Os venezuelanos vêm ao Brasil para comprar linguiça calabresa, condicionador capilar e bijuterias banhadas a ouro. Já os brasileiros cruzam a alfândega atrás de gasolina barata, candidatos a vereador e votos para a eleição deste domingo para a cidade fronteiriça de Pacaraima, em Roraima.
A coincidência é que a Venezuela também marcou para este 7 de outubro uma votação e bem mais transcendente: ela decide o futuro de Hugo Chávez e sua “revolución bolivariana”, após 14 anos no poder em Caracas.
A série UOL pelo Brasil, reportagens sobre as eleições municipais em todos os Estados, foi ver como a campanha de um país contamina a do outro no extremo-norte do país. Um verdadeiro "contrabando eleitoral" tomou a região. Cartazes de candidatos de Pacaraima dividem os muros com Chávez e a oposição na vizinha Santa Elena de Uairén. Lá vivem por volta de 700 brasileiros, inclusive muitos concorrentes à Câmara do lado brasileiro.
Já jingles chavistas, tocando como um mantra, ultrapassam os limites pelas ondas do rádio. Como só há estações do lado venezuelano, o horário eleitoral em Pacaraima é só em espanhol e dominado por canções como “Chávez, Corazón del Pueblo” e “Para Adelante, Comandante”.
A única exceção é a inserção comprada na rádio La Rumbera por Aluízio Azevedo, lojista na Venezuela e candidato a vereador pelo PSDB. No meio de tanta música caribenha, entra seu jingle em ritmo de forró: “Seu trabalho é legal/Lá na Câmara municipal/Nós vamos renovar”.
A fronteira reserva cenas impensáveis em outros lugares. Por exemplo, políticos do DEM e aliados de Chávez tendo uma conversa amistosa. O UOL presenciou o encontro do governador chavista Francisco Rangel (Estado Bolívar) com o deputado federal Paulo Quartiero e a candidata a prefeita Eroteia Mota. “Deixa o comitê nacional do DEM ficar sabendo disso”, brincou a reportagem do UOL. “Já notifiquei”, respondeu prontamente o deputado.
Outro caso é o de Ícaro Moreira, nascido na Venezuela de pais brasileiros e com dupla cidadania. Aos 18 anos, é o candidato do PSD para a Câmara de Pacaraima. Eleito ou não, ele planeja se lançar para concejal (cargo similar) em Santa Elena em 2013. “Eu só nasci na Venezuela porque não tinha hospital aqui. Depois fui para a escola lá, mas estou estudando agora no Brasil porque aqui tem mais futuro”, conta.
Como muitos, no domingo ele vai encarar duas filas de votação, afinal, excepcionalmente a aduana vai estar aberta (por questões de segurança costuma-se fechar a fronteira). “Lá vou votar na oposição a Chávez. Ele até que fez coisas boas, mas as pessoas que o cercam prejudicam seu governo ”, opina o jovem político.
Avó de Ícaro, Armandina dos Santos também é candidata (pelo PSDC), o que acabou dividindo a família. “Não declaro se voto nele ou nela. Já aqui na Venezuela só tem o Chávez mesmo, os outros são fraquinhos. Mas, se tiver muita fila, desisto, porque aqui o voto não é obrigatório”, conta Socorro Maria Lopes, tia de Ícaro.
Socorro relata que é comum candidatos brasileiros oferecerem transporte e comida em troca do voto dos conterrâneos que vivem na Venezuela. A história é confirmada por Andrea Lindoso, uma dona de casa que mora em uma invasión (bairro irregular) de Santa Elena, mas tem título eleitoral em Boa Vista, capital de Roraima, mais de 200 quilômetros de distância. “Eles deixam a gente na porta da seção, depois trazem. Mas quem diz que eu voto neles? Voto é secreto”, fala Andrea antes de soltar uma gargalhada.
Enquanto os cartazes políticos do Brasil estão intactos nos muros venezuelanos, o mesmo não acontece com os anúncios de Henrique Capriles Radonski, o principal rival de Chávez. Metade deles estava rasgada em Santa Elena. “É uma prática rotineira aqui. Os chavistas tentam ao máximo apagar a campanha opositora, que responde da mesma forma”, relata Walter Alcântara, protético santista que vive há 34 anos no país vizinho e promete voltar ao Brasil se Chávez ganhar sua quarta eleição presidencial.
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- http://eleicoes.uol.com.br/2012/enquetes/2012/10/05/voce-acha-justo-que-uma-pessoa-que-mora-em-outro-pais-seja-eleito-vereador-no-brasil.js
Boa parte dos brasileiros que vivem por lá são garimpeiros e suas famílias. Eles cruzaram a fronteira atrás de vertentes, muitas localizadas em território indígena. Como Chávez anunciou a nacionalização do setor aurífero, o negócio secou para eles. É o caso de Waldir Vieira de Souza, o Amazonas, decidiu trocar o garimpo pela vaga de vereador e se candidatou pelo PR. “Eu votei no Chávez em 1998, mas ele me decepcionou. Hoje não há emprego por aqui”, se queixa. Outra razão da presença é que Santa Elena tem melhor estrutura educacional e hospitalar, além das casas serem mais baratas por lá – os moradores não tem a escritura definitiva dos imóveis em Pacaraima porque a cidade está na área indígena São Marcos.
A esperança da maioria é que a entrada da Venezuela no Mercosul, selada em julho último, transforme a região em um eixo do bloco econômico. “A Venezuela é pequena, mas é rica por conta do petróleo. Circula muito dinheiro, mas com o câmbio baixo do bolívar [moeda local] o Chávez está prejudicando sua população”, reclama Maria do Socorro Mendes, que tem lojas de bijuterias do lado brasileiro.
Depois de enfrentar o câncer e seu tratamento, Chávez encara neste domingo sua eleição mais difícil até agora. As informações sobre intenção de votos são desencontradas. Um instituto (Datanálisis) dá vitória para Chávez. Outro (Consultores 21) aponta Capriles como vencedor. Há quem tema uma convulsão social em caso de derrota chavista. Do lado brasileiro, tudo está tranquilo. Se o prefeito Altemir Campos (PSDB) não se reeleger, nada de extraordinário deve acontecer.