Sob pressão, STF julga nesta quarta pedido de Lula para evitar prisão

Felipe Amorim e Gustavo Maia

Do UOL, em Brasília

  • Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo

    O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participa de caravana no Sul do país

    O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participa de caravana no Sul do país

Numa semana de pressões sobre o tribunal, o STF (Supremo Tribunal Federal) retoma nesta quarta-feira (4) o julgamento do recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra sua prisão na Operação Lava Jato.

A escalada da tensão em torno do Supremo levou a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, a gravar um pronunciamento no qual pede "serenidade" e respeito às divergências políticas. A segurança do tribunal foi reforçada para o julgamento desta tarde.

Como pano de fundo ao recurso de Lula está a definição sobre se a pena de prisão pode ser iniciada após a condenação em segunda instância, e o STF recebeu, também nesta semana, manifestos de setores do Judiciário contrários e favoráveis à tese adotada pelo tribunal em 2016.

A sessão de julgamento está marcada para as 14h e será transmitida pelo UOL.

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Se for derrotado, Lula poderá ser preso e verá reduzidas as chances de conseguir manter a candidatura à Presidência da República. Se obtiver sucesso, o ex-presidente poderá seguir recorrendo da condenação, o que levará a conclusão do processo para as últimas instâncias do Judiciário.

Livre, Lula também terá maior facilidade para se engajar na campanha eleitoral. Mas, para conseguir ter a candidatura autorizada, precisará travar uma nova batalha jurídica, dessa vez na Justiça Eleitoral, contra seu enquadramento na Lei da Ficha Limpa.

Condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-presidente cumpre os requisitos para ser considerado um candidato ficha suja e ficar proibido de disputar eleições.

A Justiça Eleitoral permite que um candidato participe da campanha, e até receba votos, enquanto o caso não é julgado em definitivo pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O julgamento de hoje no STF, no entanto, não tem o poder de autorizar a candidatura de Lula. Isso deverá ser discutido em um novo processo no TSE.

Comandante do Exército diz repudiar impunidade

O clima já tenso em torno do julgamento ficou ainda mais pesado nas últimas horas após o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, afirmar em uma rede social que repudia "a impunidade".

Se citar Lula ou STF, Villas Bôas escreveu que o Exército está ainda "atento às suas missões institucionais", sem detalhar o que pretendeu dizer com a expressão.

Até o início da manhã desta quarta-feira, o presidente Michel Temer (MDB) não havia se manifestado.

Políticos de diversos partidos comentaram a declaração. O deputado federal e pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL-RJ), que é capitão da reserva do Exército, escreveu: "Estamos juntos General Villas Bôas."

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que "cada órgão do Estado deve seguir exercendo suas funções nos limites estabelecidos por ela".

Já o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) classificou o post do general como "a maior chantagem à Justiça desde a época da ditadura militar".

O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot declarou que "outro 1964 será inaceitável".

Manifestações contra e a favor

A semana do julgamento também está sendo marcada por manifestações contra e a favor do ex-presidente.

Na terça-feira (3), grupos favoráveis à prisão de Lula convocaram atos em mais de 100 cidades brasileiras. O maior protesto ocorreu em São Paulo, com participação de mais de 40 mil pessoas, segundo a PM (Polícia Militar), na avenida Paulista. Lá e no Rio, os principais alvos de pressão foram os ministros do STF, principalmente Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Integrantes do MBL chegaram a afirmar que pedirão o impeachment de ministros que aceitarem o habeas corpus de Lula

Os principais atos em defesa do ex-presidente estão marcados para esta quarta-feira. Em Brasília, parte das vias estarão bloqueadas, e uma barreira será montada para separar manifestantes favoráveis e contrários ao petista.

Na segunda-feira (2), o STF recebeu dois abaixo-assinados de grupos contrários e favoráveis à prisão em segunda instância.

Juízes e membros do Ministério Público entregaram um documento a favor da medida. No texto, eles afirmam que a regra não se aplica apenas ao caso do ex-presidente, e que uma mudança na decisão do STF implicaria na "liberação de inúmeros condenados, seja por crimes de corrupção, seja por delitos violentos, tais como estupro, roubo, homicídio etc.", afirma o abaixo-assinado.

Associações de advogados, defensores públicos e juristas também apresentaram um texto ao gabinete dos ministros do STF, este contrário à prisão nessa fase do processo.

"Ninguém, absolutamente ninguém, será considerado culpado enquanto não houver esgotado todos os recursos", diz trecho do documento. "Gostemos ou não, a Constituição da República consagrou o princípio da presunção de inocência", afirma o texto.

O documento tem o apoio de entidades como o IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Anadep (Associação Nacional dos Defensores Públicos), IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), e ABJD (Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia).

O julgamento também mobilizou um dos principais atores da Lava Jato. O coordenador da Operação no MPF (Ministério Público Federal) de Curitiba, Deltan Dallagnol, classificou esta quarta-feira como "Dia D da luta contra a corrupção" e anunciou que acompanhará o julgamento no STF "em jejum, oração e torcendo pelo país", disse, em uma rede social. 

O que será julgado?

O recurso da defesa de Lula é um pedido de habeas corpus para que ele possa recorrer contra sua condenação em liberdade.

O ex-presidente foi condenado em julho do ano passado pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, por corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo um apartamento tríplex. A acusação dizia que a OAS teria reformado e reservado o imóvel para Lula. A defesa do ex-presidente sustenta que ele nunca usou o apartamento e que a condenação ignorou provas de sua inocência.

Contra a condenação por Moro foi apresentado recurso ao TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), em Porto Alegre. Em janeiro, os três desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 confirmaram a condenação de Lula e aumentaram a pena de prisão do ex-presidente de 9 anos e 6 meses para 12 anos e 1 mês.

Na última semana, a 8ª Turma negou por unanimidade novo recurso da defesa de Lula. Com isso, se não houver mais recursos ao TRF-4, pode ter início o cumprimento da pena do ex-presidente.

A defesa de Lula pede ao STF que ele só possa ser preso depois de julgados todos os recursos judiciais possíveis no processo. Além do TRF-4, é possível recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ao próprio STF.

Como argumento, a defesa sustenta que a Constituição Federal só permite a prisão após o chamado "trânsito em julgado", quando não cabem mais recursos de uma decisão judicial.

STF e 2ª instância

A discussão jurídica é a mesma travada pelo STF em outras duas ações que estão pendentes de julgamento. Atualmente, a partir de três decisões de 2016, o STF autoriza que uma pessoa condenada por um tribunal de segunda instância, como o TRF-4, possa começar a cumprir a pena de prisão. Essas decisões foram tomadas com o placar apertado de seis votos a cinco entre os 11 ministros do tribunal.

Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Voto da ministra Rosa Weber é considerado decisivo no caso

A defesa de Lula aposta na mudança de posicionamento de ministros do STF para conseguir evitar a prisão do ex-presidente.

O ministro Gilmar Mendes, que votou favorável à prisão após segunda instância, tem dado declarações que indicam uma possível mudança no seu posicionamento.

Outro voto decisivo deve ser o da ministra Rosa Weber. Ela votou contra a prisão após segunda instância em 2016, mas, desde então, tem adotado a posição da maioria definida naquele julgamento, em sinal de respeito ao entendimento do tribunal.

Como o processo de Lula trata apenas do caso específico do ex-presidente, a ministra pode tanto decidir manter o critério de seguir o que foi decidido em 2016 quanto escolher votar de acordo com seu entendimento da questão.

Argumentos em disputa

No centro do debate sobre a questão está a interpretação do conceito de trânsito em julgado do processo e a definição sobre a partir de qual momento um investigado pode ser considerado culpado, o chamado princípio da presunção de inocência.

A Constituição Federal afirma que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

De forma similar, o Código de Processo Penal diz que, exceto por flagrante ou prisão provisória, ninguém poderá ser preso a não ser "em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado".

Os defensores da prisão após a segunda instância afirmam que o cumprimento da pena a partir desse momento do processo não afronta a Constituição e o princípio da presunção de inocência porque, depois de uma dupla condenação, já haveria um nível razoável de certeza sobre a culpa do investigado.

As posições contrárias à prisão após a segunda instância defendem que o texto da Constituição e do Código de Processo Penal são claros ao exigir o trânsito em julgado para determinar a culpa do investigado e o cumprimento da pena de prisão.

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