Sociólogo critica propostas de candidatos em Curitiba para moradores de rua

Rafael Moro Martins

Colaboração para o UOL, em Curitiba

  • Daniel Caron/FAS/Divulgação

    Moradores de rua dormem no chão da Central de Resgate Social, imóvel que servia como albergue no centro de Curitiba; proposta dos dois candidatos é de reabrir o espaço

    Moradores de rua dormem no chão da Central de Resgate Social, imóvel que servia como albergue no centro de Curitiba; proposta dos dois candidatos é de reabrir o espaço

As propostas de Rafael Greca (PMN) e Ney Leprevost (PSD) para os moradores de rua de Curitiba buscam agradar a parcela da população que se incomoda com o problema, e não atender aos que vivem em situação precária, afirma o sociólogo Lindomar Wessler Boneti, professor do mestrado em direitos humanos da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).

"Os candidatos, até agora, por mais palavreado que apareça de um lado e de outro, querem dar satisfação ao público que se sente incomodado com os moradores de rua. [As propostas] Se resumem a uma limpeza do espaço público", critica o sociólogo, autor de "Ocupação do Espaço Público na Condição de Pobreza", livro que tem como base entrevistas com pessoas que vivem em miséria extrema em bairros periféricos da cidade, publicado pela Mercado de Letras, editora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em 2015.

A campanha de Leprevost diz que o "plano de governo contempla várias ações para moradores de rua, que incluem abrigar, encaminhar para assistência médica, tratamento terapêutico é psicológico e, em casos de problema de saúde mental, internamento e atenção integral. A ideia é atuar para reinserção na sociedade, inclusive o retorno à família, quando for possível". Já Greca, via assessoria de imprensa, afirmou que não queria comentar a crítica.

O tema virou centro dos holofotes na campanha eleitoral em Curitiba. Em 23 de setembro, durante sabatina na PUC-PR, Greca falou ter vomitado ao sentir o "cheiro de pobre" de um morador de rua que ajudou a resgatar, quando jovem. Depois, desculpou-se.

A gafe fez candidatos irem às ruas ouvir e abraçar moradores de rua. Mas a polêmica é anterior. Em janeiro, Fabio Aguayo, presidente da Abrabar, uma associação que reúne donos de bares e restaurantes de Curitiba, exortou a prefeitura a retirar os moradores das ruas "seja por bem e espontânea vontade ou por ato de ordem pública e social".

Daniel Caron/FAS/Divulgação
Fachada do antigo albergue, fechado em 2015
Uma semana depois, foi seguido pela centenária Associação Comercial do Paraná, que pediu providências sobre o problema. Após a declaração polêmica, repudiada pela gestão de Gustavo Fruet (PDT), Aguayo disse que lutaria pela abertura da Central de Resgate Social, um imóvel que servia como albergue, no centro da cidade, até ser fechado definitivamente pela prefeitura em 2015.

A Fundação de Ação Social (FAS), comandada atualmente pela mulher do prefeito, a jornalista Márcia Oleskovicz Fruet, diz que na central "450 pessoas --entre homens, mulheres, transgêneros, crianças, jovens, idosos e indígenas-- dividiam o mesmo espaço para albergagem" no centro da cidade. "Tratava-se de um local inadequado para o serviço de acolhimento, para usuários e servidores, devido a questões sanitárias e de segurança."

Ainda segundo a FAS, "os serviços que funcionavam naquele endereço terminaram de ser transferidos para novas unidades, que já vinham sendo instaladas desde 2013".

Reabrir a central é promessa que os candidatos têm em comum. "Vou reabrir a FAS SOS [antigo nome do local] em convênio com a Sociedade Curitibana de Socorro aos Necessitados [proprietária do imóvel]", publicou Greca em rede social em agosto. Já Leprevost falou ter a mesma intenção. "Já comecei a conversar com os responsáveis pelo Socorro aos Necessitados", disse durante entrevista ao UOL.

Excluindo essa proposta, o programa de governo de Greca fala em "trabalhar de forma mais consistente, efetiva, com um olhar cuidadoso, organizar o sistema de triagem e investir em programas que possibilitem a inclusão dos moradores de rua à sociedade".

O de Leprevost fala apenas em implantar "casas de acolhimento que atendam aos moradores de ruas em suas necessidades, proporcionando atenção, tratamento de saúde e terapêutico para reinserção na sociedade". Em entrevistas, o candidato do PSD tem repetido um clichê ao comentar o que fazer por quem vive na rua: "Não basta dar o peixe, tem que ensinar a pescar".

Apesar de concordar com a reabertura da Central de Resgate Social, Boneti faz críticas às propostas dos candidatos. "As principais questões não estão sendo tocadas. Falta trabalhar a questão da dignidade humana, da reconstrução do ser social, do cidadão."

Daniel Caron/FAS/Divulgação
Moradores de rua dormem nos corredores da Central de Resgate Social, hoje fechada
Drogas levaram à vida nas ruas

Curitiba tem, segundo pesquisa realizada pela FAS entre março e abril passados, 1.715 pessoas vivendo nas ruas. À época, 1.113 pessoas foram ouvidas. Revelou-se que 42% são nascidos em Curitiba, 37% de outras cidades do Paraná e o resto de outros Estados. Aos pesquisadores, 27% dos entrevistados disseram estar na rua por vício em drogas (27%), em álcool (24,7%) ou por conflitos familiares (22,3%). Razões econômicas, como desemprego (9,9%) e perda de moradia (5,9%), aparecem em quarto e quinto lugares.

"As pessoas que estão na rua passaram, normalmente, por um trauma, um fato marcante na vida, que as fez deixarem de acreditar em si mesmas. Sejam crises familiares, com problemas de vícios dos pais, crises na vida escolar ou na vida profissional. Para resgatá-las, seria necessário, para começar, reconstruir o 'sentir-se gente' delas", defende o sociólogo.

Sobre a declaração do presidente da Abrabar, ele considerou "infeliz". "Ela fere os princípios da dignidade humana, pois ninguém está na rua porque quer, e desrespeita a Constituição, que impede a retirada à força da população de rua."

Greca diz que vomitou por cheiro de pobre

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