'O que é direita, o que é esquerda? O mundo enjoou de rótulos', diz Greca

Rafael Moro Martins

Colaboração para o UOL, em Curitiba

  • Joka Madruga/Futura Press/Estadão Conteúdo

    O ex-ministro Rafael Greca (PMN), candidato à Prefeitura de Curitiba

    O ex-ministro Rafael Greca (PMN), candidato à Prefeitura de Curitiba

Ex-eleitor de Lula e Dilma Rousseff e amigo "de muitos anos" de João Doria (PSDB), prefeito eleito de São Paulo, a quem diz ter conhecido "nas grandes casas paulistanas", Rafael Greca de Macedo (PMN), 60, que disputa o segundo turno da eleição para prefeito de Curitiba com o deputado estadual Ney Leprevost (PSD), se define como um social-democrata cristão.

Reconhecido até pelos adversários como orador brilhante e dono de uma autoconfiança que não raro o leva a se exceder nas palavras --a gafe sobre o "cheiro de pobre", durante a campanha do primeiro turno, repercutiu em todo o país--, Greca não fugiu ao estilo durante entrevista ao UOL. "Não tenho medo [das dificuldades de ser prefeito]. Deus me poupou o sentimento do medo."

Foi pródigo na distribuição de caneladas. Ao prefeito e candidato derrotado à reeleição no primeiro turno, Gustavo Fruet (PDT), que o acusou de se apropriar de obras de arte desaparecidas do acervo municipal, se referiu preferencialmente como o "deputado que está saindo da prefeitura".

Também cutucou Leprevost, o adversário, considerado um político conservador. "[Ele] tem entre seus apoiadores o PCdoB, a Rede, o PV e o PPL. Acho estranho ser conservador com esses apoios", provocou. Depois, tentou igualá-lo a Fruet. "Curitiba não pode de novo eleger um deputado que vai ser um aprendiz de prefeito."

Apesar de ter investido R$ 600 mil do próprio bolso na campanha de primeiro turno, disse não se ver como homem rico. "Sou de família boa, bem abonada, muito bem casado, sempre tive bom patrimônio familiar. Mas nunca busquei bens materiais."

Greca recebeu a reportagem em seu escritório no centro de Curitiba. Ali funciona o Instituto Farol do Saber, nome que o político retirou de um dos projetos que marcou sua gestão como prefeito, entre 1993 e 96. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

UOL - A sua campanha usa o mote "Volta, Curitiba". Mas o senhor foi prefeito entre 1993 e 1996. Naquela época, ainda não havia a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), era possível fazer antecipações de receita orçamentária. Hoje, é possível voltar a esse cenário?

Rafael Greca - Nada disso me assusta. Eu quero lembrar que, como deputado federal, votei pela aprovação da LRF. A prefeitura tem hoje um orçamento muito maior do que no meu tempo, eram perto de R$ 2 bilhões, hoje são R$ 9 bilhões. Temos a capacidade de endividamento da cidade para empréstimos internacionais preservada e a atual gestão devolveu quase R$ 6 bilhões em recursos assegurados pelo tesouro estadual e federal. Acho que podemos fazer bem feito, com agilidade e criatividade, inclusive usando a premissa da crise, que é uma condição de sermos ágeis e criativos. Não tenho medo. Deus me poupou o sentimento do medo. Se eu não tiver êxito em entregar a cidade melhor, mais bonita e mais justa do que a recebi, eu não concorro à reeleição. É simples assim. Mas jamais vou conhecer uma impossibilidade, sempre vou transformá-la numa coisa nova a ser tentada.

Reprodução
À dir., Rafael Greca (PMN), candidato à Prefeitura de Curitiba, com um apoiador e ao lado de um lavatório do século 19 em sua chácara
A prefeitura o acusa de se apropriar de obras que pertencem ao acervo municipal. Na sindicância aberta para tratar do caso, o seu advogado diz que o senhor irá prestar esclarecimentos apenas após as eleições. Por que não abrir sua chácara para a avaliação das obras que se assemelham às que a prefeitura diz terem sumido?

[interrompendo a pergunta] Pelas razões que o Tribunal de Justiça considerou na sentença em que suspendeu a sindicância. Abuso de poder político e insuficiência de provas. As coisas que tenho na minha casa são coisas produzidas em série comuns às casas de Curitiba daquele tempo. A fonte que a "Folha de S. Paulo" mostrou [na reportagem], no mesmo dia havia duas à venda no portal… [Mercado Livre, diz um assessor] por R$ 2.000. Igualzinha.

Não acha que a recusa apenas aprofunda a suspeita contra o senhor?

Veja, a visão de abrir minha casa é invasão de privacidade. A casa não é só minha, é da minha família. É uma vergonha. E, se minha casa fosse aberta para uma investigação, ficaria sujeita a qualquer sicário do poder ir lá e apontar qualquer coisa do acervo da minha família e dizer que aquilo pertencia à Fundação Cultural.

Como, no calor da eleição, eu iria provar que focinho de porco não é tomada?

O que o senhor diria às pessoas que o acusam de apropriação indevida?

Olhem o patrimônio cultural que eu entreguei para Curitiba. Os curitibanos me conhecem e compreendem a dimensão da minha obra. Essa acusação foi uma perfídia, e o [prefeito] Gustavo Fruet pagou por ela com a derrota [ele ficou em terceiro lugar e não passou ao segundo turno].

O senhor doou R$ 600 mil à sua campanha neste ano. É mais do que o patrimônio que o senhor declarou ao TSE. A doação não é ilegal nem tampouco há problemas com o patrimônio que o senhor declarou ao TSE. Mas a disparidade não dá a impressão de que o senhor tem mais patrimônio do que o informado?

Isso [a reportagem] foi um sofisma. Minha declaração [de patrimônio] se referia ao ano anterior. A venda do terreno [que ele diz ter gerado o dinheiro aplicado na campanha] foi neste ano. Toda pessoa que faz uma declaração de Imposto de Renda sabe perfeitamente que imóveis e bens são declarados com o momento em que são legados ou adquiridos. A correção só se dá no momento da venda e se paga imposto a maior. Eu paguei todos e não devo nada. Esse sofisma aproveitava-se da possível ignorância de parcela da população que, não acostumada com a técnica fiscal e tributária, poderia fazer confusão. Os R$ 500 mil são a minha renda [se refere ao patrimônio] em 2015. Os R$ 500 mil mais os R$ 600 mil serão a minha renda em 2016. E você não faça da sua profissão de repórter uma ocasião de querer induzir o povo a erro. Informe corretamente.

O senhor se considera um homem rico?

Nem um pouco. Sou rico da graça de Deus. Sou de família boa, bem abonada, sou muito bem casado, sempre tive bom patrimônio familiar, mas nunca busquei bens materiais. Quem me conhece sabe que prezo mais ter as coisas que são de essência, de dádiva, que de entranhas, de posse. Se quisesse ficar rico, tinha ficado empreiteiro, na firma do meu avô, contando caminhões de pedra e acumulando dinheiro. 

No início da campanha eleitoral, o senhor visitou o ex-prefeito e ex-governador Jaime Lerner, que o lançou na política. Ele não apoia o senhor…

[Interrompendo a pergunta] Ele te disse isso?

Sim, ele disse por escrito que não participa desta eleição.

Ah, sim. Mas visitei Jaime por respeito e para me aconselhar sobre os rumos que eu deveria dar ao transporte coletivo da cidade. Descobri que ele vê com entusiasmo o VLT [veículo leve sobre trilhos] ou o VLP [veículo leve sobre pneus; ambos são modais de transporte propostos para implantação em Curitiba]. Vou julgar isso. E nisso me distingo do meu adversário, na capacidade de fazer acontecer. E me distingo também do deputado que está saindo da prefeitura.

Curitiba não pode de novo eleger um deputado que vai ser um aprendiz de prefeito.

Para concluir a pergunta: oficialmente, Lerner não apoia o senhor. O ex-governador Roberto Requião, de quem o senhor foi aliado nos últimos anos, também não apoia o senhor. Gostaria de tê-los ao seu lado?

Não. É indiferente. Jaime nem vota em Curitiba, transferiu o título de eleitor para o Rio. Gosto de ter a amizade de Jaime Lerner. Fui visitá-lo em consideração…

O senhor tem a amizade dele?

Eu tenho amizade por ele. Você pergunte a ele se ele tem amizade por mim. É o seu papel.

Keiny Andrade - 3.jun.2015/Folhapress
O governador do Paraná, Beto Richa (PSDB)
O ex-governador Jaime Lerner o preteriu pelo atual governador Beto Richa, que agora é seu aliado formal. Mas ele ainda não apareceu na campanha. Por quê?

Porque ele veio me apoiar, mas quem me apoia é o PSDB, e o rosto do PSDB, na minha campanha, é o Eduardo Pimentel, meu vice. É uma campanha municipal. Se você está com saudades do Beto Richa, vá entrevistá-lo. Não acredito que ele vá se negar a lhe dar uma entrevista.

O senhor mudou muitas vezes de partido. Esteve no PDS, da ditadura militar, no PDT, de Leonel Brizola, no DEM, de ACM, no PMDB, de Requião. Por que tantas mudanças?

No PDS, fui lançado por Jaime Lerner e apoiei a candidatura do engenheiro Saul Raiz e do senador Ney Braga. Fiquei muito pouco tempo no partido, porque fui eleito vereador, a convite de Darcy Ribeiro, notável intelectual brasileiro, meu amigo pessoal. A pedido de Darcy, em 1983, fundei a bancada do PDT na Câmara Municipal de Curitiba. Fiquei no PDT até acompanhar o então governador Jaime Lerner, em 1997, que, por razão de querer apoiar o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), foi ao PFL. Na convenção do PFL de 2002, fui preterido. Em 2003, entrei no PMDB. Fiquei no PMDB até 2014. Não acho que tenha mudado mais de partido do que o Alvaro Dias [senador, ex-PP, PMDB e PSDB, atualmente no PV], o Gustavo Fruet [ex-PMDB e PSDB, atualmente no PDT] ou qualquer outra das criaturas que têm carreiras políticas.

Mas deles se pode cobrar alguma incoerência nesses movimentos. E do senhor?

Essa questão de coerência ou incoerência… Sou muito Ortega y Gasset nesse ponto: a política é o homem e suas circunstâncias [a frase do filósofo espanhol é "Eu sou eu e minha circunstância"].

O senhor é conservador? Como se define, ideologicamente?

Não. Sou um social-democrata cristão. Minha linha é a humanista. Essa questão de esquerda ou direita foi superada pela queda do Muro de Berlim. Não tenho essas suas certezas. O que é direita, o que é esquerda? O que é importante é fazer o bem às pessoas, governar para o bem das pessoas, servir as pessoas por uma boa prática de poder. O mundo enjoou de rótulos. A prova disso é a derrota dos rotulados na última eleição, a eleição do meu amigo João Doria em São Paulo.

O senhor buscou o voto antipetista, no primeiro turno. Falou em comissariado do PT na prefeitura de Fruet. Mas, em 2010, quando foi candidato pelo PMDB, marchou na mesma coligação de candidatos petistas e recebeu inclusive uma doação da então candidata ao Senado Gleisi Hoffmann.

[Interrompendo] De quanto foi, mesmo?

De R$ 3.050. Mas existiu.

Veja, deve ter sido para o comitê majoritário, e devem ter diluído entre os diversos candidatos a deputado. Eu não tinha notícia disso.

Citando Ortega y Gasset, há pouco, o senhor disse que a política é o homem e suas circunstâncias. Naquela circunstância, o apoio e uma doação do PT eram bem-vindos. A crítica, agora, de que seu adversário tem apoio de partidos de esquerda não é de ocasião?

Não é de ocasião. Na primeira eleição da presidente Dilma [Rousseff, em 2010], eu votei nela. E votei também uma vez no presidente Lula, quando doutor Leonel Brizola pediu, quando eu era do PDT, na primeira eleição presidencial após a redemocratização, em 1989. No primeiro turno, votei no Brizola, depois no Lula. Mas, hoje, não votaria mais. Com a evolução das coisas, fomos vendo, eu e todo o Brasil, que eles perderam a oportunidade de servir ao país com correção e lisura. A política é um desenrolar de fatos. A grande maioria do povo brasileiro, que já fez a eleição pender para um lado ou para outro, tem que ser informada para poder definir os rumos. Hoje, é correto que o país busque um novo horizonte. O processo de esclarecimento político é um processo permanente de informação. Vejo que a Prefeitura de Curitiba foi corroída, na última gestão, pelos interesses partidários alheios à história da cidade.

Não há como não falar sobre a polêmica declaração que o senhor deu, na PUC-PR, sobre o "cheiro de pobre"...

[Interrompendo] Não foi bem assim, né? A declaração foi um relato da minha primeira experiência no serviço social. O importante é que naquela noite aquele desvalido foi retirado da rua úmida, colocado no meu carro, transportado até porto seguro no albergue São João Batista, foi limpo, agasalhado, com roupas secas, alimentado e pôde dormir bem. Naquela noite, houve um resgate social, com todo o fiasco de eu ter passado mal. Não me arrependo de ter feito isso, porque quem reclamou foram os hipócritas, os que jamais olharam os desvalidos. O povo humilde dos bairros votou maciçamente em mim; fiz 40% dos votos em todos os bairros de Curitiba, e fiz mais de 50% dos votos nas periferias mais humildes. A população me desculpou. Um vendedor de amendoim, na praça da Vila Nossa Senhora da Luz, disse: "Eles estão dizendo que você não gosta de pobre, mas nós não acredita (sic), pois o bem que você já nos fez é incomensurável". Na cabeça do povo, não vão conseguir colocar isso.

(Na divisão por zonas eleitorais, Greca fez sua melhor performance no Pinheirinho e Sítio Cercado, ambos bairros de classe média baixa e baixa da zona sul da cidade.)

À "Gazeta do Povo", o senhor disse: "Quero pensar em ônibus solares, ou movidos a biogás, ou híbridos. Mas comigo não vai ser um só. Se fizer, faço um grande plano e boto o troço para funcionar". Mas as empresas de ônibus dizem que a tarifa atual não é suficiente para renovar a frota, e a Justiça deu razão a elas. O Setransp diz que a tarifa que as empresas recebem atualmente, R$ 3,66, é insuficiente para cobrir os custos do sistema e, portanto, para realizar um investimento como a compra de novos ônibus. Como desatar esse nó? Como fazer as empresas comprarem ônibus novos e mais caros, como os que o senhor propõe, sem aumentar a tarifa acima da inflação?

Tudo pode ser feito com financiamentos internacionais, com parcimônia, um pouco de cada vez. Vamos estudar isso. As empresas estão no seu papel de querer preservar a margem de lucro. E o prefeito tem que estar no papel de buscar uma tarifa justa, sustentável e metropolitana e de tentar através de parcerias público-privadas e linhas internacionais de financiamento um novo horizonte para o sistema. Pode ser que, criando novos eixos de transporte, eu possa dispensar essas empresas de ônibus de prestar o novo serviço. Não preciso necessariamente depender só das atuais empresas nem só do atual contrato.

Curitiba deve ter metrô?

Nunca enterrado, porque nós vivemos na turfa, um tipo de solo orgânico oriundo do berço do rio Iguaçu extremamente úmido e de muito difícil escavação. Na atual condição de restrição econômica do governo federal, é mais conveniente e prudente tentarmos soluções de superfície ou no máximo aéreas.

O senhor tem projetos para isso? Ou é apenas uma intenção?

Vou observar todas as manifestações de interesse que estão postas na atual consulta [sobre projetos de eletromobilidade, mas que não inclui o metrô] que faz o prefeito que está saindo e, com a rapidez e a agilidade que Curitiba precisa, vou implementá-las, claro que dando o traço da criatividade da minha equipe.

Pode-se dizer, então, que, com o senhor prefeito, o atual projeto de metrô não vai sair?

O metrô no eixo Norte-Sul, enterrado? Veja, se o dinheiro federal vier, talvez a gente não largue. Depende da oportunidade, o Ippuc [Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba] vai avaliar. O que não pode é perder dinheiro, fazer papel do sujeito a quem deram para cuidar duas tartarugas e ele perdeu as duas.

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