Patrimônio histórico em MG fica abandonado com troca-troca de prefeitos

Danillo Sperandio, Marcela Rahal e Priscila Tieppo

Do UOL, em Mariana (MG)

A instabilidade política de Mariana (a 114 km de Belo Horizonte) --que teve cinco prefeitos desde 2009-- provocou a paralisação de obras, projetos e captação de recursos para a conservação do centro histórico da cidade fundada em 1696. O troca-troca ocorreu por acusações de irregularidades como compra de votos, ilegalidades na prestação de contas de campanha e desvio de recursos públicos.

A cidade, que tem como uma das principais atividades econômicas o turismo, sentiu os efeitos da turbulência na política local no seu patrimônio histórico, tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) desde 1938. O reflexo da política local está no abandono do centro histórico: rachaduras, restaurações malfeitas e fachadas encardidas são vistas em igrejas e prédios de mais de 300 anos.

Priscila Tieppo/UOL

Além disso, as estruturas de alguns templos históricos estão comprometidas e correm o risco de cair. A Igreja de São Francisco de Assis, localizada na praça Minas Gerais, um dos principais cartões postais da cidade,  está interditada pelo Iphan. Cerca de 90% dos 25 templos católicos correm algum tipo de risco, segundo restauradores ouvidos pela reportagem.

O UOL visitou a cidade dentro do projeto UOL Pelo Brasil --que percorrerá municípios em todos os Estados do Brasil durante a campanha eleitoral deste ano.

De acordo com a chefe do escritório técnico do Iphan em Mariana, Maria Raquel Alves Ferreira, as constantes alterações na prefeitura acarretaram atrasos, impossibilitando o cumprimento de prazos dos procedimentos para as restaurações. "A realização de um projeto de restauro é bastante complexa e, desta forma, o cronograma de desenvolvimento torna-se mais extenso que projetos para novas edificações", afirmou.

A própria Prefeitura de Mariana admite problemas em igrejas do centro histórico. Segundo o secretário de Cultura e Turismo, Hélio Rodrigues, o entra e sai de prefeitos atrapalhou no processo de restauração.

“Você não tem continuidade no trabalho, uma equipe começa um trabalho e não termina. Isso atrapalha, então, a gente está tomando as providências agora”, afirmou.

O secretário diz, no entanto, que já existem projetos de restauração sendo administrados pelo órgão, como o da Igreja de São Francisco de Assis. Além disso, a prefeitura alega que teve pouco tempo para as obras. O atual prefeito Roberto Rodrigues (PTB) assumiu o cargo em fevereiro deste ano.

A prefeitura, apesar de não ser o único órgão responsável pela conservação do patrimônio histórico, é a principal interlocutora com outras instituições dos governos federal e estadual para a captação de recursos para a realização de projetos de restauração.

Em 2009, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) das Cidades Históricas, coordenado pelo Ministério da Cultura, destinou R$ 140 milhões, no total, para 32 cidades que apresentaram projetos de restauração do patrimônio. A cidade de Mariana, porém, não se cadastrou porque estava no meio de uma das trocas de prefeitos, justifica o assessor jurídico da Câmara Municipal Israel Quirino.

Em julho deste ano, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) divulgou a pontuação final do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) do Patrimônio Cultural --incentivo que utiliza recursos do imposto destinado à preservação do patrimônio. Mariana perdeu a liderança para Ouro Preto entre os municípios que mais cuidam do patrimônio no Estado e agora está em quarto lugar no ranking de preservação.  A cidade, que em 2011 atingiu 59 pontos, este ano conseguiu 26,9 pontos. Cada ponto equivale, em média, a R$ 15 mil.

Segundo a chefe do Departamento do Patrimônio Cultural da prefeitura, Erika Meyer, a cidade caiu no ranking porque a última gestão não estava convocando as reuniões do Compat (Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Mariana) que deliberam as verbas para a aprovação de projetos, o que também pontua no ICMS do Patrimônio Cultural. De acordo com Erika, isso já foi retomado.

O dinheiro repassado pelo Iepha ao município vai para o Fundo Municipal do Patrimônio Cultural que, segundo balanço de junho, tem R$ 950 mil. Parte desse valor já está sendo investido para os projetos de restauração da Igreja de São Francisco de Assis, da Matriz de Camargos, do coreto do jardim da praça Doutor Gomes Freire (obra já concluída) e da Câmara Municipal de Mariana.

Troca-troca de prefeitos

Priscila Tieppo/UOL

Desde as eleições de 2008, Mariana teve oito trocas, envolvendo cinco prefeitos. Entre eles, o prefeito eleito, o segundo colocado nas eleições passadas, o vice do segundo colocado e dois vereadores.

Roque Camello (PSDB) foi eleito em 2008 e afastado em abril do ano seguinte pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) acusado de compra de votos durante a campanha. Camello continuou na prefeitura até o fim do primeiro ano de mandato. Depois assumiu o então presidente da Câmara Municipal, Raimundo Horta (PMDB).

Em fevereiro de 2010, assumiu a segunda colocada nas eleições Terezinha Severino Ramos (PTB). Em maio, o TRE-MG (Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais) abriu um processo de cassação contra Terezinha e seu vice Roberto Rodrigues (atual prefeito) por suspeitas de irregularidades na prestação de contas da campanha. Reassumiu, então, Raimundo Horta.

O novo presidente da Câmara, eleito pelos vereadores, Geraldo Sales (PDT), assumiu a prefeitura de forma interina em janeiro de 2011. Mas em agosto o TRE reverteu o processo de cassação, e Terezinha voltou à prefeitura.

Em uma nova reviravolta, em fevereiro deste ano, a Câmara cassou o mandato de Terezinha por usar recursos públicos para fins particulares. No mesmo dia, o vice Roberto Rodrigues (PTB) foi empossado.

Jogo de empurra-empurra

O atual prefeito e candidato à reeleição, Roberto Rodrigues (PTB), disse ao UOL que neste tempo de seis meses em que está na prefeitura, foram tomadas medidas emergenciais como a reforma do coreto da praça Gomes Freire e restauração da luminária da praça da Sé.

"A situação das igrejas e de outros monumentos históricos não podem ser creditados ao período de instabilidade política que a cidade viveu. O cuidado com o patrimônio deveria ser uma prioridade dos gestores. Mas não foi isso que vimos nos últimos 12 anos e, desde que assumimos a prefeitura, sentimos na pele o resultado desse descaso", afirmou o prefeito.

Roque Camello (PSDB), que assumiu a prefeitura por um ano, afirmou que determinou algumas restaurações e até assinou protocolos para cadastro no PAC das Cidades Históricas. "Meus sucessores não levaram [a inscrição no programa] adiante", declarou.

Sobre a queda no ranking do ICMS do Patrimônio Cultural, Camello culpa os prefeitos que assumiram depois dele. "Meus sucessores não tiveram a sensibilidade de entender que é fundamental preservar o patrimônio cultural".

Geraldo Sales (PDT), atual presidente da Câmara, ficou oito meses como prefeito interino e disse que chegou a pedir uma auditoria no município para ser passada ao programa do governo federal chamado Monumenta, mas ela foi finalizada, segundo ele, no mês em que deixou a prefeitura. "A equipe dela [Terezinha Ramos, prefeita que assumiu após Sales] não deu sequência ao trabalho".

Terezinha Ramos (PTB) não foi encontrada para responder sobre as suspeitas de irregularidades e o que foi feito em suas duas gestões à frente da prefeitura.

Raimundo Horta (PMDB) também não retornou às ligações e nem aos e-mails enviados pela reportagem.

Campanha à prefeitura

Sete candidatos à prefeitura vão disputar os votos de 43 mil eleitores de Mariana nesta eleição. O morador mais velho da cidade, Vicente Cândido, tem 98 anos e acompanha de perto a política em Mariana.

Sobre a campanha eleitoral na cidade, ele questiona o valor que o atual prefeito e candidato à prefeitura Rodrigues pretende gastar. “O dinheiro que ele [Rodrigues] entrou para a campanha, R$ 8 milhões, é muito dinheiro, né?”.

Seu Vicente, como é conhecido na cidade, já foi vereador em um tempo que "não recebia nada para fazer isso". "A gente fazia por amor. Naquela época, a prefeitura tinha apenas uma carroça para recolher o lixo, e hoje ela é riquíssima", disse. Ele foi vereador de 1950 a 1958 e conta que a cidade não tinha verba para realizar os projetos da Câmara. "A gente fazia de acordo com a possibilidade, não vinha dinheiro de fora".

Mesmo não sendo mais obrigado a votar, seu Vicente disse que vai às urnas. "Eu ainda voto, sim".

Nas ruas, as trilhas sonoras das novelas da TV Globo “Cheias de Charme” e “Avenida Brasil” embalam os jingles do candidato Celso Cota (PSDB). Cota foi o último prefeito da cidade que governou todo o mandato antes do troca-troca de prefeitos, entre 2004 e 2008. O candidato usa isso a seu favor em sua campanha: “vamos eleitores, está na hora de acordar, chega de sofrer, não dá mais para esperar, Mariana só precisa do seu voto para mudar”.

Cota é a aposta entre eleitores ouvidos pela reportagem que o veem como a única alternativa. “Muita gente prefere o Celso Cota, ele é o melhorzinho que está aí agora, o resto não está com nada, não. A maioria das coisas foi ele que fez”.

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