Crianças querem falar de política e sabem votar para presidente

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

Crianças simulam eleição e escolhem presidente

Política pode - e deve - ser assunto de criança. Mas a maioria dos adultos não concorda. "Eles [os adultos] acham que a gente não tem cabeça para essas coisas", conta Ana Júlia, de 10 anos.

A aluna da Escola Municipal de Ensino Fundamental Amorim Lima, de São Paulo, é o espelho de um grupo de menores entre sete e 12 anos de idade que diz conhecer o tema, como mostrou a "Conicktados", pesquisa feita pelo canal infantil de televisão por assinatura Nickelodeon (do grupo Viacom Brasil) com o instituto QualiBest. Entre os entrevistados estão crianças de São Paulo e Rio de Janeiro, vindas das classes A, B e C.

Segundo os dados, os partidos PT e PSDB são conhecidos, respectivamente, por 87% e 68% dos entrevistados, que também sabem quem são Dilma Rousseff (98%), Lula (79%), Fernando Haddad (58%), Geraldo Alckmin (54%) e Marina Silva (49%).

A desconfiança comentada por Ana Júlia tem uma explicação, segundo a doutora e professora da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) Silvia Colello. "Como a questão do voto está vinculada mais ou menos à maioridade [pode-se começar a votar com 16 anos], existe essa ideia de que quem decide são os adultos e que isso não é assunto de criança. Seria uma postura dos adultos observar que criança não vota e seria inútil discutir isso com elas."

Mas o UOL quis descobrir o que esses pequenos cidadãos pensam sobre política.

Para estimular o debate, foi proposta uma simulação do pleito presidencial a alunos dos 4º e 5º anos do ensino fundamental de duas escolas da capital paulista: a Amorim Lima e o colégio Ítaca.

"[A eleição] entra na escola porque todo o currículo perpassa a vida das pessoas, a vida da sociedade. E isso vem na medida em que os alunos vão trazendo os assuntos para sala de aula", comenta a diretora do Amorim Lima, Ana Elisa Pereira Flauqer de Siqueira.

Votação

Alguns alunos já tinham decidido o que procuravam em um candidato. "Eu tô me preocupando com a educação, as empresas, a saúde", aponta Felipe, 10, do Ítaca. Luigi, seu colega, de 11 anos, disse que o político escolhido deveria "melhorar o imposto, os médicos, a educação pública". A escolha dessas questões é um sinal de que as crianças "não têm condição de perceber os programas de governo", analisa a doutora em educação. "Mas elas têm condição de saber que há pessoas que cuidam da cidade e são escolhidas pelo povo."

Victor, 10, do Ítaca, tinha uma análise bem crítica do cenário político do país. "Como só PT e PSDB governam, o Brasil não teve tanta evolução", comenta o estudante, que acredita que a função dos candidatos eleitos é "tentar melhorar o país". O colega Theo, 9, complementa: "É bom ter uma pessoa comandando o país". "Senão, fica tudo largado", diz Júlia, 11, do Ítaca.

A opinião das crianças é um reflexo do posicionamento político dos pais, analisa a diretora do Amorim Lima. "Eu acho que, nas casas delas, elas escutam coisas. Nessa eleição que o UOL fez, o resultado tem a ver com a família. Com certeza, tem mães e pais que são superposicionados", comenta.

Propaganda

Enquanto votavam, os alunos explicaram como chegaram à sua opção. "Para votar neles, tenho que prestar atenção nas propagandas eleitorais", conta Mariana, 10, do Ítaca. Uyratã, que tem a mesma idade e estuda no mesmo colégio, menciona outras formas de se conhecer os candidatos. "A gente pode ver os sites de notícias porque, na TV, eles falam que tudo é bom."

O horário eleitoral é o canal que muitas crianças têm para conhecer os candidatos, mas há quem ache injusta a maneira como a propaganda política é organizada. "Acho que não deveria ser permitido um candidato ter um tempo maior que os outros. Tinha que ser tudo igual", acredita José, 11, do Amorim Lima. "Eu acho meio tosco votar em quem é mais engraçado", diz o menino, referindo-se ao candidato Tiririca, conhecido por suas brincadeiras no horário político. "[Em vez do horário eleitoral] vejo Netflix, série. Nem vejo mais TV", complementa.

Os blocos de 50 minutos de propaganda na televisão causaram irritação em outras crianças por outro motivo: as "falsas promessas" de candidatos. "Muitos têm propostas, mas nem sabem como fazer", conta José. "Eles não fazem 10% do que prometem. Ninguém faz nada", observa Lucas, 10, do Amorim Lima. O comentário deles mostra a tendência de "despolitização dos jovens", acredita Silvia Colello. "O fato não significa que eles sejam apolíticos. Eles precisam ser ativados para isso, mas numa perspectiva política."

Reflexo

Inevitavelmente, as conversas com os pais são retratadas no momento de participar da simulação proposta pelo UOL, observa o coordenador pedagógico do Ítaca, Flávio Cidade. "Os votos acabam sendo parecidos, as falas acabam sendo parecidas. É uma reprodução. Mas as crianças podem refletir sobre essas coisas, o que, em outros momentos [fora da simulação], elas não teriam chance".

Para Colello, o papel da escola é mostrar que fazer uma escolha política não pode ser afetiva, mas sim racional. "Não é um time de futebol. Você tem que votar por seus critérios pessoais", comenta a doutora em educação.

Resultado

Como curiosidade, no resultado da simulação do pleito presidencial nas duas escolas, a vencedora foi a candidata Marina Silva (PSB), com 32% dos votos.

Em seguida, veio Aécio Neves (PSDB), com 28%. A candidata à reeleição, Dilma Rousseff (PT), teve 18%. Na simulação, ainda aparecem Luciana Genro (PSOL), com 8%, Eduardo Jorge (PV), 6%, e Mauro Iasi (PCB), 1%. Votos em branco atingiram 6%. Outros 2% dos eleitores prefeririam anular seu voto. O total dos votantes contabilizou 111 eleitores-mirins.

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