Ato em São Paulo deixa Dilma perto de problemas discutidos na eleição

Leandro Prazeres

Do UOL, em São Paulo

  • Moacyr Lopes Junior/Folhapress

    Dilma com Lula, Padilha e Suplicy durante campanha em São Paulo

    Dilma com Lula, Padilha e Suplicy durante campanha em São Paulo

Nem todo o esquema de segurança montado em torno da presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff (PT) foi suficiente para deixá-la distante de alguns dos principais problemas debatidos durante o primeiro turno das eleições.

Na última sexta-feira (3), Dilma participou de uma caminhada na rua Barão de Itapetininga, uma das mais movimentadas do centro de São Paulo.

Foi o último ato público de campanha da candidata no maior colégio eleitoral do Brasil e reuniu as principais forças do PT: o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, o senador e candidato à reeleição, Eduardo Suplicy, o candidato ao governo de São Paulo, Alexandre Padilha e o ex-presidente Lula.

A rua Barão de Itapetininga, com suas tradicionais pedras portuguesas, concentra centenas de lojas e um intenso comércio informal. Localizada no centro de São Paulo, os pouco mais de 300 metros de via por onde Dilma e sua comitiva passaram são considerados uma boa síntese dos principais problemas discutidos durante as eleições presidenciais.

Aposentados

Ageíldo Braulino, 60, é pensionista. Ele trabalha como autônomo para lojas de compra e venda de ouro para complementar sua renda.

"Meu salário não dá para pagar as contas e por isso eu estou aqui. Quando alguém precisa vender ouro, eles me procuram e eu levo até uma dessas lojas. Aí eu ganho uma comissão", explica Ageíldo, que ganha um salário mínimo, equivalente a R$ 765. 

O tema aposentadoria foi um dos mais discutidos durante o primeiro turno das eleições. Estudo realizado pela ANSPSS (Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social) divulgado em fevereiro deste ano indica que 70% dos aposentados e pensionistas brasileiros são como Ageíldo Braulino e recebem até um salário mínimo.

A principal discussão em torno da previdência social ficou em torno da extinção ou não do chamado fator previdenciário.

O fator previdenciário é um mecanismo criado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSBD) que faz um cálculo entre quatro variáveis e, na prática, paga menores benefícios a quem contribuiu por menos tempo à Previdência Social. Quanto mais alta a expectativa de vida do brasileiro, menores serão os valores pagos aos futuros beneficiários.

Ao longo da campanha Dilma disse que iria manter o fator previdenciário, mas não anunciou medidas para aumentar o poder de compra dos aposentados e pensionistas.

A carreata de Dilma passou a pouco mais de 20 metros de onde Ageíldo trabalhava. Ageíldo teve, inclusive, que abrir espaço para a multidão que acompanhava a comitiva.

Informalidade, evasão escolar e pirataria

Com walkie-talkies nos pescoços, homens carregando grandes armações de metal repletas de DVDs piratas se comunicam freneticamente. Tudo para evitar o 'rapa'.

A Barão de Itapetininga é também conhecida por seu comércio informal, sobretudo de mercadorias piratas ou contrabandeadas.

Zaqueu Quitério, 20, representa, numa única só pessoa, alguns dos principais desafios que o próximo presidente do Brasil terá de enfrentar a partir de 2015: evasão escolar, moradia, informalidade no mercado de trabalho e pirataria. 

Zaqueu, que pediu para não ser fotografado, estudou até a 5ª série do Ensino Fundamental. Deixou a escola quando a mãe morreu e ele se viu responsável por cuidar de cinco irmãos.

"Sou o mais velho", diz. Os seis vivem em uma ocupação no Centro de São Paulo. Para sobreviver, vende DVDs piratas na Barão de Itapetininga. "A presidente vai estar aí, é? Não sabia, não. Então, hoje o dia vai ser fraco de venda", reclamou Zaqueu. 

Zaqueu talvez não saiba, mas mesmo sendo informal, suas vendas de DVDs piratas contribuíram para uma indústria, a da pirataria, que movimentou R$ 30 bilhões no Brasil em 2013. Os dados foram divulgado em setembro deste ano pelo FNCP (Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade).

Evasão escolar, da qual Zaqueu foi 'vítima', também foi assunto pouco debatido ainda que, segundo um estudo do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) divulgado em julho deste ano, apenas 58% dos brasileiros finalizam o Ensino Médio. 

Talvez Zaqueu possa vir a se beneficiar de um projeto anunciado por Dilma durante o período eleitoral que visa reduzir o prazo para a abertura e fechamento de empresas para cinco dias. A ideia do projeto seria diminuir o número de trabalhadores em situação informal no Brasil. De acordo com o Ministério do Trabalho, há 17 milhões de brasileiros nessa condição, assim como Zaqueu. 

"Não ouvi falar desse projeto, não. A vida aqui na pista não é fácil. O único governo que a gente conhece é o rapa", diz.

Desigualdade social

O retrato da desigualdade social ficou estampado no rosto do morador de rua Leandro Teixeira. A caminhada de Dilma avançava pela Barão de Itapetininga, mas ele mal se dava conta.

Os agentes de segurança da Presidência da República passavam pela rua pedindo que vendedores ambulantes e transeuntes abrissem espaço para o a comitiva e Leandro assistia a tudo desorientado. "O que é isso?", perguntou.

Sentado sobre um pedaço de cartolina em frente a uma loja, Leandro falava com dificuldade. Faltava-lhe boa parte dos dentes das arcadas inferiores e superiores.

Enquanto tentava falar, ele coçava as cicatrizes na perna esquerda deixadas por uma briga. Morador de rua e usuário de crack, Leandro disse não se lembrar da idade. "Estou aqui há um tempão. Não lembro mais. Minha família mora em São Miguel Paulista. Eu vou lá ver eles de vez em quando", contou.

Para sobreviver, Leandro ajuda a carregar e descarregar as barracas de vendedores ambulantes do Centro de São Paulo. Ele não é beneficiário do Bolsa Família, principal programa social do atual governo e cuja manutenção foi prometida pelos outros dois principais candidatos à Presidência: Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB). 

A desigualdade capaz fazer com que a maioria das pessoas da comitiva de Dilma sequer percebesse sua presença no local é a mesma impede que o Brasil avance em rankings como o Índice de Desenvolvimento Humano, medido pela ONU.

Segundo dados divulgados neste ano, o Brasil encontra-se na 79ª posição no ranking, mas, se o cálculo da desigualdade social brasileira fosse adicionado ao índice, o Brasil cairia 16 posições.

Mas na Barão de Itapetininga, pouca gente parecia preocupada com Leandro ou mesmo com outros dois moradores de rua que dormiam sob uma marquise. Quando Dilma e Lula passaram por ali acenando, militantes e pedestres se aglomeraram para cumprimentar o xingar os petistas e mal perceberam os dois homens envoltos em cobertures grossos que quase foram pisoteados.

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