"Às vezes, esquerda ganha espaço e fica muito arrogante", diz Haddad

Felipe Souza

Em São Paulo

  • Apu Gomes - 4.out.2013 / Folhapress

    O prefeito Fernando Haddad (PT), candidato à reeleição em São Paulo

    O prefeito Fernando Haddad (PT), candidato à reeleição em São Paulo

"Tira foto agora! Tira foto aí", gritava Henrique, enquanto apontava o dedo do meio quase no rosto do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT).

Ao lado de Haddad, sua mulher, Ana Estela, assistia apreensiva às tentativas frustradas do marido de acalmar a situação.

Ao perceber que poderia chamar ainda mais atenção para sua reivindicação -- impedir a retirada, pela prefeitura, de moradores de rua de um viaduto na zona leste da cidade --, Henrique aumentou o tom de voz e chamou o aliado de Haddad e candidato a vereador pelo PT Eduardo Suplicy de "lixo".

"Ah, lixo, não. Se você acha que o Suplicy é um lixo...", respondeu o prefeito, que minutos antes havia chamado o jovem para que explicasse sua queixa.

Preocupada diante do princípio de tumulto naquele ato de campanha no início de setembro, a equipe de produção encerrou o evento na praça Roosevelt, centro da capital paulista -- mesma praça que, quatro anos antes, havia marcado o início da virada para a vitória de Haddad, com o slogan "Existe Amor em SP". Seguranças escoltaram o prefeito até o carro.

Corta para três horas antes: sala de reuniões da prefeitura, a cerca de 1 quilômentro dali. Duas grandes portas de madeira se abrem e o prefeito adentra o salão com telas gigantes que exibem dados de trânsito em tempo real e um enorme mapa do município.

A reportagem questiona: "Prefeito, onde está o monitor que mostra o fluxo (concentração de usuários) da Cracolândia"?

"Não sei. Às vezes eles mudam isso", responde Haddad enquanto se ajeita para conversar com a BBC Brasil.

Vida a pé

Haddad respira fundo antes de dizer que sua jornada de trabalho aumentou bastante na reta final da campanha. "Estou dormindo um pouco menos, entre quatro horas e meia e cinco horas por dia. Uma hora a menos que o habitual."

O petista, que diz fazer caminhadas na vizinhança de casa, afirma que só não sai mais por causa do cansaço.

"É muito estafante (ser prefeito). Às vezes, estou assistindo a um filme e desmonto no sofá. Não me sinto envelhecido, mas é uma jornada muito pesada. A Defesa Civil me liga às 3h da manhã. Se somar todas as licenças que pedi em quatro anos, não dá 20 dias", diz.

E o que a família acha disso?

"Eles adoram", responde logo Haddad, irônico. "Costumo dizer que é como se meu filho tivesse um pai morto."

O prefeito relata que sua vida íntima foi preservada e respeitada durante sua gestão e que foi alvo de hostilidades poucas vezes. "Nunca tive nenhum incidente grave com um cidadão. Às vezes uma palavra ou outra. O cara reclama, abre a janela do carro e diz: 'Pô, 50 por hora?'", conta sorrindo.

Mas reconhece que já foi alvo de manifestações, algumas até na porta de sua casa. "Mas reclamar de protestos também não dá, não é?", diz.

O prefeito diz que consegue fazer tudo o que precisa a pé: ir a restaurantes, cinema, shopping. "Esta semana fui assistir ao filme 'Aquarius', na rua Augusta, e voltei caminhando para casa pela avenida Paulista."

"Gosto de andar. Nem carro eu tenho. Raramente pego carro da prefeitura e nunca peguei nem Uber", afirmou o prefeito, que se diz frequentador do shopping Cidade de São Paulo.

Após prometer levar empregos para a periferia, para que moradores de áreas afastadas do centro também pudessem fazer a maior parte de suas atividades a pé, Haddad culpa a crise pelo fracasso parcial de sua promessa.

"Começou a ter uma migração de empresas para a zona leste a partir de uma lei de incentivo que a gente criou, pois não pagam IPTU nem ISS, mas a crise afetou os empresários", afirmou.

Jantar

O prefeito se diz "tradicional" quando o assunto é sair para jantar na metrópole. "Depende de quem está com o mando de jogo. Se eu escolho, a gente vai no Joakins (hamburgueria), no Rubaiyat (casa de carnes). Quando ela (Ana Estela) escolhe, pega o guia e gosta de variar. O careta do casal sou eu", conta.

Haddad não realizou algumas de suas metas mais importantes de campanha, como zerar a fila de inscrição nas creches e construir três hospitais. Em suas contas, cumpriu completamente ou parcialmente 113 das 122 promessas de campanha.

Ele também culpa a crise - diz que os objetivos eram muito ambiciosos e não recebeu parte dos recursos federais prometidos. E aproveita para alfinetar o PSDB. "Em um ano a gente cumpre essas metas. Os tucanos que governam o Estado há 22 anos não conseguem cumprir metas prometidas em 1994. (...) Eu não prometi cinema gratuito e entreguei 20, (entreguei) passe livre para estudantes e quatro vezes mais praças com wi-fi", afirma.

Propostas

Além de concluir as metas da primeira gestão, Haddad promete fazer uma parceria com a USP (Universidade de São Paulo) para prevenção de crimes: monitorar 50 mil pontos da cidade com câmeras inteligentes. Trata-se de um programa de computador que identifica ações suspeitas e alerta as forças de segurança.

Na educação, Haddad diz que entregará 14 CEUs (Centros de Educação Unificada). Em mobilidade, promete tirar os caminhões do centro da cidade e das marginais, com a transferência do Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) para a zona norte.

Haddad afirma que seus rivais na eleição querem apenas complementar o que ele já faz ou implantar medidas que "não fazem sentido".
"O que é bom do que eles estão propondo não é novo e o que não é novo não é bom, como a volta da inspeção veicular e levar o prontuário eletrônico num cartão. O prontuário precisa ficar na nuvem e poder acessar de qualquer lugar. Não faz sentido. Vender o autódromo de Interlagos é bom? Só tem proposta disparatada", disse.

Imagem manchada

Com o impeachment de Dilma Rousseff, a imagem do PT foi abalada em meio a um ano eleitoral. Haddad afirma que isso dificulta sua campanha e a única forma de contornar essa situação é falando com a população. "É preciso conversar com as pessoas e mostrar o que você fez e esclarecer que essa questão é muito mais sistêmica do que partidária. Não é verdade que um partido fez tudo isso. Veja o exemplo do (Eduardo) Cunha. E se abrir a caixa, meu filho, vai muita gente junto. É sistêmico o problema. Você acha que o PMDB é melhor que o PT?", questionou.

Mesmo com essa rejeição alavancada pelo partido, Haddad diz não ter planos de deixar o PT. "Quando me perguntam se vou sair, eu pergunto para onde. Eu não faria isso (mudar de partido). Eu represento um coletivo de pessoas que me tornaram ministro, me tornaram prefeito e eu não volto as costas para as pessoas que me ajudaram."

Haddad diz que a esquerda no Brasil precisa fazer uma autocrítica e promover mudanças para se fortalecer. Sobre o momento do PT agora na oposição no plano federal, ele diz que o partido poderá se fortalecer "dependendo de como agir".

"A esquerda na crise se reencontra com valores importantes e um deles é a generosidade. Às vezes, a esquerda começa a ganhar espaço e fica muito arrogante. Esquece de que tem outras pessoas envolvidas no processo histórico. Às vezes uma crise te torna mais generoso, mais aberto a ouvir dentro da própria esquerda as diferenças, incorporar ideias, abrir espaço para a juventude", afirmou.

O petista procura demonstrar confiança diante de pesquisas que o colocam fora do segundo turno. "Em 2012, eu estava a quatro dias da eleição em terceiro lugar, longe do segundo colocado em todas as pesquisas. As eleições se decidem muito nas últimas semanas, ainda mais agora que houve uma sobreposição de temas: Olimpíada, cassação do Cunha, impeachment. É muito assunto, mas iremos mostrar o que fizemos pela cidade."

 

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