Obras, Orçamento, Uber: pendências que Crivella herdará como prefeito

Paula Bianchi*

Do UOL, no Rio

  • Julio Cesar Guimaraes/UOL

Sem Copa do Mundo, Olimpíadas e nenhum outro grande evento em vista e com o Estado em calamidade pública decretada em função da crise financeira, a cidade do Rio de Janeiro, diz José Marcelo Zacchi, coordenador-geral da ONG Casa Fluminense, "aterrissará na realidade do país" em 2017.

À parte os problemas históricos que o novo prefeito, Marcelo Crivella (PRB), terá de enfrentar, como o trânsito e a falta de mobilidade –o carioca perde em média duas horas e 14 minutos por dia no deslocamento de casa para o trabalho--, lidar com a piora dos índices da segurança pública e promover melhorias nas áreas de saúde, saneamento básico, educação e lazer, há questões pontuais que precisarão de atenção já no começo da nova gestão.

Queda no Orçamento

Ed Jones/ AFP
Sem grandes eventos, Rio tem previsão de Orçamento menor em 2017
O Orçamento menor é um dos primeiros pontos a serem enfrentados pelo novo prefeito. "Com uma carteira de investimentos relacionada, em especial, aos grandes eventos, o Rio passou ao largo dessa situação, que já vinha sendo enfrentada por outros municípios nos últimos anos", diz Zacchi.

"O que vivemos no Rio na última década foi um cenário raro, com a prefeitura aliada ao governo do Estado e à Presidência. O novo prefeito vai ter que lidar com o governo estadual, que faliu, e com o governo federal, que não está jogando dinheiro pela janela", diz o cientista político e professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio) Maurício Santoro.

De acordo com a proposta para o Orçamento da capital fluminense enviada à Câmara dos Vereadores pelo atual prefeito, Eduardo Paes (PMDB), no primeiro ano da gestão de Crivella a prefeitura do Rio deve ter R$ 29,5 bilhões disponíveis para pagar salários, obras, prestações de empréstimos e outras contas.

Esse valor é 9,2% menor do que os R$ 32,5 bilhões previstos na lei orçamentária de 2016 -- valor já corrigido pela inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).

Questionada pelo UOL sobre a situação das contas municipais, a prefeitura do Rio informou que a redução do Orçamento em 2017 se explica pela conclusão do ciclo de obras realizadas durante a gestão Paes. A queda das receitas no ano que vem, afirma, está relacionada a um fluxo menor de entrada de financiamentos e transferências de recursos do governo federal e estadual para o município.

Dívidas crescentes

O novo prefeito também terá que pagar as contas deixadas pela gestão anterior. A proposta de Orçamento elaborada por Paes reserva R$ 1,3 bilhão para prestações de financiamentos e seus juros. Isso é 31% a mais do que os R$ 989,5 milhões (valor corrigido) reservados em 2016.

O gasto anual com o pagamento da dívida do município deve crescer até 2019. A prefeitura calcula que prestações de empréstimos e juros consumam 1,5 bilhão em 2018 (19% a mais do que em 2017) e outro 1,7 bilhão no ano seguinte (14% a mais do que no ano anterior). Só em 2020, último ano do mandato de Crivella, é que custo anual das dívidas para a prefeitura deve se estabilizar. Isso se o novo prefeito não contratar novos financiamentos.

A prefeitura informou que paga todas suas contas em dia e diz que o pagamento das dívidas comprometerá apenas 4,4% do Orçamento municipal de 2017. Crivella declarou, por meio de sua assessoria de imprensa, que todos os compromissos da prefeitura serão honrados e que espera por uma retomada da economia nacional para que a arrecadação de impostos, assim como os repasses federais e estaduais, cresçam.

Plano Municipal de Educação

Júlio César Guimarães/Uol
Novo prefeito terá que formar maioria na Câmara dos Vereadores para aprovar PME
Assim que chegar ao Palácio da Cidade, Crivella terá que formar uma maioria na Câmara de Vereadores para aprovar o PME (Plano Municipal de Educação), cumprindo assim as metas do PNE (Plano Nacional de Educação). Previsto na Lei nº 13.005/14, o plano deveria ter sido finalizado em junho.

A Prefeitura do Rio enviou o projeto para a Câmara em fevereiro, mas ele ainda não foi votado. Caberá ao PME definir como o município atingirá as metas estabelecidas na lei federal, como a universalização do ensino em tempo integral e colocar no mínimo 50% das crianças de até três anos em creches até 2024.

De acordo com o Ministério da Educação, no Estado do Rio apenas a capital fluminense e Volta Redonda ainda não têm o plano municipal sancionado. Apesar da obrigação para aprovação do plano municipal, não há punição prevista na lei do PNE para quem não cumprir as metas.

Crivella diz que fará os investimentos por meio de PPP. Este modelo de gestão já foi adotado pela prefeitura de Belo Horizonte na construção de Umeis (Unidades Municipais de Educação Infantil).

Procurada pelo UOL, a Secretaria Municipal de Educação justificou o atraso na aprovação do PME com a necessidade de realizar "mesas de discussão com os setores da sociedade civil, sindicatos, além do corpo técnico das redes de ensino particular e pública, passando pelos trâmites de envio e aprovação na Câmara".

Regulamentação do Uber

José Lucena/Futura Press/Estadão Conteúdo
Os motoristas de táxi reclamam que o Uber é ilegal
Em uma cidade com cerca de 33 mil motoristas, segundo o Sindicato dos Taxistas Autônomos do Município do Rio de Janeiro, a liberação (ou não) do aplicativo Uber torna-se um dos pontos mais polêmicos a serem enfrentados pelo novo prefeito.

Corre desde 2015 na Câmara de Vereadores um Projeto de Lei para proibir o aplicativo na cidade. Aprovado em sua primeira votação, o projeto tinha a simpatia de Paes, que disse que o sancionaria assim que chegasse à prefeitura. Por hora, o Uber funciona amparado por uma liminar concedida em abril pelo Tribunal de Justiça – sem regulação, o serviço pode ser visto e multado tanto pelo Estado quanto pela prefeitura como uma espécie de táxi pirata.

De acordo com a decisão, os motoristas credenciados no aplicativo têm o direito de exercer a atividade de transporte remunerado individual de passageiros até que haja regulamentação pelo Poder Público.

"A questão do transporte é um dos pontos mais urgentes a serem resolvidos no Rio. Essa disputa em torno do Uber entra nesse contexto", afirma Santoro.

Em seu plano de governo, Crivella promete regulamentar o aplicativo e "garantir que o ISS recolhido pelo Uber sobre as viagens originadas na cidade deixe de ir para São Paulo e seja utilizado exclusivamente para financiar um programa de subsídios voltados para a modernização e manutenção da frota de táxi da cidade". As medidas, diz o texto, serão implantadas em 2018.

Obras inacabadas

Gabriel de Paiva/ Agência O Globo
As obras do corredor BRT Transbrasil estão paralisadas desde a Olimpíada
De acordo com Zacchi, ainda não é possível saber a quantidade exata de obras e projetos inacabadas deixados pela atual administração. "Temos uma parcela aí de obras e investimentos em abertos, de passivos que terão que ser aferidos. Qual o passivo deixados pelos jogos? Quais obras exatamente estão inacabadas, qual a manutenção, destinação? Temos muitas hipóteses. O próximo prefeito terá que fazer essa fotografia e lidar com isso", afirma.

As adaptações para o uso completo do Parque Olímpico da Barra da Tijuca devem levar mais de dois anos para ficarem prontas, segundo estimativas da "Folha de S.Paulo". A manutenção das arenas consumirá, segundo a estimativa, R$ 39 milhões por ano quando tudo estiver pronto. Já os dois complexos esportivos (Barra e Deodoro) devem gerar uma despesa de R$ 85 milhões por ano quando estiverem em pleno funcionamento.

Por enquanto, só foram finalizados 6,5 dos 28 quilômetros previstos do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) que circula pelo centro e pela zona portuária. De acordo com o consórcio VLT Carioca, as obras estão dentro do cronograma e devem ser concluídas em 2017.

As obras do corredor BRT Transbrasil, que ligará Deodoro, na zona oeste, ao centro pela avenida Brasil e que, segundo Paes, seriam finalizadas ainda em 2016, também ficaram inacabadas. Interrompida antes da Olimpíada para que não causasse transtornos ao trânsito, a previsão era de que a construção fosse retomada em setembro, o que ainda não aconteceu.

O Consórcio TransBrasil informou que está "em tratativas com a Prefeitura do Rio" para a retomada das obras. A Prefeitura do Rio de Janeiro diz que o grupo de empresas contratado para executar o projeto já foi notificado para que volte ao trabalho o quanto antes.

Crivella não menciona o VLT em seu plano de governo, mas afirma que vai concluir e colocar em operação o corredor BRT TransBrasil até o fim de 2017. Ele também adianta que vai elaborar um estudo para levar o BRT Transcarioca para o centro da Ilha do Governador até o fim de 2020.

Hospitais municipalizados

Fabiano Rocha / Extra / Agência O Globo
Os hospitais Albert Schweitzer, em Realengo, e Rocha Faria, em Campo Grande, foram municipalizados no começo de 2016
Em função da crise no Estado, no começo do ano a prefeitura assumiu a gestão dos hospitais Albert Schweitzer, em Realengo, e Rocha Faria, em Campo Grande, ambos na zona oeste. A decisão representa um custo anual estimado de R$ 500 milhões para o município, de acordo com dados do governo estadual.

Com um Orçamento menor, o novo prefeito terá de decidir se mantém ou não esses hospitais sobre o controle do município. Para o professor da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e especialista em administração pública Rafael Santos, há poucas chances de Crivella voltar atrás na municipalização. "Como a prefeitura acabou de assumir os hospitais, acaba sendo um desgaste político grande", afirma.

Santos lembra que a crise do Estado em conjunto com o momento vivido pelo país aumenta a pressão sobre toda a rede municipal. "Além da crise no Estado há uma crise nacional que faz com que as pessoas deixem de ter plano de saúde e dependam mais do SUS (Sistema Único de Saúde). Os hospitais que não foram municipalizados e as UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) estão funcionando em mau estado, o que gera pressão sobre a prefeitura", afirma.

Apesar de não citar os hospitais municipalizados em seu programa de governo, Crivella afirma que pretende assumir até o final de 2018 a gestão de todas as UPAs estaduais localizadas no município e que, segundo ele, "hoje se encontram abandonadas".

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, nos primeiros seis meses a municipalização dos dois hospitais teve um custo de R$ 210 milhões, menor que o previsto levando em conta os gastos do Estado com as unidades nos últimos anos, e está dentro do Orçamento do município.

*Colaborou Vinicius Konchinski

Como Crivella superou acusações e se elegeu no 2º turno no Rio

Veja também

UOL Cursos Online

Todos os cursos