Vices de Crivella e Freixo rejeitam função decorativa; saiba quem são eles

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

Os candidatos a prefeito do Rio de Janeiro que disputam o segundo turno têm pensamentos opostos sobre vários temas que estão pautando o debate eleitoral. Mas eles possuem algo em comum quando o assunto é a escolha do vice.

Fernando Mac Dowell (PR), vice de Marcelo Crivella (PRB), e Luciana Boiteux (PSOL), colega de chapa de Marcelo Freixo (PSOL), são quadros técnicos, fisgados fora do universo político tradicional. Ambos são professores universitários com extensa carreira acadêmica e pretendem participar ativamente da gestão, caso eleitos.

Em um momento da política brasileira no qual vices têm mais protagonismo, como nos casos do presidente Michel Temer (PMDB) --que assumiu o cargo em definitivo após o impeachment de Dilma Rousseff (PT)-- e do governador em exercício do RJ, Francisco Dornelles (PP), que ocupa o cargo devido a licença por motivos de saúde de Luiz Fernando Pezão (PMDB), a ideia de Mac Dowell e Luciana é justamente superar a imagem do vice "decorativo".

Júlio César Guimarães/UOL
Mac Dowell, vice de Crivella, planeja recalcular tarifa e revisar contratos com empresas de ônibus

"Ser vice somente para ficar olhando para o teto? Eu não seria esse cara. Sei que tenho grandes desafios e vou ter que resolvê-los. Agora, eu que vou receber as críticas. Quero assumir para valer", disse Mac Dowell, 71, doutor em Engenharia do Transporte pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

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Luciana, vice de Freixo, tem plano para ampliar participação feminina na gestão municipal

"Não me identifico com o papel do vice decorativo ou que está ali somente para substituir o titular em viagens. Ao me colocar como mulher e feminista, assumo a posição de coprefeita. A ideia é compartilhar a gestão", explicou Luciana, 43, advogada, doutora em Direito Penal e professora da UFRJ.

Chefe de Crivella na Emop

Filiado ao PR em agosto desse ano, o vice de Crivella tem nesta eleição a sua primeira experiência partidária. Apesar de estreante, Mac Dowell acumula experiências na gestão pública desde a década de 70.

Durante o regime militar, trabalhou no Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes, onde respondia diretamente ao então presidente Ernesto Geisel (1974-1979). Depois, chefiou a implementação do metrô fluminense, nos anos 1980, do qual foi presidente e entusiasta.

 

Também foi diretor do DER (Departamento de Estradas de Rodagem) e colaborou com a gestão do ex-governador peemedebista Moreira Franco (1987-1991), quando desenvolveu projetos de transporte em parceria com o Executivo. "Eu colaborei com todos eles, mas sempre preferi ficar fora da política. Meu foco era a academia", declarou.

Ainda na década de 80, no entanto, ele foi convidado por Moreira Franco para que assumisse a presidência da Emop, empresa pública responsável pelas obras no Estado. Lá, teve o primeiro contato com Crivella, então diretor de planejamento do órgão.

Mac Dowell destacou a construção da Vila Olímpica da Mangueira como o maior trabalho que eles fizeram em parceria. "Crivella era um engenheiro dedicado e muito responsável. Fizemos uma boa dobradinha", observou.

Divulgação/Mangueira
Crianças jogam futebol na quadra da Vila Olímpica da Mangueira, na zona norte do Rio

O trabalho à frente da Emop deu a Mac Dowell prestígio com Moreira Franco. O engenheiro conta que chegou a ser cogitado como candidato ao governo do Estado pelo PMDB. "Eu era apoiado por mais de 25 prefeitos do norte fluminense", contou ele.

Tudo mudou quando Mac Dowell começou a fazer duras críticas na imprensa às obras de reestruturação do Elevado do Joá, que liga a zona sul à Barra da Tijuca (zona oeste).

Na ocasião, o atual vice de Crivella defendia que, se nada fosse feito, o viaduto poderia desmoronar. Acabou sendo exonerado do cargo, mas posteriormente foi chamado para trabalhar na reforma do Joá. "Estava na iminência de descer tudo [desabar]. Eu cheguei a ver vigas caindo", comentou.

Trabalhou ainda em projetos de transporte na gestão do ex-governador Leonel Brizola (1991-1994) e atuou como consultor técnico para deputados federais e estaduais. Paralelamente, não deixou de dar aulas nos cursos de engenharia da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e no IME (Instituto Militar de Engenharia). 

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Mac Dowell diz ter sido convidado pela deputada federal Clarissa Garotinho (PR) para se filiar ao partido e concorrer ao cargo de vice-prefeito

Quanto à função no governo, Mac Dowell afirma já ter acertado com Crivella a nomeação para a Secretaria Municipal de Transportes. Uma de suas prioridades será a revisão dos cálculos tarifários e, consequentemente, a redução no valor das passagens do transporte público municipal (BRT, ônibus e VLT). 

A ideia é diminuir o preço em até 20% somente com "reengenharia financeira". Além disso, ele pode realizar auditorias nos acordos já firmados, principalmente com as empresas de ônibus. Tudo vai depender da transparência no fornecimento de informações. "Espero não chegar a isso", resumiu.

A escolha do vice e a aliança partidária entre os grupos de Crivella e do ex-governador Anthony Garotinho (PR) são elementos que, desde o primeiro turno, geram críticas e acusações por parte dos adversários. Crivella nega as especulações, e o próprio Garotinho, em entrevista ao UOL, afirmou não ter interesse na gestão municipal.

Mac Dowell sustenta que seu nome não foi indicado por Garotinho, embora o próprio site do PRB tenha publicado, logo após a convenção partidária, em agosto, um texto noticiando a indicação.

O engenheiro diz ter sido convidado pela filha do ex-governador, a deputada federal Clarissa Garotinho, com quem já havia trabalhado. Ele afirma que Garotinho tinha preferência por outros nomes e que a escolha de Crivella quase gerou uma "briga de família".

O vice de Crivella defendeu o ex-governador e disse considerá-lo uma pessoa "prejudicada", pois "fizeram uma campanha tão grande contra ele" que Garotinho acabou virando um "patinho feio".

"O Garotinho sempre foi um cara assim meio corajoso, falava uns negócios e tal... Foi radialista, colocava para quebrar. Isso também facilitou as coisas para ele. Depois, teve certos insucessos."

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Se Crivella for eleito, Mac Dowell deve ser nomeado para a Secretaria Municipal de Transporte

A "coprefeita" de Freixo

Luciana Boiteux, a candidata a vice-prefeita de Freixo, tem no currículo diversos trabalhos acadêmicos em áreas como política de drogas, sistema prisional e direitos das mulheres. Já atuou como professora e pesquisadora de universidades como UFRJ e Uerj, além de ter feito estágio em Paris e cursos de especialização na Itália e em Portugal, sempre no mesmo eixo temático. Fala quatro idiomas além do português (inglês, francês, espanhol e italiano).

Sua filiação partidária também é recente, mas ela diz atuar há muito tempo na área dos direitos humanos. Por esse motivo, afirmou, ela não se considera uma escolha exclusivamente "técnica". Além da militância junto a organizações sociais e movimentos de esquerda, Luciana já foi presidente do Sindicato dos Professores da UFRJ.

"A militância partidária é, de fato, nova para mim. Mas mesmo não sendo filiada a partidos anteriormente, tenho uma militância política importante no sentido dos movimentos sociais", explicou.

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Luciana afirma que seu papel na gestão municipal não será de "vice", e sim de "coprefeita"

Durante a carreira acadêmica, desenvolveu trabalhos de campo com visita a cracolândias e outros locais marcados pelo consumo coletivo de drogas, e essas experiências, segundo ela, lhe deram uma visão muito mais ampla do problema.

"O fato é o seguinte: o Estado falhou ao não disponibilizar e atuar junto àquelas pessoas para impedir que elas estivessem naquela condição degradante. Temos que buscar as causas e entender quais foram os mecanismos de assistência social, saúde, moradia, educação, enfim, o que falhou para que aquelas pessoas chegassem naquele estado."

Já visitei algumas [cracolândias] e observei que há muita humanidade lá
Luciana Boiteux

Seu principal trabalho acadêmico é a tese de doutorado apresentada na USP (Universidade de São Paulo), em 2006, com o título "Controle penal sobre as drogas ilícitas: o impacto do proibicionismo no sistema penal e na sociedade".

No estudo, Luciana defende que não há uma relação direta entre penas mais altas e repressão com a redução do consumo de entorpecentes.

"Não há, pelas estatísticas internacionais, como afirmar que ter uma política de criminalização ou penas mais altas por uso de drogas provoque uma redução do consumo", conclui. Esta não é, no entanto, uma atribuição do Executivo municipal. As decisões sobre o tema cabem ao Congresso Nacional.

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Luciana conheceu Freixo pelo trabalho dele à frente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj

Foi na atividade da defesa dos direitos humanos que Luciana conheceu o deputado estadual Marcelo Freixo, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio).

Juntos, participaram de várias audiências públicas e eventos temáticos. Havia muita identificação entre eles, e como o PSOL desejava escolher uma mulher para a função de vice, seu nome acabou por ser indicado.

"Não entendo que a escolha tenha que ser apenas pelo fato de ser uma mulher, e sim pela trajetória, pela identidade, visão de mundo", comentou. "O meu papel como coprefeita é compartilhar as responsabilidades, a gestão e trazer também essa participação da mulher."

Para a representante do PSOL, caso Freixo seja eleito, a mudança mais imediata em relação aos direitos das mulheres será a determinação de paridade entre gêneros no quadro político da administração municipal. Para ela, considerar alguém como "decorativo" faz parte de uma "visão patriarcal e antiquada de sociedade".

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Doutora pela USP, Luciana defende que repressão e aumento de penas não resolvem problema do consumo de drogas

Luciana diz considerar natural o acúmulo de cargos, mas observa que ainda não sabe exatamente qual secretaria ela poderia assumir em uma eventual gestão do PSOL à frente da administração municipal. De acordo com a candidata a vice, há grandes desafios também nas áreas de saúde e saneamento.

Ela defende a adoção de estratégias e políticas públicas para melhorar o atendimento a gestantes e reduzir o trâmite burocrático do serviço de "aborto legal", isto é, dos casos previstos em lei.

"A questão da maternidade é importante e temos que pensar o que pode ser trabalhado de imediato. Já em relação a creches, teria que demorar mais tempo. É difícil resolver [o déficit de] 40 mil vagas no primeiro momento de governo."

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