Só 6 candidatos em SP e Rio assumem compromisso contra trabalho escravo

Do UOL, em São Paulo*

  • Divulgação - 14.out.2014

    Ação em 2014 resgata 156 trabalhadores em situação de escravidão no Piauí

    Ação em 2014 resgata 156 trabalhadores em situação de escravidão no Piauí

Apenas seis dos 22 candidatos a prefeito em São Paulo e Rio de Janeiro assinaram a carta compromisso contra o trabalho escravo elaborada pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).

O documento foi enviado a todas as candidaturas às prefeituras das duas capitais pela ONG Repórter Brasil, integrante da Conatrae. O órgão é vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e conta com membros do governo e da sociedade civil.

Entre os 11 candidatos a prefeito em São Paulo, os signatários foram Fernando Haddad (PT), João Doria (PSDB), Luiza Erundina (PSOL) e Major Olimpio (Solidariedade). No Rio, onde também há 11 postulantes ao cargo, Carmen Migueles (Novo) e Marcelo Freixo (PSOL) firmaram o documento.

A carta propõe dez compromissos para a execução de políticas de governo contra o trabalho escravo. Entre eles estão evitar a promoção de empreendimentos e empresas que tenham utilizado mão de obra escrava ou infantil; buscar a aprovação de leis municipais que condicionem a assinatura de contratos de empresas com o governo a companhias que declarem não ter utilizado trabalho análogo ao de escravo (leia a íntegra da carta ao final do texto)

"É ruim que candidatos a cargos desta importância não queiram se comprometer. Isso não quer dizer que, uma vez se comprometendo, vão cumprir, e também não quer dizer que quem não assinou não vai tomar medidas", diz Adilson Santana de Carvalho, coordenador-geral substituto da Conatrae. "Para a gente seria muito importante que houvesse um compromisso. É como se passasse a fazer parte do programa de governo." 

Carta de Doria é alterada em trecho sobre renúncia 

Além dos dez compromissos, a carta da Conatrae contém um parágrafo com o seguinte texto: "Por fim, asseguro que renunciarei ao meu mandato se for encontrado trabalho escravo sob minha responsabilidade ou se ficar comprovado que alguma vez já utilizei desse expediente no trato com meus empregados."

No entanto, na carta assinada por Doria e devolvida à organização, este trecho foi alterado - foi retirada a parte sobre a renúncia e reescrito da seguinte forma: "Por fim, asseguro que serão tomadas todas providências legais se for encontrado trabalho escravo sob minha responsabilidade ou se ficar comprovado que alguma vez já utilizei desse expediente no trato com meus empregados."

Reprodução
Trecho alterado da carta contra o trabalho escravo assinada por Doria

Segundo Carvalho, não é comum que candidatos mandem versões alteradas da carta compromisso. O coordenador da Conatrae conta que há casos em que o político prefere não assinar o documento, mas elabora uma proposta alternativa sobre o tema do combate ao trabalho escravo. 

"A carta é de adesão livre e espontânea. Eu acho bom que ele [Doria] esteja sendo sincero, dizendo que se compromete com uma parte e com isso [sobre a renúncia] não", pondera. 

A justificativa do advogado de João Doria, Anderson Pomini, é de que o texto apresentava redação "ruim e ilegal". "O texto proposto se apresentava inadequado, legal especialmente ao responsabilizar o novo prefeito eleito por eventuais falhas da administração anterior causadora de eventual trabalho escravo", afirmou.

Ao lado do presidente do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, Ivan de Lima, em um evento na manhã deste sábado (1º) no Museu Afro Brasil, o candidato tucano alegou desconhecer o documento. "Não tem nenhuma procedência, não merece nem comentário", disse.

Polícia resgata vítimas de trabalho escravo em SP

Em 20 anos, quase 50 mil libertados no Brasil

Segundo dados do Ministério do Trabalho reunidos pela ONG Repórter Brasil, quase 50 mil pessoas foram libertadas do trabalho escravo no país entre 1995 e 2015. Só no ano passado, foram mais de mil.

De acordo com a edição deste ano do Índice de Escravidão Global. elaborado pela fundação Walk Free, estima-se que 161,1 mil pessoas no Brasil são vítimas do trabalho escravo. Em 2014, eram 155,3 mil. Segundo o relatório, a incidência desse crime é maior nas áreas rurais no país, principalmente em regiões de cerrado e na Amazônia.

No entanto, mesmo em grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio, são descobertos casos de trabalho escravo. Em maio passado, uma inspeção de fiscais do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho encontrou trabalhadores em situação análoga à escravidão em uma oficina no bairro de Aricanduva, na zona leste paulistana. Outra ação dos dois órgãos descobriu operários na mesma situação durante obras para os Jogos Olímpicos do Rio, em agosto de 2015.

Em junho de 2014, a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) do Trabalho Escravo, que prevê a expropriação de propriedades onde há trabalho escravo, foi aprovada no Congresso. Entretanto, como até agora a medida não foi regulamentada em lei, ela continua sem ser aplicada

Trabalho escravo é encontrado em obra das Olimpíadas

Leia a íntegra da Carta Compromisso contra o Trabalho Escravo

"Caras cidadãs, caros cidadãos;

Eu, _______________________________________________, candidata(o) à prefeitura municipal de ___________________________________________, firmo aqui o compromisso de atuar pela erradicação do trabalho escravo contemporâneo. Tendo em vista as condições a que estão sujeitos milhares de brasileiros, tolhidos de sua liberdade de ir e vir, despidos de seus direitos e de sua dignidade, desde já assumo o compromisso público de que o combate ao trabalho escravo será uma das prioridades do meu mandato.

Considerando que: a) O Estado brasileiro reconheceu, em 1995, a existência de escravidão contemporânea diante das Nações Unidas; b) Após a criação, pelo governo federal, do sistema de combate ao trabalho escravo, mais de 50 mil trabalhadores foram resgatados da escravidão; c) Malgrado os esforços e avanços empreendidos por órgãos governamentais, entidades da sociedade civil, empresas e movimentos sociais, focos de trabalho escravo ainda permanecem no Brasil; d) Os fundamentos da dignidade da pessoa humana e da valorização social do trabalho estão previstos no artigo 1°, III e IV, no artigo 3º, I e III, no artigo 4º, II, no artigo 170, III e VIII e no artigo 186, III e IV, todos da Constituição Federal; e) O Código Penal, em seu artigo 149, prevê a punição a este crime desde 1940; f) Todas as formas contemporâneas de escravidão são graves violações aos direitos humanos, condenadas expressamente por instrumentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e as Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho, a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, das quais o Brasil é signatário.

Assumo, caso eleita(o), o compromisso público de:

1) Não permitir influências de qualquer tipo em minhas decisões, que me impeçam de aprovar leis ou implementar ações necessárias para erradicar o trabalho escravo;

2) Efetivar ações presentes no 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, nos Planos Estaduais e Municipais para a Erradicação do Trabalho Escravo (onde eles existirem), além de apoiar a implantação e/ou manutenção de comissões municipais para erradicação do trabalho escravo dentro da esfera de competência municipal. Desenvolver políticas municipais de erradicação ao trabalho escravo;

3) Apoiar a articulação política pela aprovação de leis que contribuirão para a erradicação desse crime;

4) Não promover empreendimentos e empresas, dentro ou fora do país, que tenham utilizado mão de obra escrava ou infantil. Por outro lado, apoiar as empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo a combater a incidência desse crime em setores produtivos;

5) Buscar proteção aos defensores dos direitos humanos e líderes sociais que atuam no combate à escravidão e na defesa dos direitos dos trabalhadores;

6) Apoiar a criação e implantação de estruturas de atendimento jurídico e social aos trabalhadores migrantes brasileiros e estrangeiros em território nacional;

7) Informar aos trabalhadores sobre seus direitos por intermédio de campanhas de informação, que incluam as entidades públicas competentes e buscar a inclusão da temática do trabalho escravo contemporâneo nos parâmetros curriculares da rede pública de ensino municipal;

8) Apoiar a implementação de uma política de atendimento aos trabalhadores resgatados com ações específicas voltadas à educação básica e profissionalizante e à reintegração social e econômica do trabalhador;

9) Buscar a aprovação ou a regulamentação de projetos de lei municipais que condicionem a formalização de contratos com órgãos e entidades da administração pública a empresas que declarem não ter utilizado trabalho análogo ao de escravo na produção de seus bens e serviços;

10) Apoiar o cadastro de empregadores flagrados com mão de obra escrava, conhecido como a "lista suja", instrumento mantido pelo governo federal. Na falta dele, apoiar a Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo, obtida via Lei de Acesso à Informação pela sociedade civil e um importante mecanismo de combate a esse crime.

Por fim, asseguro que renunciarei ao meu mandato se for encontrado trabalho escravo sob minha responsabilidade ou se ficar comprovado que alguma vez já utilizei desse expediente no trato com meus empregados. Além disto, garanto que será prontamente exonerada qualquer pessoa que ocupe cargo público de confiança sob minha responsabilidade que vier a se beneficiar desse tipo de mão de obra.

Sem mais, subscrevo-me."

*Com Estadão Conteúdo

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