Operação Lava Jato

Por que condenações de Lula não afetaram seu bom desempenho nas pesquisas

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

  • Paulo Lopes - 25.jan.2018/Estadão Conteúdo

    O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

    O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

O resultado do Datafolha divulgado no final de janeiro mostrou comportamento semelhante ao revelado na pesquisa de setembro do ano passado: as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no caso do tríplex no Guarujá pouco ou nada influenciaram sua liderança absoluta nas enquetes de intenções de votos para a eleição presidencial de 2018. Em julho de 2017, ele fora condenado a 9 anos e meio de prisão pelo juiz Sergio Moro. No último dia 24, os desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) ampliaram sua pena para 12 anos e um mês de detenção.

Cientistas políticos entrevistados pelo UOL atribuem o bom desempenho de Lula, apesar da condenação, a diferentes fatores, entre eles um alto índice de desconfiança no Poder Judiciário; a incerteza ou a indiferença sobre as questões jurídicas envolvendo o ex-presidente; e as viagens do petista pelo Brasil, disseminando o discurso de que tem sido perseguido e lembrando as políticas sociais de seus governos.

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Ednaldo Ribeiro, coordenador da área de comportamento político da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política), lembra que o perfil dos entrevistados que declararam intenção de votar em Lula é de pessoas com baixa escolaridade e renda, segundo os dados do Datafolha. Ao mesmo tempo, diz ele, há uma incerteza jurídica sobre o impacto da condenação na candidatura de Lula.

"A gente pode lançar a hipótese de que o efeito dessa incerteza jurídica sobre o eleitorado tende a ser maior justamente nesse segmento de baixa renda e escolaridade", afirma.

O efeito de um julgamento cujo resultado prático pode ainda ser questionado torna muito difícil que, em termos de intenção de voto, já aconteça algum efeito
Ednaldo Ribeiro, coordenador da área de comportamento político da ABCP

Ainda segundo Ribeiro, há um processo de degradação da confiança no Judiciário. Ele cita o Barômetro das Américas, estudo conduzido pela universidade americana Vanderbilt em todo o continente, segundo o qual 53,5% dos brasileiros não acreditam que os tribunais do país garantem julgamentos justos e 89,9% não confiam em uma punição pela Justiça em casos de roubo ou assalto. Os dados são de pesquisas feitas em todo o Brasil entre abril e maio de 2017.

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  • http://noticias.uol.com.br/enquetes/2017/12/12/voce-acha-que-lula-sera-candidato-em-2018.js

"Esse quadro não é para questionar a qualidade do julgamento em pauta, mas apenas para dizer que os efeitos de uma ação de uma instituição que tem perdido credibilidade tende a ter um efeito reduzido sobre a intenção de voto", disse Ribeiro, que também é professor de ciência política da UEM (Universidade Estadual de Maringá, no Paraná).

O cientista político cita ainda que, de acordo com a mesma pesquisa, a avaliação negativa do Judiciário é mais predominante entre quem se considera de esquerda.

"Por que uma ação do Judiciário, em um julgamento emblemático como o de 24 de janeiro, teria que ter efeito sobre a intenção de voto desse grupo?", pergunta. "Não é uma ação desse Poder específico que teria que ter um efeito sobre essa intenção de voto, a menos no curto prazo."

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Desconfiança em relação à Justiça

A desconfiança dos brasileiros em relação ao Judiciário também é mencionada pela pesquisadora Flávia Bozza Martins, doutoranda em Ciência Política no Iesp-Uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Ela cita dados da pesquisa Latinobarômetro, conduzida anualmente por uma ONG chilena de mesmo nome em países da América Latina, segundo os quais 73% dos brasileiros têm pouca ou nenhuma confiança na Justiça.

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"A despeito de todo o movimento, tanto da mídia quanto do Judiciário, em dar saliência para este tema e de colocar o Lula nesse papel de uma pessoa que concentrou tudo o que se refere à corrupção nas últimas semanas e meses, chama a atenção um pouco a desconfiança institucional do brasileiro", diz Flávia. "Acho que isso oferece uma pista de por que isso não quis dizer muita coisa para o eleitor." 

Flávia também lembra que, segundo o Latinobarômetro de 2017, a corrupção era o problema mais importante para os brasileiros, à frente de desemprego, saúde e economia, por exemplo. 

Em um cenário em que o eleitor percebe corrupção endêmica, talvez exista mais adesão na memória dele a aquele candidato que mais entregou em termos de políticas públicas. Não nos esquecendo que Lula foi um presidente que saiu [do cargo] com 87% de aprovação
Flávia Bozza Martins, doutoranda em Ciência Política no Iesp-Uerj

Ainda segundo a pesquisadora do Iesp-Uerj, "o discurso do Lula e do PT de perseguição política acabou, em alguma medida, relembrando os feitos do governo Lula".

Corrupção ou perseguição política?

Cláudio Couto, professor de ciência política da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas em São Paulo), diz que há meses Lula enfrenta o desgaste provocado por denúncias de corrupção, mas mesmo assim sempre liderou as pesquisas de intenção de voto.

Couto cita também a percepção dos eleitores de Lula de que a condenação judicial do ex-presidente seria injusta, resultado de uma perseguição política, o que ajudaria a manter o seu alto índice de intenção de voto. "Não creio que a condenação em segunda instância se torne esse fator [de desgaste]", afirma.

Para o professor da FGV, a intenção de voto em Lula poderá cair se houver a percepção, ao longo do tempo, de que Lula não poderá disputar a eleição. Em tese, segundo a Lei da Ficha Limpa, o petista já está inelegível depois da condenação no TRF-4. Sua candidatura, porém, ainda depende de um rito no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Couto também diz que o alto número de intenção de votos brancos ou nulos, ou de não votar, registrados pelo Datafolha nos cenários em que Lula não participa tende a cair com o tempo. Flávia Bozza Martins, do Iesp-Uerj, afirma considerar possível uma alta na abstenção em uma eleição sem Lula, mas concorda que tais números tendem a diminuir à medida que a campanha eleitoral avançar e outros candidatos se apresentarem.

Já Ednaldo Ribeiro, da UEM, aponta que o eleitorado de esquerda pode acabar optando por quem Lula eventualmente indicar, mas diz ser cético em relação ao poder de transferência de votos entre o eleitorado mais pobre e menos escolarizado.

"Esses grupos são muito menos identificados com a esquerda que com o Lula", afirma. "É um voto muito mais ligado à figura e ao que Lula fez por essas camadas, menos ligado a um posicionamento ideológico claro, de esquerda, e menos ligado ainda ao petismo." 

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Quase 25% não sabiam de condenação

No mesmo levantamento sobre a intenção de voto para presidente, o Datafolha fez perguntas específicas sobre o julgamento de Lula. Informados sobre a decisão do TRF-4 de condenar o ex-presidente a 12 anos e um mês de prisão, 50% dos entrevistados consideraram a decisão justa e outros 43% declararam que a condenação foi injusta. O restante disse não saber responder.

O percentual dos que acharam a decisão injusta sobe para 54% entre quem estudou até o ensino fundamental e para 51% entre quem tem renda familiar de até dois salários mínimos, faixas da população em que Lula chega perto dos 50% de intenção de voto nos cenários de primeiro turno.

No entanto, antes da pergunta que incluía a informação sobre a decisão do TRF-4, o Datafolha questionou se os entrevistados tomaram conhecimento do julgamento de Lula --e 24% disseram que não. O nível de desconhecimento chegou a 34% entre quem estudou até o ensino fundamental e 31% entre quem tem renda familiar de até dois salários mínimos.

A pesquisa Datafolha foi feita entre os dias 29 e 30 de janeiro em 174 municípios de todo o país, com a população de 16 anos ou mais. Foram realizadas 2.826 entrevistas presenciais. A margem de erro é de 2 pontos percentuais. 

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