Lava Jato e novas leis eleitorais dão espaço a '2º escalão' de marqueteiros

Aiuri Rebello

Colaboração para o UOL, em São Paulo

  • Arte/UOL

Estúdios cinematográficos, viagens, imagens feitas em helicópteros, efeitos especiais e profissionais contratados a preço de ouro eram até há pouco tempo parte das maiores campanhas eleitorais no país. No pleito deste ano, porém, a Operação Lava Jato, a crise econômica e a nova legislação eleitoral, que restringe doações e proíbe a contribuição de empresas, mudaram este cenário.

Saíram de cena grandes estrelas do marketing político brasileiro, desinteressadas em fazer o serviço por pouco dinheiro e sem recursos para produções grandiosas. Nomes conhecidos, como Duda Mendonça, João Santana, Nelson Biondi e Luiz Gonzalez não estão trabalhando, pelo menos oficialmente, nas eleições deste ano. 

Duda Mendonça é um exemplo dessa situação. Já tendo sido acusado de ilegalidades durante o mensalão petista --ele acabou inocentado--, preferiu ficar de fora do páreo neste ano. Segundo a secretária de seu escritório, ele deve passar todo o período eleitoral na Europa, onde possui duas agências.

Marqueteiro "oficial" do PSDB, Luiz Gonzalez está rompido com a sigla, por dívidas da campanha de José Serra à prefeitura em 2012 no valor de R$ 17.154.087,97 -- há um processo na 22ª Vara Cível de São Paulo. Essa foi a terceira vez que o marqueteiro procurou a Justiça contra os tucanos. O advogado do PSDB Anderson Pomini defende um acordo em torno da questão. 

Com isso, abriu-se caminho para a ascensão de um "segundo escalão" de marqueteiros menos famosos --e, principalmente, mais baratos-- que ganharam espaço na chefia de campanhas grandes em algumas das principais capitais brasileiras.

Em São Paulo, onde está o maior colégio eleitoral do país, com 8,8 milhões de votantes segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), são profissionais com este perfil que comandam as principais equipes.

De acordo com o que o UOL apurou com profissionais de quatro campanhas em São Paulo, uma no Rio e outros que não estão trabalhando neste ano, os ganhos destes profissionais, antes na casa dos milhões, em 2016 ficam entre R$ 100 mil e R$ 200 mil por mês de trabalho. De acordo com diversos profissionais ouvidos pela reportagem, as produções estão no geral pelo menos 40% mais baratas, com cortes que afetam também o salário de outros profissionais.

Letícia Moreira - 18 ago.2010/Folhapress
O marqueteiro João Santana está proibido de trabalhar neste ano
Dança das cadeiras

Em 2012, com um orçamento de quase R$ 90 milhões, o PT contratou o marqueteiro João Santana para assessorar Fernando Haddad na disputa pela Prefeitura de São Paulo. O publicitário fez a campanha mais cara daquele ano. Com mais tempo de TV e mais dinheiro do que seus adversários, Haddad saiu dos 5% nas intenções de voto em meados de julho para ocupar uma vaga no segundo turno e, em seguida, ser eleito prefeito.

Quatro anos depois, a situação é bem diferente. Santana está proibido de trabalhar após passar quase seis meses na cadeia. O publicitário negocia um acordo de delação premiada, suspeito de ter recebido dinheiro desviado da Petrobras por meio de caixa dois como parte do pagamento pela campanha de Dilma em 2010. De acordo com sua assessoria de imprensa, a Pólis, sua agência, está fechada e com todas as atividades suspensas.

Reinaldo Canato/UOL
Bastidores de debate eleitoral em São Paulo
Com um teto de gastos estimado em até R$ 17 milhões em 2016, menos de 20% do dinheiro disponível no pleito anterior, Haddad contratou Angela Chaves para comandar a propaganda, por um valor até 70% menor do que outras alternativas tentadas antes.

Braço direito do publicitário Edson Barbosa, é a primeira vez que Angela assume um projeto desse porte sozinha. Devido a um acidente no qual quebrou a perna, agora se desloca em um patinete. "Ela tem uma capacidade de análise e organização fantásticas, é uma excelente profissional", elogia o ex-chefe, que chegou a fazer as peças de TV do PT nacional no início do ano. Barbosa costuma tocar mais de uma campanha ao mesmo tempo, mas não pegou nenhuma neste ano.

"Existe muita incerteza jurídica, talvez falte dinheiro para fazer um bom trabalho, então neste ano estou apenas aconselhando amigos em caráter particular", afirma ele, que prefere ser chamado de publicitário.

O termo marqueteiro adquiriu uma carga pejorativa muito grande, significa tudo de ruim que existe na comunicação política hoje, tudo o que foi feito de errado

Edson Barbosa, publicitário

O UOL solicitou uma conversa com a marqueteira de Haddad, mas, segundo a assessoria de imprensa, ela não estaria concedendo entrevistas.

Reinaldo Canato/UOL
David Goldberg, da campanha de João Doria (PSDB-SP), ajuda cinegrafista e, em seguida, detalha cenas para programa eleitoral
Valores altos demais

Uma das opções naturais de João Doria em São Paulo era o experiente Nelson Biondi. "Marqueteiro oficial" do PSDB, o ex-sócio de Duda Mendonça trabalhou em várias campanhas do partido. Fontes próximas ao empresário, porém, contam que as conversas não chegaram a avançar, pois os valores cobrados por Biondi estavam altos demais.

Na agência do marqueteiro, a Nova Estratégia Branding Político, dizem que ele resolveu não trabalhar com eleição neste período eleitoral. Assim, Doria acabou fechando contrato com Lula Guimarães, que capitaneou a campanha de Marina Silva (Rede) na corrida presidencial de 2014, por uma fração do valor pedido por Biondi.

À frente da propaganda da ex-petista Marta Suplicy (PMDB) também está um marqueteiro emergente. O jornalista Alexandre Oltramari chegou a trabalhar para a gestão de Haddad em São Paulo, no início do ano, mas fechou contrato para comandar a campanha de Marta em cima da hora, no final de julho.

"A conjuntura está abrindo este mercado para uma nova geração que está chegando", diz o marqueteiro, que afirma não ter cogitado ficar de fora das eleições neste ano. "Antes você tinha tipo dez caras muito grandes, a coisa ficou monumental e era irreal. Estou trabalhando no padrão [de remuneração] que sempre trabalhei, então essa suposta crise para mim não é um problema", afirma Oltramari, que fez carreira no jornalismo em publicações como a revista "Veja" antes de enveredar pelo caminho do marketing político.

"Acho que esse mercado passa por uma mudança muito grande. Essa situação vai valorizar os profissionais, as boas ideias de governo, a discussão política e colocar a comunicação a serviço disso tudo", diz o marqueteiro de Marta.

Reinaldo Canato/UOL
A equipe de Celso Russomanno (PRB-SP) conversa antes do debate na TV Gazeta; ao centro, o publicitário Duda Lima
Essa troca de geração é corroborada também na campanha do líder em todas as pesquisas no pleito paulistano, Celso Russomanno (PRB). Seu marqueteiro, o mineiro Duda Lima, tem como principais trabalhos no currículo as duas campanhas vitoriosas do deputado federal Tiririca (PR-SP) à Câmara. O UOL tentou conversar com o publicitário, mas ele diz que não concede entrevistas durante as eleições.

No Rio de Janeiro, Renato Pereira talvez seja uma das exceções entre os profissionais consagrados nas eleições municipais deste ano. O sociólogo carioca coordenou a pré-campanha do tucano Aécio Neves à Presidência em 2013, mas deixou o candidato antes do pleito. Ele foi substituído pelo marqueteiro histórico do PSDB mineiro, Paulo Vasconcelos, que também não estaria trabalhando neste ano (o UOL não conseguiu contato com ele ou com sua equipe).

Candidatos escondem partidos em propagandas na TV

Pelas beiradas

O mineiro Leandro Grôppo, 35, é um bom exemplo do marqueteiro que ocupou espaços vazios e cresceu neste ano. Toca com sua equipe 23 campanhas a prefeituras Brasil afora, a maioria de pequeno e médio porte em Minas Gerais.

Sem dedicação pessoal exclusiva, Grôppo conseguiu fazer um preço melhor e pegar muitos trabalhos ao mesmo tempo neste ano, de crise geral do mercado de marketing político. Apesar do crescimento do próprio negócio na atual conjuntura, o publicitário só tem críticas às novas regras eleitorais que, entre outras novidades, proíbe a doação de empresas e limita a doação de pessoas físicas a no máximo 10% da renda declarada no ano anterior.

"Tem muito candidato que acaba querendo as coisas quase de graça", afirma Grôppo. "Oferece pagamento mediante sucesso, compensações futuras… isso sucateia a profissão."

Para ele, a situação favorece os candidatos ricos --um postulante a cargo público pode investir o próprio patrimônio--, que podem gastar com mais liberdade. "Com o cerceamento da comunicação, você acaba impedindo aquela liderança nova, que os eleitores querem, de aparecer para o público. O brasileiro não tem tradição de doar dinheiro do próprio bolso para políticos, que nem nos Estados Unidos. Quase ninguém vai doar", avalia.

Para o professor de marketing político Emmanuel Publio Dias, da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), a legislação adotada neste ano será um teste. "Acho que vai limitar os excessos que vinham acontecendo em pleitos anteriores, mas ninguém sabe como vai terminar e se vai dar certo ou não", diz.

"Houve nos últimos anos uma expansão inimaginável nos custos das produções e agora não vai dar para fazer tudo o que o pessoal está acostumado. Com menos dinheiro, as campanhas têm de ser mais talentosas, criativas e eficientes. Existia um desperdício de recursos muito grande."

 

Veja também

UOL Cursos Online

Todos os cursos