Aliado de Russomanno usa "notas frias" para justificar gasto parlamentar

Flávio Costa

Do UOL, em São Paulo

  • Reprodução - 3.jun.2016/Facebook

    Russomanno (à esq.) cumprimenta Marcelo Squassoni ao anunciá-lo como coordenador de campanha

    Russomanno (à esq.) cumprimenta Marcelo Squassoni ao anunciá-lo como coordenador de campanha

O deputado federal Marcelo Squassoni (PRB-SP), coordenador de campanha do candidato a prefeito de São Paulo pelo PRB, Celso Russomanno, usou notas fiscais de uma empresa que só existe no papel para justificar um gasto de R$ 28 mil de sua cota parlamentar, dinheiro público destinado aos parlamentares para custear despesas como passagens aéreas e manutenção de escritórios políticos.

Entre setembro de 2015 e maio de 2016, a Tess Tecnologia em Sistemas de Seguranças Ltda emitiu oito notas fiscais, no valor de R$ 3,5 mil cada uma, para serviços de manutenção de sistema de alarme e monitoramento do escritório político de Squassoni no Guarujá (SP), base eleitoral do deputado.

Squassoni nega qualquer tipo de fraude na prestação de contas e diz ser vítima "de uma armação de adversários políticos do Guarujá". O deputado informou que pediu para a Polícia Federal investigar o caso. Segundo o parlamentar, as notas fiscais "foram devidamente apresentadas, pagas e reembolsadas" pela Câmara dos Deputados após minuciosa análise de documentação.

Na segunda-feira, o UOL procurou Russomanno. Por telefone, ele disse à reportagem que "iria se inteirar da situação com sua assessoria e daria retorno". Até a publicação do conteúdo, o candidato e sua assessoria não responderam aos questionamentos feitos no dia anteriorNo início da tarde desta terça (20), a assessoria de Russomanno informou que "não havia tido oportunidade de falar com o candidato sobre o assunto e que ele havia acabado de embarcar para Brasília".

Flávio Costa/UOL
Nota fiscal foi emitida com o antigo nome da Tess Tecnologia para gabinete de deputado

A Tess Tecnologia é uma empresa sem movimentação financeira nem funcionários. No endereço que consta nos recibos e nas notas, funcionam outros estabelecimentos. Os telefones indicados nas notas e nos recibos, no cadastro da empresa no CNPJ ou pertencem à outra empresa ou não atendem --a reportagem ligou três vezes em horário comercial na quinta-feira (15), na sexta-feira (16) e na segunda-feira (19). As notas foram emitidas com o antigo nome da Tess: Master Prestadora de Serviços Eireli.

No período em que foram emitidas as notas, apenas o gabinete de Squassoni aparece como cliente da empresa, de acordo com o sistema de notas fiscais da Prefeitura de Guarujá. No mesmo intervalo de tempo, não houve movimentação em conta bancária em nome da empresa, de acordo com extratos a que a reportagem teve acesso.

Dívida de campanha?

Flávio Costa/UOL
"As notas emitidas para o deputado Squassoni são frias", diz José Eduardo dos Santos

O dono da empresa, José Eduardo dos Santos, afirma que nunca recebeu o dinheiro e que os serviços não foram prestados.

Ele diz que emitiu as notas para justificar um pagamento de uma dívida da campanha de 2014 com o produtor musical Oseas Pedro Alves, que é seu sócio em uma empresa de marketing político chamada Estúdio Intelligence Marketing. Procurado pela reportagem, Alves confirmou a informação. Na prestação de contas da campanha de 2014 apresentada por Squassoni à Justiça Eleitoral, não há menção a Alves ou a esta empresa.

Veja as versões do deputado e do denunciante 

Santos apresentou uma denúncia sobre o caso ao Ministério Público Federal, em São Paulo. Como o deputado tem foro privilegiado, o caso será encaminhado para a Procuradoria-Geral da República, em Brasília. "Decidi denunciá-lo porque, além de não ter conseguido nenhum tipo de benefício, [o caso] agravou ainda mais a minha situação financeira", declarou.

Dois integrantes do Ministério Público e um jurista ouvidos pela reportagem, sob a condição de não ter seus nomes revelados, afirmaram que a Tess tem características de "empresa inativa" e que as emissões de notas fiscais para o gabinete do deputado, sem a comprovação do serviço, revelam indícios de irregularidades e desvio de verba pública.

"Palhaçada política"

Luis Macedo/Câmara dos Deputados
Squassoni diz que os serviços foram feitos por "Oseas", que nega a declaração

"Eu vou processar esse vagabundo [José Eduardo dos Santos]. Isso é uma palhaçada política, isso é típico dessa política nojenta que existe nesse momento em Guarujá", afirmou o deputado, em entrevista ao UOL, na quinta-feira (15).

Segundo o deputado, o serviço de manutenção no sistema de segurança de seu escritório foi prestado pelo sócio de Santos. Squassoni afirmou que não foi formalizado um contrato de prestação de serviços.

"Eu não sabia que José Eduardo emitia notas. Eu nem lembro a cara desse rapaz. Oseas recebeu os pagamentos. Meu escritório pagava a ele. O serviço foi feito. Não há nada de errado", declarou Squassoni. "Oito notas pagas, sete já reembolsadas [pela Câmara]. Tudo pago e com recibo", afirmou.

O deputado também enviou à reportagem um boletim de ocorrência feito na noite da última quinta-feira (15), em que o produtor musical Oseas Pedro Alves afirmaria ter "prestado serviços de manutenção preventiva das instalações de equipamentos de segurança eletrônica do escritório político do parlamentar em Guarujá".

À reportagem do UOL, Oseas Pedro Alves Alves negou que tenha recebido pelo serviço e negou também que tenha assinado o boletim de ocorrência ou feito qualquer declaração às autoridades. "Não prestei serviço nem tenho qualificação técnica para fazer manutenção ou monitoramento de sistema de segurança", afirmou.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo confirmou o registro do boletim e informou que Alves esteve na delegacia, mas não assinou o documento porque decidiu deixar o prédio antes da finalização da ocorrência.

Segundo a SSP, em boletins de natureza "não criminal", como o enviado pelo deputado para a reportagem, não é obrigatória a assinatura do declarante "e, por esse motivo, o homem foi autorizado a deixar a delegacia e retirar o documento posteriormente."

Falta fiscalização

Para fiscalizar como cada deputado gasta a verba da cota parlamentar, a Câmara só exige a apresentação da nota fiscal e de recibos de pagamento. Não há registro de como o dinheiro chega aos prestadores de serviço dos gabinetes.

"Não existe a exigência da comprovação de que forma o pagamento foi realizado. Se por transferência bancária ou pagamento em dinheiro, por exemplo. E isso constitui uma falha do sistema de controle da Câmara", explica Manoel Galdino, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil.

A reportagem perguntou para o deputado de que maneira Alves teria sido pago, mas nem Squassoni nem sua assessoria esclareceram esse ponto.

Reprodução/Arquivo Pessoal
Casa no Guarujá onde funciona o escritório político do deputado Marcelo Squassoni

As notas nos valores de R$ 3,5 mil correspondem a cerca de 7% dos gastos de R$ 398 mil do deputado federal, com a cota parlamentar no período em que foram emitidas -- setembro de 2015 e a maio de 2016.

O limite da cota é definido de acordo com o Estado a qual pertence o parlamentar, por conta do preço das passagens aéreas. Os valores variam de R$ 30.788,66 a R$ 44.632,46.

O escritório político do deputado Squassoni é uma casa de dois andares localizada na rua Santo Amaro, 425, no Guarujá. No portão, há pelo menos duas câmeras, que monitoram o movimento de entrada e saída. De acordo com a assessoria do deputado, há um total de 15 câmeras e um sistema que permite ao deputado visualizar o que acontece no escritório quando ele está em Brasília.

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