Opinião: Religião contamina eleição, e Russomanno quer tirar o bode da sala
Mauricio Stycer
Crítico do UOL
Qualquer que seja o resultado da eleição para a Prefeitura de São Paulo, parece claro que os setores interessados em misturar política com religião saem fortalecidos da disputa.
A situação hoje parece pior ainda do que em 2010. Na eleição presidencial, José Serra (PSDB) contou com o apoio de líderes da Igreja Católica e Dilma Rousseff (PT) foi abençoada por pastores da Igreja Universal.
No segundo turno, o candidato do PSDB evocou uma posição dúbia da candidata do PT a respeito de aborto para dizer, na propaganda eleitoral, que era “a favor da vida”, do “dom da vida” e da “mãe brasileira”.
A situação piorou em 2012 por conta de um terceiro elemento --o candidato Celso Russomanno, do PRB, partido presidido por um bispo licenciado da Universal.
O alinhamento automático de um candidato com um grupo religioso de peso provocou uma corrida dos demais candidatos ao apoio de outros líderes religiosos. Instalou-se o clima para a “disputa eleitoral santa”. O terror.
Igreja não é partido político, nem deveria ser. Isso explica o interesse dos jornalistas que questionam Russomanno sobre os significados de sua ligação com o PRB. O candidato, visivelmente, não gosta de perguntas a respeito.
Em vez de bradar contra a interferência da religião na política, Russomanno sempre dá respostas ambíguas ou demagógicas a respeito. Na célebre Sabatina Folha/UOL, o candidato disse: “Eu vou preservar todas as igrejas, regularizando a situação delas, e gostaria que em cada quarteirão houvesse uma igreja pregando amor ao próximo, pregando o bem, porque isso é importante para a sociedade.”
Naquela sabatina, e em outras entrevistas, Russomanno utilizou a mesma tática para fugir do assunto. Lembrando que é jornalista, trata os colegas com um misto de cumplicidade e piedade e pede para ouvir perguntas sobre as suas propostas para São Paulo.
Ou seja, a esta altura, líder nas pesquisas, Russomanno quer tirar da sala o bode que ele próprio colocou lá dentro.
Mas agora parece impossível isso ocorrer. Incomodada com ligação do candidato com a Universal, a Igreja Católica resolveu se envolver também na eleição.
O arcebispo de São Paulo, cardeal dom Odilo Scherer, meteu a colher no tema, resgatando um texto de 2011, escrito por Marcos Pereira, o bispo licenciado da Universal, que dirige o PRB. Acusou-o de fomentar a discórdia e criticou “a manipulação e instrumentalização da religião, em função da busca do poder político”.
Nesta quinta-feira (20), sem a presença de Russomanno, a arquidiocese promoveu um debate eleitoral com quatro candidatos --Serra, Fernando Haddad (PT), Gabriel Chalita (PMDB) e Soninha Francine (PPS). “Não é função da igreja apoiar ou indicar candidatos", disse dom Odílio.
Muito tarde. Esta eleição, infelizmente, está contaminada pela religião.