Futuro prefeito de Porto Alegre tem o desafio de diminuir espera para consulta com médico especialista

Lucas Azevedo

Do UOL, em Porto Alegre

Depois de um dia inteiro de trabalho, faxinando prédios e casas de família, Juraci Acosta dos Santos não conseguiu descansar. Na noite da última segunda-feira (3) ela chegou em casa, jantou, trocou a roupa e se preparou para sair. Com a bolsa numa mão e uma cadeira de praia na outra, a idosa de 77 anos rumou a passos lentos em direção a um posto de saúde próximo à sua casa, no bairro Santa Cecília, em Porto Alegre. Seu objetivo era garantir um bom lugar na fila para conseguir atendimento médico.

Esse é um ponto crucial da administração pública e que os candidatos à prefeitura da capital gaúcha estão dando amplo espaço em suas campanhas. Conforme a Secretaria de Saúde de Porto Alegre, esses problemas já se arrastam por uma década e se devem à falta de capacidade do sistema --o que inclui a escassez de médicos necessários-- para suprir a demanda.

Moradores madrugam para agendar visita médica
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A própria administração, ao ser questionada pelo UOL, não possui de pronto o número de pessoas atendidas pelas unidades básicas, o tempo médio para um paciente ser atendido por um especialista, qual especialidade exige mais espera, por quanto tempo e por que da demora. Tudo isso embora afirme que está informatizando o serviço e que 65 % das unidades de saúde já estão interconectadas.

Conforme os três candidatos mais bem colocados nas pesquisas, a ampliação das equipes de saúde e a informatização do agendamento de consultas e o contato com os pacientes via telefone, mensagens por celular e e-mails deve reduzir drasticamente as filas (veja as propostas abaixo).

Longa espera

Assim como Juraci, semanalmente milhares de porto-alegrenses madrugam na rua em frente às unidades básicas de saúde da prefeitura para consultar com um médico pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Não há garantia de que quem necessita será atendido. Além disso, como no caso da diarista, a espera para ser avaliado por um especialista pode durar semanas, meses, até anos.

É o que aconteceu com a aposentada Geni Kirsten, 92. Contida a uma cama hospitalar há um ano, em junho ela recebeu um telefonema. Do outro lado da linha a secretária de um dos maiores postos de saúde da cidade perguntava se ainda havia interesse na consulta requerida a um ortopedista dois anos antes, quando a mulher ainda caminhava.

O problema da saúde na capital gaúcha se assemelha ao de diversas cidades brasileiras. Ou faltam médicos, ou a burocracia atrapalha, ou o sistema é lento e desconexo. Conforme a Secretaria da Saúde de Porto Alegre, uma informatização está interligando toda a rede municipal e, desde março, o percentual de espera para as consultas especializadas caiu para 2,5% do total acumulado em dez anos. A pasta afirma que o novo sistema extinguirá a utilização de senhas, já que as consultas serão agendadas eletronicamente.

75 mil estão na fila por especialista

Na cidade, cerca de 75 mil pacientes estão na fila para consultar com um médico especialista. Todos seguiram o seguinte rito: procuraram as unidades de saúde em seus bairros, onde receberam atendimento de um clínico geral. Após a primeira consulta, quem precisou foi encaminhado a um médico de acordo com as 185 subespecialidades. Segundo a Secretaria da Saúde, o maior objetivo é reduzir a espera para, no máximo, 30 dias.

É para o que torce a doméstica Ilsa Maria dos Santos Monteiro, 56, que precisa mudar as lentes dos óculos. Ela já foi ao posto, enfrentou fila de madrugada, consegui senha, foi atendida por um clínico geral e encaminhada a um oftalmologista. Porém, há oito meses espera ser chamada.

Ilsa é testemunha de que a precariedade do atendimento é sentida também pelos próprios servidores. "Eles ficam se queixando que não têm material, falta isso, falta aquilo. Alguns seguranças também são estúpidos com os pacientes. Chagamos no posto, não tem ficha, e ainda nos xingam: 'Não sabe que é assim mesmo? Não tem ficha'".

Moradores madrugam para agendar visita médica
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Via crucis

Na primeira parte do processo em busca de um médico pelo SUS há filas para serem encaradas ainda de madrugada. Às 6h da última terça-feira (4) fazia 13°C em Porto Alegre. Na frente do Posto de Saúde Modelo, localizado na rua Jerônimo de Ornellas, bairro Santana, cerca de uma centena de pessoas --a maioria idosos, alguns com dificuldade de locomoção-- aguardavam os portões serem abertos às 7h. Entre eles estava Armando Oliveira, 63.

A hepatite C descoberta há alguns anos e a cirrose dela derivada fazem com que o profissional liberal aparenta bem mais idade do que diz ter. Muito magro, com o olhar fundo, ele é um dos primeiros da fila para o Modelo. Sua cadeira de praia estava equipada com uma almofada amarrada com pedaços de barbante. "Tem que ser assim pra conseguir passar a noite esperando", comenta. Em volta dele mais uma meia dúzia de aposentados se aglomerava, todos tomando café comprado de um ambulante que aproveita as filas às terças-feiras para fazer clientela certa.

O assunto constante em diversas rodas que se formaram com a fila são as eleições. Por ainda não ter sido identificada por todos,  a reportagem do UOL foi confundida com a produção de um candidato a prefeito que aproveitava o movimento no local para gravar imagens para o próximo horário eleitoral. "Vocês têm que parar de gravar essas imagens pra colocar na TV e fazer alguma coisa de fato", bradou uma idosa, apoiada em uma muleta.

Às 7h em ponto as conversas são interrompidas. Os portões do posto se abrem e, a passos lentos, Juraci e, assim como ela, todos que estão na fila à procura de um médico entram a passos lentos no prédio. Agora do lado de dentro, eles pegam uma senha e aguardam pelo clínico geral. Oliveira estima: "Agora vou ser atendido lá pelas 11h, para depois ser encaminhado a um especialista. Daí, só Deus sabe."

Mais informações sobre as eleições em Porto Alegre.

Leia as propostas dos candidatos para as seguintes áreas

  Manuela (PC do B) Fortunati (PDT) Villa (PT)
Como solucionar a demora para consultas com médicos especialistas? Uma gestão eficiente pode otimizar o aproveitamento da oferta dessas consultas. Como? Implantando o prontuário eletrônico (histórico do paciente), em toda a rede, como o que já existe no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e no Grupo Hospitalar Conceição. Com a informatização da Central de Marcação de Consultas, já são reguladas pelo novo sistema 90% das consultas especializadas, o que torna possível a redução crescente das filas de espera. No caso de consultas em subespecialidades, 80% já são aguardadas por uma média não superior a 30 dias. Os pacientes serão encaminhados para os especialistas que o médico da atenção básica conhece e continuará acompanhando o paciente depois da intervenção do especialista
Como acabar com as filas nos postos? Ampliar a cobertura da Estratégia de Saúde de Família, chegando a 300 equipes, com saúde bucal, por meio da contratação de profissionais por concurso público. Outra ação é implantar as Academias de Saúde, com profissionais especializados, apostando na prevenção junto aos postos de saúde. A oferta de médicos e serviços está sendo ampliada na capital. Só em equipes de Saúde da Família, passamos dos 54 no início de 2005 para 170 atualmente e serão 200 até o fim do ano. Nossa meta é ampliar o serviço para toda a população que precisa dele, com 282 equipes no próximo governo. Os médicos de atenção primaria, além de bons salários e plano de carreira, têm de ter infraestrutura adequada nas unidades básicas de saúde.
Como pode ser resolvida a questão da pouca oferta de médicos? Uma marca da nossa gestão na saúde será a ampliação do Saúde da Família que alia a prevenção a atividades curativas. Garantiremos 300 equipes de Saúde da Família em pleno funcionamento. A partir da atenção primária que é a mais próxima da população, podemos resolver até 80% dos problemas de saúde das pessoas. O projeto de agendamento eletrônico de consultas já está sendo implantado para os usuários da Unidade Básica de Saúde (UBS) Bananeiras, sendo o primeiro caso de todos os que serão beneficiados por esse avanço. No local não há mais busca de fichas para serem atendidos. As consultas são agendadas eletronicamente, durante todo o dia. Se todo cidadão de Porto Alegre estiver vinculado a um médico (que será responsável por até, no máximo 2.500 pessoas), junto com uma equipe multiprofissional, não haverá razão para filas. As pessoas serão cadastradas e terão o agendamento de suas consultas programadas ao longo do ano de acordo com suas necessidades. Precisamos garantir outras formas das pessoas acessarem aos serviços (por telefone, por e-mail), evitando a ida às unidades várias vezes, para marcar, para consultar, para retirar os encaminhamentos.

 

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