Se o maior objetivo da propaganda eleitoral gratuita é apresentar o candidato ao eleitor que não o conhece, os principais nomes na disputa pela Presidência foram muito bem no primeiro dia. O sisudo José Serra virou Zé, amigo do povo. A durona Dilma Rousseff se transformou em Dilma, a mãe do povo. E à doce Marina Silva coube o papel de, com alarme, anunciar o apocalipse do planeta.
Como já acontece há muito tempo, a campanha presidencial é uma vitrine privilegiada para a exibição do poder e da eficiência dos maiores marqueteiros do país. A novidade nesta eleição parece ser a coincidência de os três candidatos principais estarem sendo submetidos a um processo tão visível de reconstrução de imagem.
No caso de Serra, a transformação foi radical, sem nenhuma transição. No programa de abertura, o ex-governador, ex-prefeito e ex-ministro virou Zé. Sem mais. Oposição? Situação? Quem é o Zé? Nada resume melhor o impacto desta reconstrução que o sambinha apresentado por um grupo de músicos populares no primeiro programa do candidato: “Quando o Lula da Silva sair é o Zé que eu quero lá”.
À noite, no segundo programa, Zé voltou a ser Serra e fez promessas na área de saúde, enfatizando a imagem antiga que o notabilizou, de político com competência de técnico.
A remodelação de Dilma se deu de forma um pouco menos abrupta. Com dez segundos de programa, Lula apareceu pela primeira vez, apresentando a candidata. Diferentemente de Serra, cuja biografia passou feito um foguete, a da candidata foi relatada com calma – incluindo depoimentos do ex-marido, de uma companheira de prisão e de ex-chefes. Igualmente, a luta contra a ditadura foi abordada de frente, ainda que sem esclarecer dúvidas sobre o seu papel na resistência armada.
À noite, Dilma virou “mãe do povo”. Em diálogo permanente com o “pai” Lula, prometeu fazer “o que precisa ser feito” com o “cuidado de mãe”.
Já Marina, cuja identidade com a causa ambiental brasileira é conhecida, optou por apresentar um panorama global do problema. Falou em “planeta”, em elevação do nível dos “oceanos”, “destruição” e “reequilíbrio”. Com bem menos tempo que os rivais, deixou no ar mais medo e alarme do que soluções – uma imagem bem diferente da que a notabilizou. À noite, voltou a ser doce Marina que seus antigos eleitores conhecem.
É possível que alguém sinta saudades de Dilma quando ela não arrumava tanto o cabelo ou de Serra quando ele não sorria? Ao apostar nos novos eleitores, os marqueteiros parecem esquecer dos antigos. Isso faz alguma diferença? Temos 44 dias para ver.