Transmissão de julgamento de Lula pode acirrar polarização, diz professor

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

  • 23.dez.2017 - Paulo Lopes/Futura Press/Estadão Conteúdo

Apesar de ser uma iniciativa positiva, a transmissão ao vivo do julgamento do recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode aumentar a polarização e acirrar os ânimos na política.

A opinião é de Eugênio Bucci, professor da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador na área da comunicação pública no Brasil.

"O país inteiro tem uma curiosidade e um interesse legítimo muito grande nesse julgamento. É bom que as pessoas possam acompanhar. E se o julgamento é público, não há nada de errado que ele seja colocado para acesso ao público pelos meios digitais", afirma o professor, que ao mesmo tempo diz ver a iniciativa com "apreensão".

"O risco da exploração demagógica, que não contribui para o esclarecimento, mas contribui para a polarização e o acirramento dos ânimos, também é muito grande", explica.

A 8ª Turma do TRF-4 julgará Lula em segunda instância no próximo dia 24 pelo chamado processo do tríplex. Na primeira instância, o juiz Sergio Moro condenou o petista a nove anos e meio de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A defesa do ex-presidente diz que não há provas dos delitos.

O julgamento no TRF-4 é crucial para o futuro de Lula e também das eleições de 2018. O petista tem liderado as pesquisas de intenção de votos. Uma condenação em segunda instância poderia torná-lo inelegível ou ainda levá-lo à prisão.

A transmissão será feita na página do TRF-4 no YouTube. O sinal da transmissão será retransmitido pelo UOL.

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Resultado não será afetado; performances, talvez

Para Bucci, a transmissão ao vivo, por si só, não afetará o resultado do julgamento. "A experiência brasileira [com as transmissões de sessões do STF] já mostra isso: a transmissão não afetará o ânimo dos juízes. O que pode afetar o ânimo dos juízes, e algumas pesquisas apontam, é a dimensão da repercussão pública", diz o professor.

Ele afirma, no entanto, que a dimensão da repercussão do julgamento "já está dada" --independentemente de haver transmissão direta ou não pelo tribunal. "É um caso de enorme repercussão na opinião pública brasileira", diz.

"Tudo depende não da transmissão, mas da capacidade dos atores que tomarem parte no julgamento de adotarem uma conduta e uma postura que fique à altura da gravidade dos momentos. Devem se ater aos autos, devem evitar reações emocionais de qualquer natureza e devem aplicar a lei considerando os princípios da Justiça, como todo juiz sabe muito bem", afirma.

O professor não descarta a possibilidade de acontecerem embates diretos no decorrer do julgamento. "O que pode haver é um efeito [da transmissão] sobre a performance das partes", pontua, em referência às manifestações da acusação e da defesa no julgamento.

"É possível que a presença das câmeras e a certeza de que isso está sendo visto inflame algumas performances, que se tornam mais enfáticas do que normalmente seriam", afirma.

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Transmissões e o "estrelato" dos juízes

Bucci critica ainda o que chama de "ambiente de estrelato de magistrados" –derivado principalmente, segundo ele, do início das transmissões ao vivo das sessões do STF (Supremo Tribunal Federal), em 2002.

"É claro que a transmissão dos julgamentos do STF pela televisão não é a única causa, mas houve um impulso ali. O juiz tem por dever uma postura altiva, reservada e ultradiscreta. Ele precisa observar essa postura. E nós temos no Brasil, hoje, juízes que disputam em questão de popularidade com jogadores de futebol e atores de televisão", afirma.

Para ele, essa ordem de exposição "não é a ideal", mesmo com o aumento das responsabilidades que cabem, hoje, ao Judiciário no Brasil.

"Quanto maior a responsabilidade que recai sobre o STF, maior tem que ser o zelo dos ministros com a discrição e a postura reservada. Porque quanto mais 'estrela' é o juiz, menor é o potencial de confiança na decisão que ele venha a tomar".

Ele diz, no entanto, não acreditar que o julgamento no TRF-4 venha a ter embates abertos entre os desembargadores. "Acho que não teremos personalismos e vaidades em conflagração, como aconteceu algumas vezes no STF", afirma.

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