só uma coleção. Quando você fala em valor, as pessoas pensam que vale uma fortuna. Se o cara me roubar isso aqui, onde ele vai negociar? Não é assim, mas bandido cresce o olho.
  • Você pensa em, futuramente, vender a sua coleção?
    Já ofereceram dinheiro por uma ou outra peça, mas não é esse o meu objetivo. Eu penso, sim, em doar essa coleção para uma instituição que seja séria. Porém, se for para encaixotá-la e deixá-la arquivada, sem chance. Eu só doaria se tivesse certeza que essa instituição a colocaria em exposição, para que, de alguma forma, haja uma contribuição no sentido de compreender a história política do país.
  • Mas já existe alguma instituição interessada?
    Não. O problema é que, no Brasil, não existe instituições sérias. Mas eu não quero fazer dinheiro com a coleção. Pelo contrário. O prazer do colecionador é mostrar a sua coleção.
  • Há outros colecionadores de itens de propaganda eleitoral?
    Existem, de fato, outros colecionadores. Tem um que mora em São Paulo, por exemplo, que já me ofereceu dinheiro por peças da minha coleção. Eu tenho contato com ele e com outros colecionadores por meio do Facebook. Nós sempre trocamos informações e, quando há materiais repetidos, nós fazemos trocas.
  • Mas existe rivalidade entre colecionadores?
    Não existe rivalidade. O colecionador é um pouco exibicionista. Ele sempre tem o interesse em mostrar. Exibir-se um pouquinho. Meu prazer é mostrar para eles alguma coisa que eles não têm em suas coleções.
  • Você tem preferência por algum candidato?
    Tenho amigos em todos os partidos e conheço muitos candidatos. Alguns ganharam e outros perderam. Muitos que perderam são melhores dos que aqueles que ganharam. Mas eu não costumo declarar meu voto porque, na verdade, todos eles têm coisas boas e ruins. Eu tenho, sim, o meu candidato, mas prefiro não revelar. Cada cabeça uma sentença.
  • Dilma ou Aécio?
    Prefiro não revelar. Os dois têm coisas muito ruins. E coisas boas também.

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