Defesa de Lula: sugerir PEC é dizer que Constituição veta prisão em 2º grau

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

  • Liamara Polli/Agif/Estadão Conteúdo

    O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em visita a cidade de Chapecó (SC)

    O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em visita a cidade de Chapecó (SC)

Para o advogado Cristiano Zanin Martins, que integra a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), considerar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para colocar o tema da prisão após condenação em segunda instância na Carta Magna do país --tal como sugeriu o juiz federal Sergio Moro no programa Roda Viva, da TV Cultura, na última segunda (26)—é o mesmo que reconhecer que a Constituição não permite o cumprimento de uma pena após condenação em segundo grau.

"Na medida em que se cogita uma proposta de emenda constitucional, o que se está reconhecendo, na verdade, é que o texto atual não permite a antecipação da pena após decisão em segunda instância", afirmou Zanin em entrevista ao UOL na terça-feira (27) à tarde.

Acho que aplicar uma decisão que permita a antecipação da pena sem decisão condenatória transitada em julgado é uma afronta à Constituição. E que causa também um problema em relação ao sistema carcerário brasileiro
Cristiano Zanin Martins

Entre suas declarações durante a participação no programa televisivo, Moro afirmou que uma eventual revisão do entendimento do STF em torno do cumprimento de pena após a condenação em segunda instância, "que foi um enfrentamento contra a corrupção, teria um efeito prático muito ruim".

O magistrado sugeriu que, caso o STF reveja a questão, o próximo presidente da República proponha uma emenda constitucional para tratar desse ponto.

Zanin defendeu que a Constituição Federal "estabelece com bastante clareza" o princípio da presunção de inocência, ou seja, que uma pessoa só pode ser considerada culpada após o "trânsito em julgado" –quando o processo já tiver sido analisado em todas as instâncias.

O tema voltou a ser motivo de discussão na sociedade devido ao caso do ex-presidente Lula, condenado pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP). Como o tribunal já rejeitou os embargos de declaração apresentados pela defesa do petista, ele, teoricamente, poderia ser preso. Porém, o STF está analisando um pedido de habeas corpus do ex-presidente para ficar em liberar até que o caso seja julgado em todas as instâncias. A análise do mérito está marcada para o dia 4 de abril, e o Supremo concedeu uma liminar a Lula para que ele não seja preso até lá.

Além do caso específico de Lula, há pelo menos outras duas ações de relatoria do ministro Marco Aurélio Mello que tentam reverter o entendimento do STF, de 2016, sobre permitir a prisão após condenação em segunda instância. Porém, a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, já informou que não pretende pautá-las tão cedo, por entender que a jurisprudência sobre a matéria é recente.

Apresentação de PECs

Em 2011, o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) apresentou uma PEC para definir a prisão após condenação em segunda instância, mas o texto foi alterado e acabou não sendo colocado em prática. Agora, o deputado Alex Manente (PPS-SP) pretende apresentar PEC semelhante.

Cristiano Zanin argumentou, no entanto, que a garantia da presunção de inocência integra o rol dos direitos e garantias individuais, sendo classificada como uma "cláusula pétrea", e que portanto não pode ser alterada nem por meio de PEC.

"Por mais que se faça uma interpretação mais elástica, por mais que se busque algum sentimento da sociedade ou algo parecido, não há espaço para nenhum juiz do país decidir contra aquilo que está expresso na Constituição Federal", afirmou Zanin.

Tribunal Regional Federal da 4ª Turma/Divulgação
Zanin durante julgamento do ex-presidente Lula no TRF-4

Instabilidade jurídica e impunidade?

Especialistas afirmam que, caso o pedido de habeas corpus Lula seja atendido pelo STF, será aberto um precedente para que outros condenados em segunda instância possam tentar ação semelhante –o que poderia levar a uma instabilidade jurídica. Zanin, no entanto, afirmou discordar desse entendimento.

No Roda Viva, Moro afirmou que, desde 2016, 114 condenações só da Justiça Federal do Paraná foram confirmadas depois em segunda instância, havendo entre elas inclusive "traficante", "pedófilo" e "doleiro" –todos casos que poderiam ser afetados pela decisão do STF

Mas para o advogado de Lula, além dos 114 condenados pela Justiça Federal do Paraná, é preciso levar em conta "os mais de 600 mil presos que o Brasil tem, muitos deles cumprindo pena de forma antecipada, e portanto fora daquilo que a Constituição prevê".

Zanin ainda rebateu o argumento de combate à impunidade usado por Moro e outros defensores da prisão após condenação em segunda instância.

Não se combate o mal fazendo outro mal. Nenhuma medida de combate à impunidade pode afrontar a Constituição Federal e o devido processo legal
Cristiano Zanin Martins

O advogado de Lula também lembrou que há casos de decisões de primeira e segunda instâncias que são reformadas no âmbito do STF.

"No acórdão da ADPF 144 [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 144, que determinou que a Justiça Eleitoral não pode negar o registro de candidatos que respondem a um processo], no voto do ministro Ricardo Lewandowski, consta que 28,5% dos recursos criminais examinados pelo STF são providos", pontuou, classificando o número como "uma taxa significativa".

Julgamento no dia 4

Com a retomada do julgamento do habeas corpus de Lula prevista para o próximo dia 4 de abril no STF, Zanin disse esperar que a Corte "prestigie a Constituição" e que acredita que o pedido da defesa é "absolutamente compatível com o texto constitucional vigente".

Zanin afirmou ainda que não teve acesso ao acórdão da decisão do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), em que o Tribunal negou os embargos de declaração apresentados pela defesa e que foi publicado nesta terça (27).

Mas segundo ele, é possível que a banca de advogados que defendem o petista entre com os chamados "embargos dos embargos", contestando alguma possível omissão ou contradição na decisão.

Com a publicação do documento, a defesa de Lula terá dois dias, conforme o CPP (Código de Processo Penal), para entrar com o recurso. O TRF-4 poderá julgar se aceita analisar o recurso ou não. Tradicionalmente, os desembargadores costumam rejeitá-los sob argumento de que são protelatórios.

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