"Não dá para evitar o caixa 2", diz titular da Procuradoria Eleitoral de SP

Thiago de Araújo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

Protagonista nos escândalos de corrupção da política brasileira nos últimos 20 anos, o caixa 2 também deve estar presente nas eleições municipais deste ano. A constatação é endossada tanto pelo titular da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, quanto por especialistas em marketing eleitoral e no combate à corrupção ouvidos pelo UOL.

Em entrevista ao UOL, Gonçalves classifica como "ilusório" acreditar que o fim do financiamento empresarial de campanhas --definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e por um veto na minirreforma eleitoral por parte da ex-presidente Dilma Rousseff-- permitiria o banimento por completo do caixa 2, como é o conhecido todo o recurso financeiro não contabilizado oficialmente pelas campanhas políticas.

Não dá para evitar o caixa 2. Seria ilusório achar que não teríamos caixa 2 nestas eleições, mas as dificuldades para quem queira utilizar esse artifício ilegal são maiores. Temos hoje instrumentos mais efetivos para combatê-lo

Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, procurador

Na terceira semana de análises, técnicos do TCU (Tribunal de Contas da União) já encontram indícios de irregularidades em 27,9% dos doadores.

Com experiência na Justiça Eleitoral, sendo um dos idealizadores do projeto que resultou na Lei da Ficha Limpa e no Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), o juiz Márlon Reis avalia que as mudanças na legislação estão surtindo efeito neste ano.

De acordo com ele, em todo o país, as campanhas estão "mais pobres". "Pode haver dinheiro ilícito, mas não vejo nada no sentido de se alterar o resultado das urnas."

"Os que integram a política tradicional estão incomodados. Sabemos de onde vinha esse dinheiro, as empresas doavam, sim, recursos públicos advindos de seus acordos com políticos. Era uma verdadeira lavanderia de dinheiro público", afirma Reis.

Verdades e mitos

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Em Brasília, um auditor do TCU e também dirigente de uma entidade da categoria aceitou conversar com o UOL, em anonimato. Oficialmente, os únicos dados oficiais disponíveis são os divulgados na página do órgão. Entretanto, ele confirmou que está em análise um grande número de casos envolvendo o desrespeito aos limites de doação, sobretudo no que diz respeito aos rendimentos, ou seja, quando a pessoa física que não tem receita para justificar uma doação.

Além disso, somente o cruzamento de dados em diversos órgãos --Receita Federal, Banco Central e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf)-- é que permitirá esboçar, provavelmente apenas depois das eleições, um quadro exato das irregularidades, que envolveriam a venda de CPFs.

Por exemplo, foram quase R$ 16 milhões doados por beneficiários do Bolsa Família. De acordo com o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Gilmar Mendes, tudo indica que pode haver fraude: "ou essa pessoa não deveria estar recebendo Bolsa Família ou está ocorrendo o que chamamos de 'caça CPF', ou seja, a manipulação de CPF de alguém que está inocente nessa relação, então tudo isso será investigado".

O ponto de vista do servidor do TCU é semelhante ao de um advogado especializado em direito eleitoral, que atua nestas eleições para uma das grandes campanhas para a Prefeitura de São Paulo, que também não quis se identificar.

"A venda de CPFs, de possível uso de caixa 2, tudo isso ainda é muito cedo. Não concluímos a análise das declarações de Imposto de Renda de 2015. Não será surpresa se muitos desses casos já esboçados pelo TSE e pelo TCU apontem erros de digitação, um erro comum. E isso não significa fraude. É preciso ter calma", diz o advogado que atua em campanha.

Brechas

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Para o advogado Marcelo Rosa, especialista em direito eleitoral, a mudança da lei com a minirreforma de 2015 ainda deixou a desejar em vários aspectos. Um exemplo é o abuso do poder religioso nestas eleições, com algumas candidaturas vinculadas a donos de igrejas e seus filhos.

O especialista também mencionou lacunas no que diz respeito às doações eletrônicas. "Há duas semanas passou a valer a doação por meio de cartão de crédito. Como será o controle de quem paga a fatura? Qual é a origem desse recurso? E quanto aos depósitos em dinheiro? Nós temos o limite de R$ 1.064,10, há o limite de até 10% em relação ao declarado [de rendimento no ano] à Receita Federal, mas a fatura de quem doar agora, a menos de 15 dias do primeiro turno, pode chegar só em novembro. Pode haver a possibilidade de não se conseguir definir se o recurso em circulação veio da conta corrente do doador ou de um saquinho de pão."

Ciente das críticas a alguns pontos da lei, o cofundador e codiretor do MCCE Luciano Santos alertou que é preciso não se deixar levar neste momento, sobretudo porque as eleições ainda não terminaram e prognósticos podem ser precipitados.

De acordo com ele, apontamentos que acabem não comprovados ao final do pleito municipal podem ter o efeito inverso: fortalecer o discurso dos que querem a volta das doações empresariais.

"O sistema hoje é muito mais transparente e muito mais fácil de identificar. A questão básica segue sendo a mesma: para fazer campanha, é preciso recurso. Sem isso, ela fica comprometida. As campanhas hoje estão mais comedidas, há esse aspecto positivo."

No prejuízo

Arte UOL
Para quem está trabalhando em campanhas eleitorais neste ano, tanto em grandes centros quanto em pequenos municípios, a sensação é uma só: a situação financeira para candidatos e partidos é muito ruim e "com certeza teremos mudanças", opinaram dois especialistas conhecidos no mundo do marketing eleitoral, que pediram para não serem identificados por estarem atuando para alguns nomes que pleiteiam postos em prefeituras e Câmaras de Vereadores.

"A lei vai ter que mudar. Prevejo que muita gente vai ganhar [as eleições] e não vai assumir [por irregularidades que serão comprovadas após as eleições]. Na próxima eleição, a lei diz que o teto máximo deverá ser de 70% do total do pleito anterior. Neste ano ninguém está chegando perto do teto das eleições de 2012 e 2014. Há um efeito cumulativo. A lei, como está hoje, é idiota. Tiraram o dinheiro corporativo e não colocaram nada no lugar", diz um dos marqueteiros ouvidos pelo UOL.

Um colega concordou com essa leitura pelo lado do marketing eleitoral, afirmando que o impacto da lei atual não atinge apenas a relação com caixa 2 ou a arrecadação das campanhas.

"Há um impacto forte na exposição, que apresenta uma série de restrições. Se sou candidato e professor, por exemplo, não posso ministrar uma palestra ou uma conferência em público. Prefeitos não podem voltar a locais em que inauguraram obras recentemente. Há muita chance de denúncias, está complicado."

Nos recentes escândalos do mensalão e do petrolão, marqueteiros acabaram recebendo pagamentos milionários pelos seus serviços justamente pela via do caixa 2. Vários nomes conhecidos se mostraram temerários quanto às mudanças e à falta de recursos financeiros para este ano, preferindo não assumir nenhuma campanha.

Regras mudadas no meio do jogo

No dia 19, líderes partidários contaram com a concordância do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para colocar em pauta um projeto que poderia anistiar a prática do caixa 2, que só não foi votado porque bancadas minoritárias protestaram.

O procurador Luiz Carlos dos Santos Gonçalves critica a tentativa de mudança das regras no meio do jogo. "É esperado que se discutam depois das eleições municipais alterações que afetam fortemente o processo eleitoral no Brasil. Mas eu considero inopinável qualquer tentativa de mudar a lei no meio da campanha." Santos admite novas mudanças, mas defende que o financiamento não volte a ser como antes, já que, segundo ele, é um mecanismo para elevar os gastos de campanha e propiciar a corrupção.

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