23/09/2010 - 23h41

Com voto de Celso de Mello, Lei da Ficha Limpa caminha para empate no Supremo

Rosanne D'Agostino
Do UOL Eleições
Em São Paulo

O julgamento sobre a Lei da Ficha Limpa que já dura mais de oito horas no STF (Supremo Tribunal Federal) caminha para o empate, com cinco votos favoráveis e quatro contrários à aplicação imediata da norma já nas eleições de 2010. A Corte julga nesta quinta-feira (23) recurso do candidato Joaquim Roriz (PSC) contra seu enquadramento como ficha suja. Apenas o atual presidente da Corte, Cezar Peluso, que já se manifestou contra a lei, ainda não votou.

Os ministros Ellen Gracie, Ricardo LewandowskiJoaquim BarbosaCármen Lúcia decidiram seguir entendimento apresentado ontem pelo relator do pedido, Carlos Ayres Britto, para manter a Lei da Ficha Limpa. Já Celso de Mello, Marco Aurélio de MelloGilmar MendesDias Toffoli defenderam a constitucionalidade da nova legislação, com a ressalva de que a norma não pode ser aplicada no pleito de 2010.

O resultado ainda pode mudar até o final do julgamento. Isso porque os ministros ainda podem alterar seus votos. Segundo a lei, fica inelegível, por oito anos, político condenado por mais de um juiz por crimes eleitorais (compra de votos, fraude, falsificação de documento público), lavagem e ocultação de bens, improbidade administrativa, entre outros.

Votos
Celso de Mello afirmou que a Lei da Ficha Limpa é válida, e o cidadão tem o direito de “escolher apenas pessoas dignas e probas para o desempenho do mandato eletivo”. Segundo ele, a Justiça Eleitoral tem o “dever e poder de obstar a eleição de pessoas que hajam incidido em situações de inelegibilidade”.

Em seu voto, no entanto, argumentou que qualquer lei que alterar o processo eleitoral não se aplica à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência, conforme a Constituição Federal. “Tenho para mim que se efetiva na espécie transgressão da cláusula”, que ele considera ter sido feita com o objetivo de “coibir abusos e casuísmos”.
 

Você é a favor da Lei da Ficha Limpa para estas eleições?

Conforme Mello, a lei foi editada três dias antes (7 de junho) do início das convenções nacionais dos partidos (10 de junho), e a pouco mais de três meses das eleições. "A lei interfere no processo eleitoral", disse.

Já sobre a renúncia de Roriz culminar em sua proibição de se candidatar, o ministro considerou que se trata de sanção retroativa, portanto, votou para que a Lei da Ficha Limpa não seja aplicada em seu caso, revogando decisão do TSE que o barrou para concorrer ainda este ano nas eleições.

Antes de decidir sobre o caso de Roriz, os ministros julgaram se a lei teria um vício formal em sua origem. A maioria decidiu não analisar o argumento imprevisto, inserido ontem no processo pelo presidente da Corte, Cezar Peluso, que alegou que o texto violou o processo constitucional legislativo, “porque não foram adotadas as exigências de tramitação no caso de emenda”. Ele afirmou se tratar de um “caso de arremedo de lei”.

Antes, o ministro Marco Aurélio fundamentou sua posição nos princípios da irretroatividade da lei, da anualidade da legislação eleitoral, da presunção de inocência e do direito adquirido. “Todos somos a favor da lisura e da probidade, mas não posso menosprezar aqueles princípios que são a mola mestra do estado democrático de direito”, defendeu. “Vivemos tempos estranhos, e nessas quadras é que devemos ter um apego maior pelas franquias constitucionais, entre elas a irretroatividade da lei.”

Marco Aurélio também considerou que o artigo 16 da Constituição Federal é aplicável à Ficha Limpa. “A fixação de critérios de inelegibilidade repercute sobremaneira no processo eleitoral, e a anualidade existe para que a sociedade não viva em sobressaltos, para que não haja surpresas neste campo tão sensível que é a escolha de seus representantes.”

Entenda o que está em julgamento
Ao julgar o recurso do candidato ao governo do Distrito Federal, o Supremo julga também o futuro da Lei da Ficha Limpa, que impede a candidatura de políticos condenados. Os ministros devem decidir se revertem a cassação do registro de Roriz, barrado no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do DF e no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O pedido é o primeiro contestando a lei a ser analisado pela Corte suprema do país, por isso, o entendimento deve respaldar a aplicação da nova norma aos demais candidatos.

Voto do relator
Como relator do recurso, o ministro Carlos Ayres Britto apresentou nesta quarta (22) voto pela aplicação da Lei da Ficha Limpa a todos os candidatos já nas eleições 2010. Segundo Britto, a norma obedece a Constituição e nasceu legitimada pela vontade popular. “Vida pregressa não é vida futura”, afirmou.

Antes do início do voto, o plenário reconheceu repercussão geral do recurso, ou seja, o mérito da questão e a decisão proveniente da análise deverão ser aplicados posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos. A sessão foi interrompida por Dias Toffoli, e hoje retomada com seu voto-vista.

O caso
Roriz renunciou ao mandato de senador, em 2007, para fugir de processo de cassação por quebra de decoro parlamentar. A Lei da Ficha Limpa proíbe a candidatura de políticos nessas condições, assim como daqueles que possuam condenações por decisão colegiada (por mais de um membro do Judiciário).

Um dos argumentos da defesa do candidato é de que a lei não se aplica a seu caso, porque a renúncia ocorreu antes da promulgação da norma. Além disso, diz que o ato de renunciar ao mandato parlamentar é garantido constitucionalmente. Segundo a Lei da Ficha Limpa, o político que renunciar para não ser cassado fica inelegível por oito anos após o fim do mandato que cumpriria.

Protesto pró e contra Roriz marca sessão

  • Durante o 1º dia de julgamento da Lei da Ficha Limpa, manifestantes se reuniram em frente ao STF

Os advogados também dizem que a norma viola o princípio da presunção de inocência e não pode ser aplicada nas eleições 2010, sob a tese de que vai contra o artigo 16 da Constituição Federal, que estabelece que qualquer lei que altere o processo eleitoral deve demorar um ano para entrar em vigor. A lei foi aprovada em junho deste ano.

Insegurança jurídica
Em agosto deste ano, o TSE confirmou que a lei retroage, atingindo candidatos com condenações anteriores à norma. Mas, diante da ausência de um posicionamento do Supremo sobre a constitucionalidade da legislação, TREs e o próprio TSE já liberaram concorrentes nessas condições. Ministros do Supremo, em decisões monocráticas, também já liberaram candidatos. Os pedidos são julgados um a um.

O Supremo está dividido sobre o tema, e há grande possibilidade de empate. Nesse caso, mais uma controvérsia pode entrar na pauta do plenário: o chamado voto de qualidade, proferido pelo presidente da Corte para desempatar a questão.

Nos casos de declaração de inconstitucionalidade, há discussão sobre se cabe o mecanismo. Embora o regimento interno da Corte permita o voto, pela Constituição, seria necessária a maioria absoluta dos membros do STF para derrubar uma lei. Se não houver maioria, o empate significa que a lei continua em vigor.

 

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