Analistas veem candidatos do Rio pensando transporte de forma fragmentada

Alfredo Mergulhão

Colaboração para o UOL, no Rio

  • Júlio César Guimarães/UOL

    VLT trafega pela avenida Rio Branco, no centro do Rio

    VLT trafega pela avenida Rio Branco, no centro do Rio

Em suas propostas para melhorar a mobilidade urbana no Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB) afirma que vai priorizar o BRT, enquanto Marcelo Freixo (PSOL) afirma querer ampliar o VLT. E ambos os candidatos que estão no segundo turno cometem o mesmo erro nas propostas para a área de mobilidade urbana, de acordo com especialistas consultados pelo UOL: pensar o transporte público do Rio de forma fragmentada.

"É preciso ver o sistema como uma rede que funciona de forma integrada. Este é um problema não só dos dois candidatos do segundo turno, mas de todos que fizeram propostas já no primeiro", criticou o engenheiro de Transportes Ronaldo Balassiano, da Coppe-UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio).

Para o professor, tanto os investimentos em BRT quanto em VLT são bem-vindos, desde que as redes sejam articuladas e ampliadas com planejamento que leve em conta o local para onde a cidade vai expandir. "Aumentar as linhas de forma isolada não faz o menor sentido", disse Balassiano.

Os dois tipos de transporte não são de alta capacidade, mas são os que a prefeitura tem competência para administrar, pois as linhas de trem e metrô são concessões do governo estadual.

A viabilidade de ampliação de qualquer um dos modais de transporte dependerá dos recursos que a prefeitura terá à disposição. Os investimentos são elevados: o VLT custa em média R$ 39,6 milhões por quilômetro construído, segundo o engenheiro de Transportes Márcio de Almeida D'Agosto, da Coppe-UFRJ.

O preço do BRT varia de acordo com a quilometragem. Até 20 km, os corredores dos ônibus articulados custam R$ 30,8 milhões o quilômetro construído. O valor cai para R$ 20,3 milhões quando os corredores são maiores que 20 km, de acordo com D'Agosto.

Marcia Foletto/Agência O Globo
O projeto do BRT TransBrasil prevê a ligação da Baixada Fluminense ao centro do Rio. A proposta de Crivella é finalizar o corredor até o final de 2017

O prognóstico não é bom para o próximo prefeito realizar esses investimentos. A proposta de Lei Orçamentária Anual começou a tramitar na Câmara do Rio no dia 4 de outubro e prevê um orçamento de R$ 29,5 bilhões para o município em 2017. Em 2016, o valor foi de R$ 30,8 bilhões. Considerando a inflação, a redução no orçamento chega a R$ 3 bilhões, segundo a FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Estatal de transporte foi extinta em 1996

Para os especialistas, uma empresa pública para administrar os transportes no município –como a proposta por Freixo-- só caberia neste contexto se for para planejar a integração física e tarifária dos diversos modais, por meio de terminais que permitam sair do metrô e acessar o BRT, por exemplo, pagando só uma passagem, com o bilhete único.

"Se for uma empresa de planejamento e estudos do sistema de transporte, tudo bem. Como empresa de transporte, não vejo viabilidade. Já tivemos experiências de empresas do governo e não foram bem sucedidas. O poder público tem que ser forte na regulação e na garantia do serviço de qualidade para a população", afirmou o engenheiro de Transportes José Eugênio Leal, da PUC-RJ.

O Rio já teve uma estatal nesta área, a CTC-RJ (Companhia de Transportes Coletivos do Rio), que operou linhas intermunicipais e também na capital, mas foi extinta em 1996 e atualmente está em liquidação.

A criação de uma empresa pública está prevista na Lei Orgânica do Município. O artigo 394 diz que "os serviços de transporte coletivo municipal serão operados preferencialmente pelo município, através de empresa pública especialmente criada para esse fim".

Freixo sustenta sua proposta nesta legislação. "Nós apenas queremos cumprir a Lei Orgânica do Município. Mas a mudança do sistema não será feita da noite para o dia. É um processo que vai atravessar todo os quatro anos de governo", explicou em nota.

Racionalização

Em agosto de 2015, a prefeitura iniciou uma série de mudanças nas linhas de ônibus do Rio. Freixo e Crivella prometem desfazer essas alterações realizadas, chamadas de "racionalização" pela administração municipal. Ao todo, 50 linhas foram extintas, 26 modificadas e 21 criadas.

O engenheiro de Transportes Márcio de Almeida D'Agosto, da Coppe-UFRJ, explicou que a prefeitura tem autonomia para planejar e estabelecer a rede de linhas da cidade.

"É uma atribuição do prefeito criar novas linhas ou reconfigurar as que existem. Mas, como a prefeitura concede o serviço para a iniciativa privada, teria que verificar se tem algum ponto do contrato que altere isso. Pouco gente conhece o contrato", afirmou.

Os dois candidatos também prometem fazer auditorias nesses contratos e nas planilhas de custos das empresas de transporte público, uma proposta considerada viável. "Rever contratos é sempre salutar, desde que seja discutido entre as partes. Isso faz parte de qualquer processo de concessão", disse Balassiano. Essa revisão pode resultar em diminuição no preço da passagem.

Luciana Whitaker/Reuters

A ampliação do prazo de utilização e a integração tarifária do bilhete único com os diferentes tipos de transporte público no Rio também foram propostas consideradas positivas.

"Acho que os custos e as arrecadações de todo o sistema municipal e intermunicipal devem ser auditados para saber o custo de um sistema de integração tarifária que seja viável para o poder público, porque algum subsídio deve existir. Aqui o tratamento deve ser metropolitano com a participação do governo do Estado e das prefeituras da região", disse Leal.

A proposta de Crivella de construir estacionamentos por meio de parceria público privada foi alvo de críticas. "Não faz bem para cidade. Gera mais movimento de carro, e a cidade não comporta mais veículos. Isso só pode se justificar em área periférica, onde as pessoas vêm de lugares mais distantes e poderiam deixar os carros para usar o transporte coletivo", disse Balassiano.

Já o engenheiro de Transportes da UERJ (Universidade do Estado do Rio) Gilberto Gomes Gonçalves acredita que a medida pode ser positiva se acompanhada da proibição de estacionamento nas ruas, para melhorar o escoamento dos carros. "Não podemos fingir de uma hora para outra que o transporte individual não existe. Então não dá para investir no de massa e esquecer as pessoas continuam usando o individual", declarou.

Autor da proposta, Crivella argumenta que os estacionamentos são necessidade do comércio. "O projeto não nasceu de uma suposição, mas sim das conversas do candidato com comerciantes de diversas regiões da cidade", afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa.

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