Dois anos após morte de policial, viúva ainda aguarda prisão de criminosos

Luis Kawaguti

Em São Paulo

  • Luis Kawaguti/BBC Brasil

    Ana ainda luta pela por Justiça para a morte de seu marido, ocorrida há 2 anos

    Ana ainda luta pela por Justiça para a morte de seu marido, ocorrida há 2 anos

O futebol de várzea não era só um passatempo para o sargento Maurício (nome fictício), do serviço de saúde da Polícia Militar de São Paulo. "Se houvesse convite para jogos, ele era capaz de praticar todos os dias, isso desde criança. Ele não fumava, não bebia, nem era mulherengo, era um homem de família, mas tinha essa paixão pelo futebol", diz Ana, a mulher com quem dividiu a vida por mais de 25 anos.

Porém, seus familiares e amigos não eram os únicos que sabiam desse "ponto fraco" de Maurício. Em junho de 2012, criminosos supostamente ligados à facção PCC (Primeiro Comando da Capital) montaram uma emboscada e assassinaram o policial em um campo de várzea na zona norte de São Paulo. Segundo as investigações da polícia, o assassinato teria sido um presente de aniversário para um chefe local da facção.

 

Embora o crime que resultou na morte de seu marido tenha ocorrido há pouco mais de dois anos, sua viúva Ana ainda luta para ver seus responsáveis presos, enquanto aguarda o pagamento de uma indenização por parte do Estado.


Riscos

A história do sargento Maurício ilustra uma das faces da guerra cotidiana que toma a maior parte das cidades brasileiras.

Enquanto ao menos 1.259 pessoas foram mortas em 2013 em homicídios cometidos por policiais, um levantamento feito pela BBC Brasil em 22 Estados aponta que, no mesmo período, 316 policiais foram assasinados, a maior parte deles em períodos de folga ou enquanto trabalhavam em serviços privados irregulares, os chamados bicos.

Embora soubesse dos riscos que corria, o policial Maurício tentava acalmar sua família dizendo que era inútil se preocupar.

"Ele dizia que não devíamos nos preocupar, deixar de fazer coisas ou sair na rua, porque se fosse acontecer alguma coisa, os criminosos viriam até em casa, porque têm o endereço de todo mundo", lembra Ana.

"Ele sempre fazia o mesmo caminho para sair do campo e ir até a casa da mãe dele. Quando o jogo terminou (dois criminosos) o seguiram. Ele estava dentro do carro, um veio do lado dele e chamou seu nome. O que estava do outro lado atirou nele", afirmou a viúva.

Investigação

O assassinato aconteceu em junho de 2012, no auge do mais recente conflito entre a Polícia Militar de São Paulo e o PCC (maio a dezembro de 2012), quando a facção determinou o assassinato de agentes da lei como resposta à morte de membros do grupo criminoso.

Desde então, Ana aguarda o esclarecimento do caso e a prisão de seus responsáveis. Além de acompanhar de perto o processo criminal, ela diz fazer sua própria investigação.

"Eu conversei com colegas dele que não falaram com a Polícia Civil e comecei a levar essas informações para investigação", disse.

"Faço isso por uma sede que tenho, não de vingança, mas de justiça", afirmou.

As autoridades policiais identificaram três suspeitos, que respondem ao crime em liberdade. Após ser arquivado e depois reaberto a partir de dados novos obtidos pela Corregedoria da Polícia Militar, o inquérito foi relatado pela Polícia Civil à Justiça no início deste mês.

Indenização

Segundo a viúva, seu marido foi um dos policiais mortos de forma quase aleatória pelo PCC.

Na ocasião, mensagens do crime organizado interceptadas pelos setores de inteligência da polícia ordenavam que os membros do grupo assassinassem policiais (sem dar nomes específicos) em retaliação a ações da Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar), a controversa unidade de elite da polícia paulista.

Segundo ela, a maior prova de que queriam matar um policial, não importando qual fosse, é que Maurício trabalhava havia 20 anos como protético, no centro odontológico da PM. Há muitos anos ele não participava do policiamento de rua.

Ana conta que a morte do marido também afetou as condições econômicas da família, além de ter atingido duramente seu filho.

"Minha luta ainda não terminou", disse. "Meu padrão econômico de vida caiu em 60%, meu filho passou seis meses tendo desmaios frequentes e estamos passando por tratamento psicológico", conta.

Ela tenta agora obter uma indenização paga pelo governo para policiais que morrem em decorrência de seu trabalho. Muitas vezes, no entanto, esse processo é burocrático, especialmente se o assassinato ocorre fora do horário de serviço.

Ana disse que só consegue trabalhos esporádicos e com eles tenta ajudar o filho, que hoje tem 17 anos, a cursar uma faculdade. "Depois que conseguir essas coisas, vou tentar viver."

 

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