Alta no índice de não participação nas urnas põe em xeque voto obrigatório?

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

  • Werher Santana/Estadão Conteúdo

    Eleitores fazem fila para votar no segundo turno em Guarulhos (SP)

    Eleitores fazem fila para votar no segundo turno em Guarulhos (SP)

As eleições deste ano registraram os índices mais altos de não participação do eleitor das últimas cinco eleições municipais. Votos brancos, nulos e abstenções superaram o registrado em 2000, 2004, 2008 e 2012 (pleitos com dados disponíveis).

Este ano, 11% das pessoas que foram às urnas no primeiro e no segundo turno não escolheram nenhum dos candidatos, votando branco ou nulo. Outros 17,6% no primeiro turno, e 21,6% no segundo turno, nem foram votar, engrossando o mais alto índice de abstenção ao menos desde o ano 2000.

No Brasil o voto é obrigatório. Isso significa que os maiores de 18 anos e menores de 70 anos têm a obrigação de ter título de eleitor e de comparecer às urnas.

A elevação nos índices de não participação do eleitor fizeram o debate sobre a obrigatoriedade do voto ecoar na mais alta corte da Justiça brasileira.

Arte/UOL

Em entrevista no último domingo (30), dia em que foi realizado o segundo turno, a presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Cármen Lúcia, afirmou ter ficado "surpresa" com os altos índices de abstenção, votos nulos e brancos nas eleições municipais deste ano, e defendeu que seja mantida a obrigatoriedade do voto até que a população tenha "suficiente informação" para escolher os seus governantes.

"Sou favorável ao voto obrigatório até que educação no Brasil garanta que todo mundo tenha suficiente informação, para poder se posicionar com liberdade absoluta", disse Cármen Lúcia.

Também o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Gilmar Mendes, comentou no domingo os índices de abstenção e disse que a proposta de abolir o voto obrigatório pode ser um fator de "deslegitimação brutal" das eleições.

Mendes citou o caso do Chile, onde após a abolição do voto compulsório, em 2012, o índice de abstenção atingiu 65,1% nas eleições desse ano, pior índice desde a redemocratização do país após a ditadura. "O Chile acaba de fazê-lo e acaba de colher, talvez, um catastrófico resultado", disse o ministro.

A penalidade para quem não comparece à votação e não justifica a ausência à Justiça Eleitoral é multa de até R$ 3,51 a cada turno ausente, e uma série de proibições caso tenha o título de eleitor suspenso, como proibição de fazer concursos públicos ou até de receber salário, no caso de funcionários do governo. Mas a suspensão do título só ocorre se o eleitor permanecer três turnos sem apresentar justificativa pela ausência.

Entre os 12 países da América do Sul, sete adotam o voto obrigatório: além do Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai. Na União Europeia, de seus 28 Estados membros, três adotam o voto obrigatório: Bélgica, Grécia e Luxemburgo.

Reforma política

Em junho de 2015 a Câmara dos Deputados barrou o voto facultativo por 331 votos contrários à medida e 143 a favor. Em 2013, outro projeto que previa acabar com a obrigatoriedade do voto foi barrado no Senado pela Comissão de Constituição e Justiça.

Como o voto obrigatório é uma imposição da Constituição Federal, para alterar esse dispositivo é necessário o apoio de pelo menos 60% dos deputados e senadores, um dos quóruns de votação mais altos exigidos pelas regras do Congresso Nacional.

Existem hoje no Congresso Nacional ao menos quatro projetos para abolir a obrigatoriedade do voto. Mas especialistas e políticos consideram que a ideia tem poucas chances de ser aprovada.

Atualmente, tanto a Câmara quanto o Senado discutem propostas de reforma política. Nesta terça-feira (1º), o presidente da comissão da Reforma Política da Câmara, Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), disse ser a favor do voto facultativo e afirmou que o tema será debatido pela comissão após a alta no índice de abstenção nas eleições. "Estamos pressionados pelas urnas", disse.

Autor de um dos projetos que preveem o fim do voto obrigatório, o senador José Reguffe (sem partido-DF) afirma que a medida pode até mesmo reduzir a influência do poder econômico nas eleições.

A análise do senador é de que hoje, com o voto obrigatório, muitos eleitores que votam apenas para cumprir a exigência legal terminam por escolher o candidato mais conhecido, frequentemente o que contou com uma campanha mais cara.

"Além de mais democrático, o voto facultativo vai exigir que a classe política tenha outro tipo de postura, que tenha que fazer um trabalho de convencimento de ideias e de prestação de contas depois [da eleição]. Porque só o convencimento de ideias vai levar o eleitor às urnas", afirma Reguffe.

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'Educação política'

Para o coordenador do Laboratório de Política e Governo da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Milton Lahuerta, o voto obrigatório estimula a educação política da sociedade. Ele diz que em países em que não há a obrigatoriedade, a tendência é de que segmentos mais pobres e marginalizados da sociedade liderem os índices de abstenção.

"Este não é um debate simples. Eu acredito que neste momento não ajudaria a melhorar a educação política da cidadania brasileira. Não é assim que vamos resgatar o sentido e o significado da política para a vida em coletividade", afirma Lahuerta.

O professor do departamento de Ciência Política da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Wagner de Melo Romão, relativiza o alarmismo com a alta das abstenções. Para o pesquisador, apesar do crescimento na não participação do eleitor, a grande maioria permanece indo às urnas e escolhendo um dos candidatos.

"Há um crescimento lento, mas constante, de votos nulos. Isso pode expressar certa desilusão do eleitorado com o conjunto dos políticos? Acho que isso é possível", diz.

"Agora veja, não é um aumento desproporcional. Não é algo inesperado. Então acho que a gente também tem que ponderar um pouco porque, ao fim e ao cabo, grande parte do eleitorado continua se manifestando, fazendo uma opção, seja pelo nos pior, mas continua fazendo uma opção por algum candidato", afirma Romão.

Para o professor da Unicamp, é possível que os resultados da última eleição levantem o debate sobre a obrigatoriedade do voto no Congresso Nacional, mas Romão diz achar pouco provável que a classe política promova alterações nesse ponto.

"Seria uma mudança realmente substancial no processo eleitoral. Então eu acho que, de uma maneira geral, os políticos tendem a não fazer grandes alterações", afirma.

Biometria reduziu abstenção

A abstenção (eleitores que não foram votar) foi menor nas cidades que completaram o recadastramento biométrico dos eleitores. Nessas cidades, os eleitores tiveram que se recadastrar na Justiça Eleitoral para poder se identificar no dia da votação por meio da biometria, o sistema informatizado de reconhecimento de impressões digitais.

Com o recadastramento obrigatório, os eleitores que já morreram ou mudaram de cidade são eliminados do cadastro de eleitores daquele município. Com isso, deixam de fazer parte do cálculo de ausentes nas eleições, reduzindo o índice de abstenção.

Por exemplo, Olinda (PE), uma das cidades que fez o recadastramento para esta eleição, registrou o menor índice de abstenção entre os municípios que tiveram segundo turno: 8,05%.

No primeiro turno das eleições de 2012, Olinda teve uma abstenção de 15,8%. Entre as duas eleições o recadastramento para a biometria reduziu em 15,7% o número de eleitores registrados no município, o que corresponde a 48.508 eleitores.

Reportagem da "Folha de S.Paulo" apontou que nas cidades com biometria a abstenção média foi de 16%, enquanto nos outros municípios foi de 24,58%.

O crescimento da abstenção pela falta de recadastramento no entanto não explica a alta nos índices de votos brancos e nulos, que são os eleitores que compareceram às urnas mas não escolheram nenhum dos candidatos.

"Era esperado que isso ocorresse e não é surpreendente", afirma Lahuerta. "O estranho seria se nessas eleições houvesse uma enorme afluência de eleitores às urnas", diz o pesquisador da Unesp.

Lahuerta identifica entre os motivos que alimentam o desencanto do eleitor os sucessivos escândalos de corrupção, desde o mensalão, em 2005, e o clima polarizado que assumiu o debate político nas redes sociais.

"Tudo isso vai criando um caldo de cultura que transforma a política cotidiana não numa atividade que busca construir alternativas e caminhos, mas numa guerra", diz.

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