PT pode ficar fora do 2º turno em São Paulo pela primeira vez em 24 anos

Bernardo Barbosa e Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

  • Eduardo Anizelli - 16.set.2016/Folhapress

    Haddad em campanha; PT nunca ficou fora do 2º turno em SP

    Haddad em campanha; PT nunca ficou fora do 2º turno em SP

Pela primeira vez desde 1992, o PT pode ficar, após a eleição deste domingo (2), fora do segundo turno na maior cidade do país. O prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, Fernando Haddad, tem avançado nas últimas pesquisas de intenção de voto, mas, segundo os números, ele dificilmente terá apoio suficiente para seguir adiante na disputa.

Fernando Schüler, professor e cientista político do Insper, diz não excluir a possibilidade de que Haddad consiga passar ao segundo turno, mas afirma que as pesquisas não deixam isso claro. Segundo ele, a candidatura sofre com uma "confluência de crises" que afetam o PT -- Lava Jato, impeachment, denúncias contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fim de um ciclo de poder -- e com uma gestão "politicamente frágil" na prefeitura.

"Desde o início a administração se posicionou mal, se comunicou mal. Foi permanentemente mal avaliada", diz Schüler, com a ressalva de que não estava classificando a gestão do petista como boa nem como ruim. "A prefeitura [de Haddad] nunca pegou do ponto de vista político".

O professor de filosofia política Aldo Fornazieri concorda. Segundo ele, há "um paradoxo" entre como a população avalia o governo de Haddad e as medidas de seu mandato.

"As políticas públicas são bem avaliadas e ele, como prefeito, não tem uma boa avaliação. A explicação deste paradoxo está no fato de que ele teve uma má comunicação", diz.

Por outro lado, o professor também menciona as dificuldades enfrentadas pelos adversários diretos de Haddad, Celso Russomanno (PRB) e Marta Suplicy (PMDB), que podem abrir espaço para o avanço do prefeito ao segundo turno.

"O Russomanno já tem essa trajetória de sair; a falta de substância da candidatura faz com que ele desidrate no final. A Marta não convenceu. Começou pedindo desculpas, mas não conseguiu explicar sua mudança política."

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Voto em mutação

A mudança nas intenções de voto vista nas últimas semanas também é um ingrediente importante na capital paulista, diz o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino.

"Nesta semana, inclusive neste domingo de eleição, pode haver surpresas, a exemplo da queda de Marta no início da semana", diz. "Historicamente, São Paulo apresenta um comportamento eleitoral muito claro, com o centro expandido votando em peso no PSDB, e as periferias no PT. São os bairros das zonas intermediárias que acabam pendendo para um ou outro lado, decidindo cada eleição."

Além de PT e PSDB, Schüler também cita a força da representação política de um "setor mais tradicionalista".

"Por muito tempo, esse grupo votou no Paulo Maluf, no Celso Pitta e, hoje, se identifica no Russomanno", opina o cientista político, que observa nesses três espectros a causa de sempre haver eleições polarizadas, uma avaliação com a qual Paulino concorda. "Isso torna as disputas sempre muito divididas, o que leva as decisões para o segundo turno."

Schüler diz ainda que o eleitor aprendeu a votar em dois turnos, com uma característica de "escolha estratégica". "Em vez da preferência, busca-se a eficiência [do candidato na disputa]. Ele acaba selecionando a opção menos imperfeita dentre as imperfeitas já que o candidato de preferência teria poucas chances", explica.

Os resultados em primeiro turno desde 1992:

  • 2012: José Serra (PSDB), 30,7%; Fernando Haddad (PT), 29%; Celso Russomanno (PRB), 21,6%

  • 2008: Gilberto Kassab (DEM), 33,6%; Marta Suplicy (PT), 32,8%; Geraldo Alckmin (PSDB): 22,5%

  • 2004: José Serra (PSDB), 43,5%; Marta Suplicy (PT), 35,8%; Paulo Maluf (PP), 11,9%

  • 2000: Marta Suplicy (PT), 38,1%; Paulo Maluf (PPB), 17,4%; Geraldo Alckmin (PSDB), 17,2%

  • 1996: Celso Pitta (PPB), 48,2%; Luiza Erundina (PT), 24,5%; José Serra (PSDB), 15,5%

  • 1992: Paulo Maluf (PDS), 49%; Eduardo Suplicy (PT), 31%; Aloysio Nunes Ferreira (PMDB), 12,9%

Sempre segundo turno

Seja com o PT ou sem ele, as pesquisas de intenção de voto apontam para um segundo turno aparentemente inevitável em São Paulo. Schüler e Paulino avaliam que a chance de não haver segundo turno na cidade é baixa.

Mesmo antes da Constituição de 1988, quando foi definida a necessidade de segundo turno caso nenhum candidato tivesse mais da metade dos votos válidos, os paulistanos nunca deram mais de 50% a um postulante ao comando da cidade.

Em 1985, Jânio Quadros (PTB) foi eleito prefeito com 1.572.454 votos (39%), apenas 141.154 a mais do que Fernando Henrique Cardoso (PMDB), com 36% dos votos válidos. Eduardo Suplicy (PT) ficou em terceiro, com 20% (827.563).

6.nov.1988 - Luiz Carlos Muraukas/Folhapress
Se regras de hoje valessem em 1988, Erundina teria de disputar um segundo turno

No pleito seguinte, Luiza Erundina (PT) venceu com um pouco mais de "tranquilidade". Ela teve o apoio de 1.534.592 eleitores (37% dos votos válidos), contra 1.257.495 (30%) de Paulo Maluf (PDS), uma diferença de 277.097 votos. O terceiro colocado, João Leiva (PMDB), ficou longe da disputa: 17% dos votos válidos (728.874 eleitores).

Maluf (em 1992, com 49% dos votos válidos) e Pitta (em 1996, com 48,2%) chegaram perto de vencer no primeiro turno. Nas quatro eleições seguintes, os paulistanos ficariam divididos entre, ao menos, três candidaturas. 

31.mai.1996 - Otavio Dias de Oliveira/Folhapress
Pitta (esq.) e Maluf foram os candidatos que ficaram mais perto da vitória em 1º turno

No Estado de SP é diferente

Se os paulistanos gostam de segundo turno, os paulistas, não. Em sete eleições para o cargo de governador com possibilidade de segundo turno, os paulistas decidiram "de cara" nas últimas três -- com vitórias dos tucanos José Serra, em 2006 (com 57,9% dos votos válidos), e Geraldo Alckmin, em 2010 (com 50,6%) e em 2014 (com 57,3%).

Para o diretor-geral do Datafolha, não existe, no Estado, "essa clivagem constatada na região metropolitana". "Os paulistas costumam votar majoritariamente no PSDB", diz Paulino. Schüler também vê o Estado de São Paulo como um "ponto fora da curva". "O PSDB conquistou em São Paulo uma hegemonia rara na política brasileira", comenta o cientista político.

Na avaliação do professor, esse cenário pode ter surgido porque o eleitor não "identifica outra alternativa" ou porque não quer "trocar o certo pelo duvidoso". "São Paulo também tem muito a imagem de ícones políticos, como Mário Covas, Franco Montoro [ex-governadores e nomes ligados ao PSDB]", comenta. "Na capital, não há a imagem de um grupo hegemônico."

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