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30/08/2008 - 07h30

Repórter vive dia de "militante pago"

Bruno Aragaki
Em São Paulo
Depois de procurar trabalho nas campanhas de Kassab, Marta e Alckmin, sem me identificar como repórter, consegui vaga na campanha do tucano, para começar na quarta-feira (27). O objetivo era descobrir as condições de trabalho dos cabos eleitorais e a remuneração, já que os militantes são proibidos de dar entrevista e as assessorias de imprensa das campanhas não informam os valores.

Segundo a legislação eleitoral, os cabos eleitorais não têm vínculo empregatício com os candidatos nem os partidos. Não há necessidade de contrato escrito e os acordos podem ser feitos verbalmente. Os comitês de Alckmin e Marta, no entanto, propõem contratos temporários, similares aos documentos firmados por lojas e fábricas em épocas de alta como Natal ou Páscoa. Kassab contrata os cabos eleitorais pela cooperativa CooperQuality, às quais os "militantes" são obrigados a se filiarem, mediante pagamento de taxa de R$ 10.
  • Roberto Setton / UOL

    Salário de militantes varia conforme "proximidade" ao candidato

  • Roberto Setton / UOL

    Jornada de "militante pago" teve cinco horas de caminhada sob sol forte no centro de São Paulo



"Fazemos um contrato de 30 dias, até o fim de setembro", explicou a coordenadora dos cabos eleitorais do comitê central de Alckmin e que seria agora minha chefe. "Depois renovamos por mais 30, para o segundo turno", completou.

"E se ele não for para o segund..." tentei perguntar.

"Você tem dúvidas de que vamos? Bom, porque se você não acredita, nem te contrato. Pesquisa eleitoral não define resultado", respondeu Michele, motivando o resto do grupo.

Na rua, o trabalho era "simples". "Basta balançar as bandeiras do partido com alegria e com vontade", como me explicou Michele. Depois de cinco horas debaixo de sol forte e com um colete "azul-PSDB", a missão adquiria certa complexidade..

Michele se apresentava como militante do PSDB desde "os tempos da faculdade". "No meu contrato, está marcado R$ 0,00. Eu, diferente de vocês, não ganho nada, trabalho por paixão".

Oito cabos eleitorais remunerados - eu seria o nono - estavam sob a responsabilidade de Michele. Eram amigos dela do trabalho, ou amigos de amigos. Estavam com ela desde o início da campanha, em julho.

Era ela quem dava as regras do jogo. "Não é para ficar muito próximo do candidato. Nada de querer ter seus 5 minutinhos de fama. É o candidato, e não o cabo eleitoral, quem tem que aparecer".

A regra causava especial pânico entre os cabos eleitorais: "Viu fotógrafo, ou câmera, tem de esconder o rosto com a bandeira, abaixar a cabeça, fugir. Não pode aparecer, nem na TV, nem no jornal". Por quê? "Porque não pode", explicou.

A presença do fotógrafo do UOL, que tentava registrar minha "estréia" como cabo eleitoral, incomodava meus colegas de trabalho. "Ele não pára de tirar foto da gente. Vira de costas, vira", me instruía uma colega.

"Disse que era da Veja, tá tirando foto de você por que você ta de vermelho. Amanhã, vem de outra cor", disse outro.

Por volta das 15h, depois de quatro horas segurando bandeira embaixo do sol, resolvi imitar o candidato e fazer uma pausa numa lanchonete. Entre um eleitor que se aproximava para conversar e outro, Alckmin tentava engolir um sanduíche, dividindo a mesa com assessores. Fui ao balcão e pedi meu lanche, o que causou desespero de minha coordenadora.

"Quem disse para você entrar aqui? Ainda mais com o colete? Vocês só podem comer na perua. Termina seu suco e pede para embrulhar o resto para viagem", brigou comigo.

Na rua, a coordenadora tentava explicar aos outros cabos eleitorais a "gravidade" do meu erro: "Ele estava lá dentro, comendo na mesma lanchonete que o candidato, e tiraram foto. Tiraram um monte de foto, vai sair em tudo que é jornal".

Depois da bronca, os outros colegas de trabalho passaram a me vigiar para evitar outra "bola fora" minha. Esforçavam-se para manter-me sempre a uma quadra de distância do candidato, que entrava de loja em loja no centro da cidade conversando com comerciantes e pedestres.

Depois de cinco horas de caminhada, às 15h30, com um bronzeado de verão no rosto, dores nos braços e nas pernas, ganhei autorização para voltar para casa. A agenda do candidato, por sorte, tinha acabado mais cedo que o habitual. "Amanhã, às 7h30 no depósito, com os documentos para preenchermos os contratos". Nunca voltei.

Pago para militar
Ser pago para militar não é fácil para quem não tem indicação dentro dos partidos. Antes de conseguir a vaga no comitê central de Alckmin, bati à porta de outros dois escritórios da campanha tucana, dois da petista, telefonei para comitês regionais, preenchi fichas e passei um dia na sede da campanha de Kassab.

A resposta era sempre a mesma: as vagas já haviam sido preenchidas pelos indicados dos comitês regionais.

O perfil dos recrutados pelas três campanhas também variava pouco: desempregados de entre 18 e 25 anos, moradores de periferia.

No comitê do DEM, peruas traziam os recrutados pelos escritórios regionais. Havia conhecidos de afiliados ao partido, jovens indicados por igreja evangélica de Santo Amaro e pessoas que tinham trabalhado na campanha de José Serra (PSDB), de quem Kassab herdou a prefeitura.

Nas filas de espera para o cadastro, propagandas com fotos de favelas reurbanizadas, escolas recém-construídas e hospitais modernos na periferia estimulavam a conversa: "em época de eleição tudo funciona", dizia um. "É tudo assim, mesmo, pilantra", respondeu o outro.

Entre os recrutados para a retaguarda de Alckmin, uma jovem comentava o vaivém do mercado: "A Marta tá pagando R$ 1.200. Umas meninas daqui foram chamadas para trabalhar lá".

Além dos salários oferecidos, muitos jovens são atraídos pela possibilidade de fazer trampolim para a carreira pública. "Digo uma coisa: campanha é pauleira, não tem sábado, nem domingo. Mas vale a pena mostrar serviço. Tem um monte de vereador, deputado, os caras falam bem de você e depois te chamam para ser assessor deles, com trabalho certinho, das oito às cinco", me aconselhou um colega já empregado enquanto eu buscava trabalho.

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