Candidatos a prefeito de São Paulo ignoram cracolândia em proposta de governo

Débora Melo

Do UOL, em São Paulo

Alternativas para solucionar os problemas da região conhecida como cracolândia, no entorno da área do Projeto Nova Luz, no centro da capital paulista, não constam nas propostas  enviadas ao TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral) pelos candidatos que concorrem à Prefeitura de São Paulo. A legislação eleitoral obriga os candidatos a apresentarem propostas para governar a cidade, Estado ou país no ato do registro da candidatura.

As campanhas, no entanto, argumentam que esse é um documento inicial que apresenta apenas as diretrizes do governo, "uma carta de compromisso", e que o programa completo, com o detalhamento das propostas, é construído depois, ao longo da campanha.

Uma operação policial deflagrada em janeiro para tentar combater o tráfico de drogas na cracolândia e retirar os dependentes químicos da região rendeu críticas ao governador Geraldo Alckmin (PSDB) e ao prefeito Gilberto Kassab (PSD). O Ministério Público Estadual já se pronunciou a respeito dos excessos cometidos e da ineficácia da ação, que não conseguiu acabar com o tráfico, tampouco com o consumo da droga.

MAPA DA CRACOLÂNDIA

No dia 31 de julho, a Justiça acatou um pedido de liminar da promotoria para que a PM fosse proibida de expulsar os usuários da região e praticar ações “vexatórias, degradantes ou desrespeitosas” contra os dependentes.

As propostas registradas pelos candidatos José Serra (PSDB), Celso Russomanno (PRB), Gabriel Chalita (PMDB), Soninha Francine (PPS), Carlos Giannazi (PSOL), Eymael (PSDC) e Ana Luiza (PSTU) sequer citam a cracolândia ou o crack.

Já o candidato Miguel Manso (PPL), considerando em sua proposta que São Paulo deve ter “60 mil adictos [viciados]” em crack, diz que vai criar um Conselho Municipal de Prevenção e Combate às Drogas e uma Secretaria de Prevenção e Combate às Drogas.

No documento em que apresenta as diretrizes de seu governo, o candidato Fernando Haddad (PT) fala em “promover medidas de enfrentamento ao crack de forma integrada com as diretrizes dos eixos ‘Saúde acessível e de qualidade’ e ‘Cidadania, Direitos e Dignidade Humana’”, sem citar a cracolândia.

Já o candidato Levy Fidélix (PRTB) aborda a “construção do novo centro administrativo da prefeitura na região da cracolândia (...) ajudando a repovoar o centro de São Paulo”.

De acordo com a lei eleitoral, o pedido de registro de candidatura deve conter as “propostas defendidas pelo candidato”. Para o advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral, a regra não é levada a sério pelos candidatos, que tratam o documento como mera burocracia.

“Eles deveriam ser específicos nos vários problemas da cidade, como o da cracolândia, que vem se estendendo há anos. Para mim, isso é sinal de que não estão dando a menor importância para a cracolândia, não estão preocupados em debater”, disse Rollo.

De acordo com Taniele Rui, doutora em antropologia social pela Unicamp e autora da tese “Corpos abjetos: etnografia em cenários de uso e comércio de crack”, entender o que se passa na cracolândia “é de suma relevância para a discussão política sobre a cidade”.

“A área vem recebendo, há muito tempo, grande atenção do mercado imobiliário e é objeto de tentativas de reforma urbana e social, materializada principalmente no projeto Nova Luz. Comerciantes e moradores estão sofrendo com a desvalorização de seus imóveis e, sobretudo, são pouco ouvidos pela prefeitura. Ainda mais frágeis, os usuários de crack sofrem uma série de violações decorrentes do excesso das políticas de segurança para a área. É essencial voltar o olhar para lá para ver quais prioridades políticas estão em jogo”, disse Taniele.

Segundo ela, os candidatos deveriam ouvir as propostas dos próprios usuários e de quem trabalha com eles.

“Na região há uma série de usos do espaço --para além do consumo de crack-- e uma infinidade de histórias pessoais merecedoras de muito respeito. Muitos usuários de crack têm excelentes propostas para a área e para o seu próprio tratamento. Agentes de saúde e assistentes sociais também. Qualquer tipo de política séria deveria escutar o que todos eles têm a dizer e propor”, disse.

Outro lado

A assessoria de imprensa de José Serra informou que as propostas são construídas por meio de interlocução com a sociedade e que o candidato defende, por exemplo, o aumento do número de leitos destinados ao tratamento contra o crack e demais drogas e a ampliação de programas de capacitação profissional para os dependentes.

Já o candidato Russomanno disse que “é preciso que a prefeitura seja mais atuante no combate ao tráfico de drogas”. A campanha do petista Haddad citou a promessa do candidato de rever o projeto de revitalização da Luz promovendo mais diálogo entre o poder público e as diversas entidades envolvidas.

A assessoria de Chalita informou que a proposta do candidato é alterar a atual política existente na cidade, de repressão.

A campanha de Giannazi afirma que “essa não pode ser apenas uma questão de segurança pública” e que “a prioridade tem que ser as pessoas, e não as imobiliárias”. A candidata Ana Luiza também afirma que a solução “não passa pela polícia” e que é “contra expulsar dependentes químicos para acabar com a especulação imobiliária”.

Já o candidato Levy Fidélix defende que “questão de doença não se trata com violência”. Segundo ele, a cracolândia não está presente na proposta registrada no TRE-SP por se tratar de um tema “transitório” que, “com a ajuda do governo federal, pode ser resolvido em cerca de dois anos”.

No primeiro debate promovido entre os candidatos, na Band, a candidata Soninha defendeu que o uso abusivo de drogas é "caso de saúde pública" , que a "a saúde precisa providenciar a estrutura necessária para receber todas as pessoas que estejam buscando tratamento" e que "Assistência Social, Saúde e Segurança Pública" precisam trabalhar de forma integrada.

As assessorias de Eymael e Miguel Manso não responderam ao UOL. Paulinho da Força (PDT) não registrou seu programa no TRE-SP, mas, de acordo com o programa enviado pela assessoria de imprensa de sua campanha, o candidato afirma que o problema “não pode ser tratado como uma questão de polícia”.

Já Anaí Caproni (PCO) enviou um documento em branco ao TRE-SP, e a assessoria da candidata não retornou à reportagem.

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