Com candidatura 'tapa-buraco', RR tem única mulher em disputa a governo

Nathan Lopes e Natália Peixoto

Do UOL, em São Paulo

  • Divulgação

    Em setembro, Neudo Campos deixou a disputa ao governo roraimense; chapa foi assumida por sua mulher, Suely

    Em setembro, Neudo Campos deixou a disputa ao governo roraimense; chapa foi assumida por sua mulher, Suely

Apenas uma mulher ainda tem chance de assumir um governo estadual a partir de 1º de janeiro de 2015. "Só ficou eu no páreo", afirma Suely Campos (PP). Candidata ao governo de Roraima, ela é a única representante do sexo feminino que disputa o segundo turno em um dos 14 pleitos regionais pendentes. Os outros 13 Estados tiveram vitória de homens.

Ao todo, foram apenas 17 postulantes ao cargo de governadora, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). 

O baixo sucesso das candidatas a governos estaduais se dá devido a falhas na construção da base dessas candidaturas, diz a cientista política e professora do Instituto de Ciências Políticas da UnB (Universidade Nacional de Brasília) Flávia Biroli. "O problema não está no voto, mas na construção de carreiras políticas competitivas de mulheres. São padrões sociais. As mulheres são menos incentivadas a seguirem alguns estilos de vida, e a política é um deles."

A candidata Suely Campos concorda que falte apoio. "Infelizmente, a participação da mulher não é do jeito como deveria ser. Apesar de termos uma mulher presidente [a petista Dilma Rousseff, candidata à reeleição], a participação costuma ser bem abaixo do que deveria."

Atualmente, duas mulheres comandam Estados: Roseana Sarney (PMDB), no Maranhão, e Rosalba Ciarlini (DEM), no Rio Grande do Norte, que não concorreram desta vez. Roseana anunciou que não disputaria mais cargos eletivos. Já Rosalba teve a candidatura vetada por seu partido pela impopularidade.

Contudo, ao menos três mulheres poderão ser governadoras durante os próximos quatro anos. São Cida Borghetti (Pros), vice de Beto Richa (PSDB), no Paraná; Cláudia Lelis (PV), vice de Marcelo Miranda (PMDB), no Tocantins; e Margarete Coelho (PP), vice de Wellington Dias (PT), no Piauí. Elas assumem durante as viagens e férias dos titulares.

A cientista política diz que a situação na disputa nos Estados reflete o tamanho da participação das mulheres na política brasileira. "Mais surpreendente é o Congresso, que, mesmo com política de cotas, mantém o percentual de representação feminina, que não ultrapassa os 10%", analisa.

Eleições 2014 em Roraima
Eleições 2014 em Roraima

Motivação

Aos 62, Suely diz acreditar que as mulheres estão tímidas em participar da política. "Falta motivação de todos os partidos."

Ela recorda que a decisão de se candidatar pela primeira vez foi tomada depois de trabalhos na área social durante governos de seu marido, Neudo Campos (PP), em Roraima. Entre 1997 e 2002, Suely foi secretária do Bem-Estar Social.

"As pessoas falavam para eu entrar na política, o povo mesmo falou para eu ser candidata", recorda. Seu mandato como deputada federal durou de 2003 a 2006. Mais tarde, entre 2009 e 2012, Suely foi vice-prefeita da capital Boa Vista, durante a gestão de Iradilson Sampaio, do PSB, partido contra o qual agora disputa o governo. Chico Rodrigues, candidato à reeleição, é seu adversário.

Última hora

Apesar do histórico político, Suely não era candidata ao governo de Roraima. "Não passava pela minha imaginação", contou ao UOL.

Em 12 de setembro, ela passou a ocupar a vaga de seu marido, Neudo Campos, após o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de Roraima indeferir a candidatura com base na Lei da Ficha Limpa. Eles estão casados há 41 anos e têm quatro filhos.

Campos poderia concorrer, mas teria seus votos congelados até a decisão final do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que analisa a condenação do político sobre o crime de peculato --contra a administração pública-- em segunda instância no TRF (Tribunal Regional Federal).

Se o ex-governador for condenado por lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, poderia ficar inelegível por oito anos. "A gente tentou de todas as formas [viabilizar a candidatura de Neudo]", conta a candidata. "Apesar do impedimento, todo o trabalho que tivemos na candidatura foi mantido."

O vice de Suely é o mesmo da chapa composta com Neudo: o deputado federal Paulo Quartiero (DEM), que também teve seu registro indeferido. O motivo foi a rejeição da prestação de contas da Prefeitura de Pacaraima pelo TCU (Tribunal de Contas da União) por "irregularidade insanável, que configura ato doloso de improbidade administrativa". O recurso no TSE ainda está em análise.

"Missão de Deus"

Mais votada no primeiro turno, em 5 de outubro, Suely teve 41,48% dos votos contra 37,62% de Chico Rodrigues (PSB). O UOL tentou falar com Rodrigues desde a quinta-feira passada (9), mas não teve sucesso.

A quantidade de votos conquistada pela candidata é similar à de Neudo na última pesquisa em que seu nome constava entre os candidatos: 40%. Na ocasião, Rodrigues aparecia com 27%, segundo o Ibope. 

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Para Suely, ter se tornado concorrente ao governo a três semanas do primeiro turno foi recebido como uma "missão de Deus, uma missão de ganhar a eleição, de substituir o maior do Estado [seu marido, diz], que está há 13 anos fora do poder".

Já a cientista politica Flávia Biroli não vê o caso com bons olhos. Para ela, a provável transferência de votos entre o casal Neudo e Suely mostra uma "situação em que as mulheres estão sendo tratadas como apêndices de seus maridos". Ela relembra a situação da mulher de José Roberto Arruda (PR), então candidato ao governo do Distrito Federal.

Flávia Arruda (PR) assumiu a vaga de vice da chapa do marido, que passou a ter como titular Jofran Frejat (PR), o antigo candidato a vice.

Situação parecida --ambas por motivo de ficha-suja-- aconteceu também no Distrito Federal, em 2010, quando Weslian Roriz (PRTB) assumiu a vaga do marido, Joaquim Roriz (PRTB), ao longo da disputa pelo governo distrital no primeiro turno. A curiosidade é que, na ocasião, Frejat era o vice de Weslian. A chapa dos dois perdeu a eleição para Agnelo Queiroz (PT), hoje fora da disputa.

"Esses casos são a confirmação da imagem de que ter mulher na política nem sempre indica uma solução", diz a especialista. Para ela, o ideal seria que a sociedade permitisse que as mulheres pudessem se dedicar à política. "Há falta de incentivos institucionais. Questões como as divisões das tarefas em casa, tradicionalmente femininas, por exemplo, não deixam espaço para a mulher que já trabalha se dedicar a uma quarta jornada, a política. É muito mais fácil se eleger como deputado quem já é deputado. As mulheres já estão em desvantagem desde o início", diz Biroli.

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