Operação Lava Jato

Primeira "dinastia do PT": o que Porto Alegre representa para o partido?

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

  • 31.mar.2016 - Flavio Ilha/Colaboração para o UOL

    Em 2016, manifestantes protestaram na 'Esquina Democrática', no centro de Porto Alegre, contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff

    Em 2016, manifestantes protestaram na 'Esquina Democrática', no centro de Porto Alegre, contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff

Capital que representa a primeira "dinastia do PT", Porto Alegre sediará um julgamento que é chave para a principal liderança petista. No dia 24 de janeiro, a apelação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra sua condenação à prisão será avaliada pela 8ª Turma do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), a segunda instância da Lava Jato.

Porto Alegre foi governada por petistas por quatro mandatos seguidos, totalizando 16 anos de administrações. Passaram pelo comando da capital gaúcha Olívio Dutra (1989-1992), Tarso Genro (1993-1996 e 2001-2004), Raul Pont (1997-2000), e João Verle (2004).

O partido só veio a repetir tal sequência de governos seguidos no Acre e no Planalto. O governo do Acre está sob poder do partido desde 1999, somando já seu sexto mandato. Já a capital, Rio Branco, é governada por petistas desde 2005.

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A "dinastia" mais conhecida é a que aconteceu na Presidência da República, com Lula e Dilma Rousseff administrando o país entre 2003 e 2016. O período de administração petista não atingiu a totalidade de quatro mandatos em função do processo de impeachment, que levou à cassação do mandato de Dilma, em agosto de 2016.

Laboratório

O cientista político e professor do Insper Fernando Schüler avalia que Porto Alegre foi um "símbolo do PT no Brasil, formatando o modelo de governança do partido".

Autor do livro "História do PT", o professor de História da USP (Universidade de São Paulo) Lincoln Secco concorda e diz que a capital gaúcha mostrou ao país um "modo petista de governar".

"Mais que São Paulo porque, em Porto Alegre, o partido conseguiu se implantar mais e foi vital para chegar ao governo do Estado, o que jamais aconteceu em São Paulo", comenta Secco.

Dutra, entre 1999 e 2002, e Genro, de 2011 a 2014, foram os prefeitos que conseguiram chegar ao comando do Rio Grande do Sul. Ambos acabaram se tornando lideranças nacionais do partido.

Os ex-governadores, que foram ministros de Lula, também são reflexos do perfil do partido, formado no Estado a partir de classe média intelectualizada e universitária, pontua Schüler, ao contrário do que aconteceu em São Paulo, onde partido se fortaleceu a partir dos sindicatos.

Dutra também veio de sindicato, mas o dos bancários, que é mais urbano e de classe média, mais próximo da área intelectual, da qual Genro é seu principal nome, avalia o cientista político.

3.out.2010 -Ricardo Rimoli/UOL
Dutra (esq.) durante comemoração da vitória de Genro (dir.) na eleição para o governo do Rio Grande do Sul em 2010

Vitrine

O "modo petista de governar", segundo o historiador, era definido "pela inversão de prioridades com investimentos sociais e orçamento participativo". "Porto Alegre foi uma vitrine disso para o PT".

O cientista político classifica a capital gaúcha como um "laboratório de gestão" do partido para um modelo avesso ao setor privado. "A partir disso criou essa hegemonia", diz Schüler.

Secco ressalta que "o Rio Grande do Sul tem uma forte tradição trabalhista que o PDT [fundado por Leonel Brizola, um que governou o Estado entre 1959 e 1963] tentou continuar, mas foi suplantado pelo PT".

Atualmente, porém, o partido tem dificuldades no relacionamento com os porto-alegrenses. Desde 2004, nenhum petista conseguiu vencer a eleição pela prefeitura. "Todo processo longo de governança tende à fadiga. Foi o esgotamento de um ciclo, atrelado à crise fiscal pela qual passa o Estado", avalia o cientista político. "A crise do PT no Rio Grande do Sul é reflexo da crise no Estado".

Schüler ainda ressalta a relevância da história do partido no Estado, de tradição trabalhista e de esquerda. "Não é à toa que ficaram 16 anos no governo da capital, mas a política vive de ciclos", analisa, ressaltando que "a fragilidade da esquerda, do PT não corresponde à hegemonia de um outro partido". "A crise reiterada cansou a população e levou à polarização política".

Para Secco, o PT também perdeu Porto Alegre "quando ganhava o governo federal". O partido chegou ao Planalto com Lula pela primeira vez em 2003. Ele também cita divisões internas e o desgaste normal do exercício de vários mandatos. "Mas, depois disso, o partido não voltou mais ao poder municipal", observa Secco. 

Para o historiador, o PT perdeu três fatores:

  • "Deixou de ser militante e se tornou correia de transmissão do governo federal" ;
  • "Suas lideranças envelheceram sem que aparecessem novas" [Dutra tem 76 anos, e Genro, 70];
  • "Perdeu o consentimento eleitoral da classe média e do centro político";

"Em outras regiões do Brasil, até houve alguma renovação de líderes como no Nordeste e até em São Paulo, mas não em Porto Alegre", pontua o professor da USP.

Atos

A relevância de Porto Alegre para o PT mudou desde que, em julho de 2017, o ex-presidente Lula foi condenado a nove anos e seis meses de prisão pelo juiz federal Sergio Moro no processo relacionado ao tríplex do Guarujá (SP). Como a defesa apelou contra a sentença, a segunda instância, sediada em Porto Alegre, deve julgar o recurso, o que acontecerá no próximo dia 24 de janeiro.

Para o dia do julgamento do recurso de Lula, atos de aliados do petista estão sendo marcados pelo país. A capital gaúcha, porém, terá uma agenda de protestos desde os dias anteriores à sessão que indicará se o ex-presidente será preso ou terá condições de disputar a eleição presidencial em outubro. Entre os eventos, há de vigílias a palestras com juristas. Algumas das ocasiões devem contar com a presença de lideranças nacionais do partido, como a ex-presidente Dilma.

O PT também tem convocado militantes para se dirigirem a Porto Alegre, que deverá ter um esquema de segurança especial contra possíveis atos de violência entre apoiadores e críticos do ex-presidente. A presença de Lula na capital gaúcha ainda não é certa.

No último dia 13, os atos começaram com o lançamento do "Comitê em defesa da democracia e do direito de Lula ser candidato". A adesão não foi grande. Para Schüler, a falta de mobilização não é uma exclusividade do PT em Porto Alegre. "Hoje, não tem um grande partido que tenha capacidade de mobilização".

O cientista político não acredita que o PT irá ganhar apoio com os protestos em Porto Alegre. "Estamos no meio da campanha eleitoral. A classe média não gosta de radicalização. O efeito [dos atos] pode ser zero, muita espuma", observa. "Me surpreende como um partido político se tornou uma espécie de conglomerado político em torno de uma liderança. A 'personalidade' tomou de assalto a política".

Como será o julgamento de Lula na segunda instância?

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