Recife sofre com áreas de risco e centro malcheiroso

Aliny Gama e Carlos Madeiro

Do UOL, no Recife

A campanha eleitoral no Recife promete trazer à tona problemas históricos da cidade e ter uma das votações mais acirradas entre as capitais do Nordeste.

A “Veneza Brasileira”, como é conhecida pelos rios Capibaribe e Beberibe que cortam a cidade, sofre com problemas antigos, mas que ainda desafiam a capital pernambucana. Entre os traumas recifenses, estão o trânsito caótico, os problemas do centro e as áreas de risco --todos os temas têm debates quentes há várias campanhas, mas sem solução a contento dos governantes.

Entre todos os problemas, o debate eleitoral sempre chega às áreas de risco, em especial os morros, já que Recife tem 67% dos moradores vivendo em áreas não-planas. Boa parte desses pontos sofre com as chuvas, que sempre causam estragos e até mortes. Ao todo, são 3.400 pontos de risco na cidade.

Moradores temem chuvas

O UOL visitou uma das comunidades consideradas de risco, no bairro do Vasco da Gama, na zona norte da cidade. No Alto Resplendor, quando as nuvens aparecem no céu é sinal de preocupação.

A casa onde mora o pequeno Leandro (fictício), 7, fica num dos pontos mais altos da comunidade, à beira de um precipício de pelo menos 50 metros de altura. A preocupação aumentou depois que a casa vizinha foi interditada, após um deslizamento da barreira e que destruiu os fundos da residência.

O imóvel em que Victor mora com a irmã e os pais --que estavam trabalhando no momento da visita do UOL-- seria um dos condenados pelas autoridades, mas que seguem ocupado. “A família não tem condições de se mudar para outro imóvel alugado, e o jeito é arriscar. Quando chove, todo mundo fica acordado, as crianças choram muito. A sorte é que minha mãe mora numa casa mais embaixo. Quando dá tempo, a gente leva os meninos para lá”, conta Carolina (nome fictício), 14, prima do garoto.

O medo é algo comum entre os moradores do local. “Qualquer sinal de chuva é noite em claro certa. A gente fica assustada porque a qualquer momento pode ocorrer um deslizamento, e a barreira pode levar alguma casa junto. Apesar de minha casa não estar em local de risco, fico acordada porque não consigo ver o sofrimento de meus vizinhos e não ajudar”, afirma a dona de casa Lúcia Pimentel, 63, moradora da comunidade há dez anos.

A costureira Hilda da Silva, 63, conta que, quando chove, corre para se refugiar na casa de algum parente ou vizinho que tenha o imóvel em local de menor risco. “Sou idosa e não aguento descer ou subir escadas rápido, principalmente quando a chuva é forte. Já levei um tombo numa das vezes que choveu forte e eu corri para a casa da minha sobrinha.”

Uma das primeiras moradoras do local, a líder comunitária Elizabete Luna Cavalcanti cobra da prefeitura uma solução para o problema das barreiras da comunidade. Ela foi eleita delegada como representante da comunidade no orçamento participativo do Alto Resplendor.

“Colocar lonas não resolvem o problema porque o vento leva e a barreira lisa, fica encharcada, prestes a desabar. Temos um projeto aprovado para abertura de duas ruas, para tirar a comunidade do isolamento, e um muro de pedras para evitar deslizamentos”, relata.

Centro problemático

Outro calo dos recifenses é o centro da cidade, que sofre com calçadas destruídas, lixo espalhado e moradores de rua que usam drogas. O UOL circulou por algumas das principais ruas da área central e encontrou muito desses problemas. Com restos de esgoto a céu aberto, o já conhecido mau cheiro na maioria das ruas do centro incomoda quem circula pelo local.

“Ando com um lenço no bolso porque tem rua que não dá para aguentar o mau cheiro. Outro problema é o lixo e a quantidade de buraco nas calçadas. Ando devagar, com medo de cair”, diz a aposentada Rosenilda Maria da Silva, 72.

A vendedora Roselita Maria de Lima, 40, cita que outro problema do centro é a presença de adolescentes e jovens que usam drogas à luz do dia no centro, os chamados “cheira-cola”. “Aqui no centro não tem banheiro, e  esses ‘cheira-cola’ fazem a rua de banheiro e jogam muito lixo no chão. A cidade fica suja porque a limpeza urbana é pouca. A prefeitura nunca se preocupou em tirar eles aqui do centro, e já nos acostumamos com a presença deles, que durante o dia não mexem com ninguém que passa por aqui”, diz a comerciante, que trabalha na praça Maciel Pinheiro.

Instantes após conversa com Roselita, o UOL flagrou um grupo de “cheira-colas” na Travessa do Veras, conhecida como beco do Veras, que virou ponto de encontro de usuários de drogas.

Os calçadões do comércio e os seus buracos para os pedestres também é alvo de crítica constante. “Esse calçamento é uma pouca vergonha. Não é só culpa da prefeitura, os lojistas também não cuidam e deixam as calçadas em desníveis”, afirmou o segurança Antônio de Assis, 52.

O ambulante Tiago Antonio Aguiar, 27, afirma que já perdeu as contas de quantas quedas nos buracos de pessoas já presenciou. “É mulher grávida, é jovem, é idosa, é homem também. Já vi muita gente cair aqui e acho uma vergonha esses buracos no calçadão. Na semana passada ajudei um rapaz que caiu num buraco aqui e quebrou o pé”, disse.

Segundo Aguiar, a quantidade de buracos aumentou devido ao trânsito de carros-forte pelo calçadão, que “não aguenta o peso”    . “Deveriam proibir isso. Está vendo, lá vem um carro de transporte de dinheiro passando num local onde foi feito para as pessoas andarem.”

Trânsito caótico

Apesar de não estar no patamar de metrópoles como São Paulo, Recife também sofre com o trânsito caótico, que causa muita dor de cabeça aos motoristas. O assunto é um dos principais do recifense.

Em agosto de 2011, a Câmara de Vereadores chegou a aprovar uma lei, em primeira votação, alterando o horário das escolas, que teriam que iniciar as aulas até as 7h, enquanto as repartições públicas funcionariam a partir das 9h. A ideia era diluir o horário de pico, mas o projeto acabou não vingando por conta de ação da bancada governista e da repercussão negativa dos setores afetados.

“Não tem como não se estressar num local desses, onde você sai de casa às 7h e muitas vezes não chega ao trabalho às 8h. Na volta, é melhor até esperar um pouco mais das 18h para voltar, porque se não o problema se repete”, conta a professora Analice Ferreira, 45, que pega um trecho de aproximadamente 13km, todos os dias, entre os bairros da Várzea e Boa Vista.

O taxista Erivaldo Gomes, 42, conta que prefere não pegar passageiros nos horários de pico e assim não ficar preso no trânsito. “É caótico. A gente tem que rodar, mas no horário de pico é estressante. O novo prefeito precisa construir mais vias, colocar mais guardas, pois depois das 19h eles somem e os motoristas fecham cruzamento”, disse.

Outro lado

Em nota encaminhada ao UOL neste domingo (2), a Prefeitura do Recife informou que tem buscado solucionar problemas históricos da cidade com a ampliação de investimentos em ações e obras estruturadoras.

Segundo a nota, a gestão reduziu o déficit habitacional e garantindo moradia para mais de 5 mil famílias, que serão concluídas até o final do ano.

Para o próximo biênio já estariam garantidos mais R$ 5 bilhões, captados com o Governo Federal, Banco Mundial e outras instituições, que vão assegurar obras e intervenções como a urbanização da comunidade Caranguejo Tabaiares.

Em 2012, a prefeitura disse que foi aplicado o maior orçamento da história em ações preventivas nos morros da cidade através da Operação Inverno, cujo investimento foi de quase R$ 133 milhões.

O recurso, junto com outras ações, propiciaram 105 obras entregues em áreas de risco e mais 200 em execução. "Resultado deste trabalho é que, no período das chuvas de 2012, não foi registrada nenhuma morte ou ocorrência grave no Recife."

Com relação ao trânsito, a Prefeitura informou que modernizou a rede de semáforos, ampliou em 20% o efetivo de agentes de tráfego e está promovendo grandes intervenções como a Via Mangue e o complexo viário do "Capibaribe Melhor", que, juntos, somam investimentos superiores a R$ 600 milhões, além da viabilização de projetos de mobilidade urbana como os corredores de ônibus da Perimetral e Radial Sul.

Sobre os problema da área central, a nota informa que, em 2012, foi iniciado o programa "Recife Nosso Centro" que busca o ordenamento do comércio ambulante no Centro e revitalização de ruas históricas.

"Além disso, foram ampliadas a coleta e varrição nas ruas centrais e promovidas atividades para o combate ao uso do craque e de assistência a pessoas em situação de rua."

 

A reportagem também entrou em contato com os quatro candidatos mais bem colocados nas pesquisas para saber quais as propostas para os problemas da cidade. Os candidatos Mendonça Filho (DEM) e Geraldo Julio (PSB) não responderam. Abaixo estão as propostas de Humberto Costa (PT) e Daniel Coelho (PSDB).

Mais informações sobre as eleições no Recife.

Leia as propostas dos candidatos para as seguintes áreas

 

Humberto Costa (PT)

Daniel Coelho (PSDB)

Áreas de risco Dar continuidade à construção dos conjuntos habitacionais; ampliar o trabalho de fiscalização para impedir a ocupação dessas áreas; realizar obras estruturadoras nos morros Desvincular as obras de contenção do Orçamento Participativo para serem tratadas como serviço básico prioritário; manter um trabalho permanente de prevenção às chuvas nas áreas de risco
Mobilidade urbana Dar segmento à implantação do Plano de Mobilidade Urbana do Recife; construir corredores exclusivos para ônibus; dotar a frota desses ônibus comum sistema de acompanhamento de viagens por GPS para garantir o cumprimento de horários; investir no transporte aquaviário de passageiros e carga; construir novas e ampliar as ciclovias existentes; investir em sinalização e fiscalização das regras de trânsito Criar programas para que a iniciativa privada firme parceria com a prefeitura, adote áreas históricas e reocupe o centro; garantir melhor infraestrutura; investir em monitoramento de pontos críticos via câmeras; investir em escolas em tempo integral e trabalhos de ação social para retirar os jovens das ruas
Centro Disciplinar o comércio informal; recuperar calçadas; reorganizar os espaços públicos; fazer campanhas de educação para instruir a população a fazer uso das lixeiras; reforçar as políticas de recuperação e tratamento de dependentes de drogas; reforçar a fiscalização nas áreas de estacionamento e as operações de carga e descarga Recuperar as calçadas; assumir a responsabilidade de cuidar das calças (hoje responsabilidade dos proprietários dos imóveis); implantar corredores exclusivos de ônibus em todos os grandes corredores da cidade; criar ciclovias integradas ao sistema de transporte; instalar teleféricos em morros de difícil acesso

 

UOL Cursos Online

Todos os cursos