Análise: exclusão da candidatura de Lula prejudicaria Bolsonaro

André Shalders - @shaldim

Da BBC Brasil em São Paulo

  • Arte/UOL

    Montagem com fotos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do deputado federal Jair Bolsonaro

    Montagem com fotos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do deputado federal Jair Bolsonaro

Para o deputado federal e pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSC-RJ), a decisão de ontem do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) contra o ex-presidente Lula (PT) foi "um tiro de .50 na corrupção". Segundo o cientista político Cláudio Couto, porém, Bolsonaro deveria pensar melhor antes de celebrar a saída do líder petista da disputa eleitoral.

Sem Lula, argumenta Couto, o militar reformado tende a perder o apoio daqueles que o viam como o "voto útil" contra o petista.

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"Olha, me interessa o que vai mudar para o Brasil. O que nós queremos é o PT fora de combate (...). E não é querer por querer. É porque eles fizeram besteira demais. E tão grave quanto a corrupção é a questão ideológica. Acho que o Brasil ganha com o Lula fora de combate", disse Bolsonaro em um vídeo publicado nas redes sociais, na noite de ontem.

"Se o Lula sai, Bolsonaro perde essa função de anti-Lula", diz Couto, que é coordenador do mestrado em gestão de políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "Pode ser que Bolsonaro e seus seguidores tenham torcido para que isto acontecesse. Mas se eles tivessem feito o cálculo político talvez vissem que não seria positivo para eles", diz ele.

Na entrevista abaixo, Couto discute ainda o futuro do PSDB e de pré-candidatos como Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede).

BBC Brasil - O que muda no cenário político com a decisão do TRF-4?

Cláudio Couto - Primeiro, vamos situar o que aconteceu em contexto. Provavelmente o cenário mudará porque tende a se confirmar a saída do principal candidato presidencial. A tendência é que a Lei da Ficha Limpa seja aplicada nesse caso (tornando Lula inelegível), independentemente do cumprimento de pena. Ele não deve ser candidato, embora sempre exista a possibilidade de um recurso alterar esse quadro.

No caso de Lula não ser candidato, abre-se um grande espaço para nomes alternativos. E, na esquerda, as pessoas que poderiam substituir o Lula nesse campo político, a meu ver, são o Ciro Gomes (pré-candidato do PDT) e a Marina Silva (pré-candidata da Rede Sustentabilidade).

Os nomes do PT mesmo não têm um grande potencial de crescimento. Não vejo este potencial nem no (ex-governador da Bahia) Jaques Wagner e nem no (Fernando) Haddad. Ambos são políticos regionais. Este último, inclusive, governou a cidade de São Paulo e mesmo assim não se mostrou competitivo. Tudo isto indica que os outros (Marina e Ciro), que têm mais trânsito fora dos próprios Estados, tenham mais capacidade de ir adiante. E mais ainda se conseguirem consolidar o apoio do PT ou do próprio Lula.

E fora do campo da esquerda?

Não vejo como o (Jair) Bolsonaro (pré-candidato do PSC), por exemplo, se beneficie muito dessa saída do Lula. Ele era um nome anti-Lula. Sem o Lula, esta parte dos votos ele perde.

Acho também que Bolsonaro tende a ir ainda mais para a direita, sem a presença de Lula.

Nos últimos meses, ele (Bolsonaro) tinha começado a esboçar um movimento para tentar parecer um candidato liberal, com posições pró-mercado. Mas, cá entre nós, isso nunca foi o Bolsonaro.

O que ele tentava fazer era ganhar a simpatia de agentes do mercado financeiro, por exemplo, com essa coisa de ser o anti-Lula. Só que, historicamente, as posições do Bolsonaro são estatizantes, são contrárias ao liberalismo, então esse Bolsonaro recente não era muito legítimo. Era um personagem criado para propiciar esse flerte com o dito "mercado" e com setores da mídia, como o antídoto para o Lula.

Só que, se o Lula sai, ele perde essa função.

Talvez, para tentar manter-se em evidência, ele tenha que fazer o discurso mais radical, resgatar aquele Bolsonaro mais tradicional de extrema-direita.

Para o PSDB, quais são os impactos?

Sem o Lula é possível que o Geraldo Alckmin, que faz a linha de anti-Lula moderado, avalie que vale a pena se deslocar um pouco mais para o centro, em direção à centro-esquerda, em direção até à social-democracia, embora eu não ache que o PSDB consiga voltar a ser um partido efetivamente social-democrata.

Sem o Lula, o PSDB perde o incentivo para fazer aquela linha mais udenista (de direita) que vinha adotando até agora. E, se o PSDB for para o centro, tende a empurrar o Bolsonaro ainda mais para a direita.

Para muita gente, o julgamento de Lula é uma espécie de "ato final" da Lava Jato. Você concorda? De onde veio esse sentimento?

Acho que isso vem do fato de que, para algumas dessas pessoas, o objetivo (da Lava Jato) sempre foi a destruição do PT, que passa pela destruição da maior liderança da esquerda do país.

Destruir o Lula, afastá-lo definitivamente da eleição, é uma grande vitória para estes segmentos. E que transcende a questão da corrupção. Tanto é que não houve comemoração com a prisão do (deputado Paulo) Maluf (PP-SP) ou de outros políticos acusados de corrupção. No caso do Lula, é que havia um componente ideológico muito forte. É uma briga de esquerda e direita no sentido clássico.

E se você olhar o discurso dessa nova direita nos últimos anos, sempre foi o de destruição dos adversários. A argumentação geralmente era a de que "o Lula é que pregava o nós contra eles, ele que começou com essa retórica".

Mas o discurso de Lula nunca teve esse caráter de extermínio das elites tradicionais ou da direita. Já o discurso anti-petista tem por objetivo banir o PT da face da Terra. Acho que tem uma assimetria aí.

Políticos governistas como Rodrigo Maia, Michel Temer e mesmo Fernando Henrique Cardoso têm repetido que "preferem que Lula concorra". Trata-se de um blefe ou de uma tentativa de afastar a eventual pecha de "golpista"?

Eu acho que existe um pouco de tudo. Não acompanhei tão bem esse debate, mas conhecendo essas pessoas acho que existem diferenças entre elas.

Quando é o Fernando Henrique dizendo, por exemplo, eu consigo acreditar que seja sincero. FHC nunca pregou o extermínio do PT. Sempre fez oposição, mas de forma democrática.

Já com (Michel) Temer e (Rodrigo) Maia eu fico mais desconfiado. Não que sejam extremistas de direita, mas são políticos para os quais a exclusão do PT é conveniente neste momento.

Uma eleição sem Lula nos deixa mais próximos ou mais distantes de acordar com Bolsonaro presidente no dia 1º de janeiro de 2019?

Menos, até por causa daquilo que a gente mencionou antes. Ironicamente,a exclusão do Lula pode ser prejudicial para o Bolsonaro. Pode ser que Bolsonaro e seus seguidores tenham torcido para que isto acontecesse. Mas se eles tivessem feito o cálculo político talvez vissem que não seria positivo para eles.

Qual o impacto do julgamento sobre o PT? Há espaço para aumento da radicalização ou o caminho parece no sentido de construir a possibilidade de um nome alternativo para outubro?

O PT sofre a maior derrota da história. É uma derrota não só do PT, mas da esquerda brasileira. É claro que a esquerda não se reduz ao PT, mas quando a principal liderança da esquerda é condenada à cadeia, é claro que se trata de uma derrota monumental.

Não quer dizer que o PT acaba, mas significa que ele sai muito menor. Já diminui nas eleições municipais de 2016, então acho que é muito difícil o partido se recuperar no curto prazo. Corre o risco de ter o seu espaço ocupado por outras siglas de esquerda. Certamente, o partido perde a condição de ator hegemônico da esquerda. É claro, é preciso lembrar que o PT ainda tem um trunfo que os outros partidos não têm: é o mais enraizado na sociedade civil, o partido cuja base social está mais organizada.

A Lei da Ficha Limpa, se aplicada no caso Lula, seria uma violação à democracia?

Não. Acho a Lei da Ficha Limpa positiva. Ela se inscreve numa lógica menos liberal, e mais republicana. De preservar a coisa pública, inclusive contra a vontade da maioria. Se a maioria eventualmente achar que o "rouba mas faz" é legal, vem a lei e diz "não é, não".

Em 2 minutos, como foi o julgamento de Lula

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