Disputa toma conta do PSB em meio à maior eleição de sua história; entenda

Guilherme Balza

Do UOL, em São Paulo

Pela primeira vez na história da política brasileira, o PSB, sigla com 67 anos de existência, tem chances reais de chegar ao comando do país, mesmo com a queda de Marina Silva nas pesquisas recentes. O partido, entretanto, vê-se envolto em uma disputa pelo poder que tumultua a campanha de Marina às vésperas da eleição.

Na semana passada, o presidente nacional do PSB, Roberto Amaral, publicou edital convocando para a próxima segunda-feira (29) as eleições para a escolha do próximo presidente e da executiva nacional do partido. A convocatória detonou uma crise no partido, já que alguns setores queriam que o pleito interno fosse realizado somente após o segundo turno das eleições nacionais.

Neste sábado, o partido anunciou que as lideranças chegaram a um consenso. As eleições internas vão se realizar em 13 de outubro, entre o primeiro e o segundo turno, e o atual presidente, Roberto Amaral, será reeleito, já que não haverá chapa concorrente.

Calendário de Eduardo Campos

Quem está alheio à dinâmica partidária estranha a escolha das eleições para data uma tão próxima do pleito nacional. O dia, no entanto, foi escolhido por Campos, que presidia o partido até sua morte, em 13 de agosto.

Campos unificava setores divergentes dentro do PSB. Todos enxergavam no neto de Miguel Arraes um articulador habilidoso e, até pela herança familiar, um líder comprometido com a história do partido. Sem oposição, o ex-governador de Pernambuco decidiu que as eleições internas do PSB ocorreriam na semana que antecede as eleições porque sabia que seria reeleito presidente sem qualquer resistência.

A ideia era criar um fato político às vésperas da disputa presidencial. Além disso, ainda que ele não lograsse êxito na corrida ao Palácio do Planalto, continuaria no comando do PSB, mantendo a posição de líder maior do partido.

Com a morte de Campos, o então primeiro vice-presidente da legenda, Roberto Amaral, quadro histórico do PSB, assumiu a liderança do partido. Próximo ao PT, em especial a Luiz Inácio Lula da Silva, de quem foi ministro da Ciência e Tecnologia, Amaral sempre foi contra a candidatura própria do partido. Defendia a manutenção do apoio ao PT, a exemplo do que ocorrera nas últimas eleições.

A decisão de Amaral de manter o calendário das eleições do partido conforme planejado por Campos não teve a anuência de outras lideranças do PSB, como o atual primeiro vice-presidente da sigla, o deputado federal Beto Albuquerque (PSB-RS), candidato a vice-presidente na chapa de Marina.

Por outro lado, boa parte das lideranças da sigla concordou com a manutenção, entre eles o deputado federal Márcio França (PSB-SP), presidente estadual do partido e vice na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB), e o deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG), presidente do diretório mineiro.

Já Beto Albuquerque e a maior parte do diretório do PSB em Pernambuco, um dos mais fortes do partido, se opuseram ativamente à realização do pleito interno. Com o argumento de que a disputa vai atrapalhar as campanhas nesta reta final, defendem o adiamento para depois do segundo turno.

"Ninguém pode invocar o calendário de Eduardo Campos nesse momento", disse Albuquerque na última quarta-feira (24), durante encontro com líderes sindicais em São Paulo. "Sou primeiro vice presidente do partido e não fui consultado pra que esse edital fosse publicado. Acho isso incompreensível."

No mesmo dia, Amaral recusou-se a comentar o assunto: "não discuto questões internas do partido pela imprensa."

Orgânicos x marineiros

Mas o que está por trás desta disputa? A ala dos socialistas históricos teme perder o comando da sigla se as eleições internas forem deixadas para depois do segundo turno. Isso porque, no caso de uma vitória de Marina, a tendência é haver uma alteração na composição de forças do partido. As lideranças e os setores mais próximos de Marina, inclusive os que migraram da Rede Sustentabilidade, ganhariam peso e se cacifariam a ocupar postos altos dentro do partido.

O temor dos históricos do PSB é que a ala composta por militantes da Rede tome conta do partido no caso de uma vitória de Marina.

Além disso, se as eleições internas fossem postergadas, os diretórios que elegerem governadores, senadores ou obtiverem bons desempenhos nas eleições legislativas, também ganhariam força internamente e passariam a pleitear mais espaço no comando da sigla.

Para Julio Delgado, definir a nova cúpula do partido antes do primeiro turno impediria que as eleições "contaminassem" o ambiente partidário."A gente vai querer ficar reivinicando as coisas em função do desempenho que tivemos nos Estados? Eleição é uma coisa, organicidade do partido é outra."

Negociações

Nesta última semana, lideranças do PSB se movimentaram no sentido de buscar um acordo e provocar o menor trauma possível. Na quarta-feira (24), Beto Albuquerque desmarcou uma agenda no Rio e participou de um encontro de Marina com sindicalistas em São Paulo. Na ocasião, conversou com Roberto Amaral. Na sexta-feira (26), o deputado deixou de acompanhar Marina durante maratona por cidades mineiras para se reunir novamente com Amaral e outras lideranças do partido em São Paulo.

Em Pernambuco, quem atuou para apaziguar os favoráveis ao adiamento das eleições internas foi o secretário-geral do partido, Carlos Siqueira, justo ele, que deixou a campanha de Marina logo após a escolha dela para a candidatura presidencial. Na época, esbravejou contra o que chamou de autoritarismo da ex-senadora.

Neste sábado (27), durante entrevista coletiva de Marina em São Paulo, Beto Albuquerque afirmou que nunca teve nada contra Roberto Amaral permanecer no comando da sigla e que só defendeu o adiamento para não atrapalhar as campanhas do partido.

No evento, Albuquerque se esforçou para demonstrar que está tudo bem entre ele e Amaral, dando-lhe abraços e fazendo-lhe referências. Amaral, por sua vez, disse estar safisfeito com a solução encontrada. "Precisa dar legitimidade à direção e ao presidente. Tem muita gente que me chama de presidente-interino"

Já Marina tem se mantido alheia e evitado dar declarações sobre a questão. Na entrevista coletiva de ontem (26), Marina afirmou que sua pernamência no PSB é temporária --"O PSB sabe que sou uma liderança da Rede"-- e que a projeto de criação da Rede está mantido. Ela não quis, contudo, estipular uma data para a oficialização do novo partido.

"Eu sei que tenho certo carisma, e se existe uma coisa para qual eu quero usar meu carisma, é para convencer os meus amigos da Rede que não dependam do meu carisma para existir, porque isso não é sustentável. Eu não quero o partido do marinismo", afirmou. 

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