Curitiba tem apenas 4 ruas esperando batismo, mas 134 nomes já aprovados

Rafael Moro Martins

Colaboração para o UOL, em Curitiba

  • Rafael Moro Martins/UOL

Nomes de ruas e prédios públicos, declarações de cidadania honorária, vulto emérito ou utilidade pública e datas comemorativas são do que tratam 47% das 743 leis aprovadas pelos 38 vereadores de Curitiba entre o início da atual legislatura, em fevereiro de 2013, e junho de 2016.

Se a conta excluir proposições do Executivo, as 348 legislações que tratam de batismo de logradouros públicos ou homenagens equivalem a 65% das 533 leis apresentadas pelos vereadores. O levantamento foi feito pelo UOL a partir de dados recebidos da própria Câmara.

A prefeitura informou, via Lei de Acesso à Informação, que há um banco de 134 nomes aprovados pela Câmara --e apenas 4 vias à espera de batismo.

No levantamento das leis propostas pelos vereadores, o UOL não considerou propostas como o "Novembro Azul", dedicado a ações educativas para prevenção do diabetes, à semana de prevenção e combate à depressão pós-parto e outras que versam sobre saúde ou educação como datas comemorativas.

O prefeito --atualmente, Gustavo Fruet (PDT)-- é o principal legislador da cidade. Excluídos os projetos que nomeiam ruas e outros do tipo, os vereadores propuseram 185 novas leis. Já Fruet é autor de 210 leis em três anos e meio.

Divulgação
Vereadores durante sessão na Câmara de Curitiba
"Legislativo que não legisla"

"[O que se observa na Câmara de Curitiba] Não é um fenômeno local, mas um problema com respeito ao papel dos Legislativos municipais no país", avalia o cientista político Mário Sérgio Lepre, professor da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).

"Nossa federação é extremamente centralizada. Sobra pouco para municípios legislarem a respeito. Sem que se rediscuta o pacto federativo, isso não irá mudar. Há uma limitação significativa no alcance do legislador municipal", afirma Lepre. "Verifica-se exatamente a mesma situação na Assembleia Legislativa e na Câmara Federal", diz Emerson Cervi, cientista político e professor na UFPR (Universidade Federal do Paraná).

No Brasil, o Poder Legislativo abre mão de legislar e transfere isso ao Executivo

Emerson Cervi, cientista político 

Questionado a respeito dos números, o presidente da Câmara de Curitiba, Aílton Araújo (PSC), defende o trabalho de seus pares --ainda que, ao final, dê razão ao que dizem os cientistas políticos ouvidos pelo UOL.

"[Nomes de rua e homenagens] São projetos simples, por isso aparecem em grande número, não precisam passar por todas as comissões. E, se ocupam um décimo do tempo [do vereador], é muito", diz. "[Mas] Todas as leis que dependem de gasto público são de iniciativa exclusiva da prefeitura. Se propostas por vereadores, são rejeitadas por vício de origem. Então, ficamos engessados."

"O vereador substitui a atividade constitucional pela atividade prática de fazer a ponte entre o cidadão e o Executivo. Há um equívoco quando se diz que o Legislativo é submisso. O que há, de fato, é uma relação de troca política, que tem como consequência o legislador não fiscalizar o Executivo", opina Emerson Cervi.

"O Legislativo produz, mas não o que se espera constitucionalmente dele. Ele substitui a fiscalização do Executivo e a produção de leis pela intermediação do Executivo com o cidadão", diz o professor da UFPR. "O vereador é um despachante de interesses do munícipe. Ele ouve os problemas e os leva à prefeitura, que é quem pode resolvê-los", afirma Mário Sérgio Lepre.

Araújo discorda: "Prefeito não pode fazer nada sem a Câmara. Não gasta um tostão sem que vereadores autorizem. A Câmara fiscaliza a contento. Não há denúncias de malversação do dinheiro público. Isso é, também, graças à fiscalização".

Duas CPIs nesta legislatura

A Câmara de Curitiba instalou apenas duas CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) desde fevereiro de 2013. Nenhuma tratou de temas que poderiam incomodar o prefeito. A primeira foi motivada pela licitação no transporte coletivo da cidade --feita pelo ex-prefeito e atualmente governador Beto Richa (PSDB).

Na conclusão, a CPI apontou "fraude no processo de licitação, formação de cartel e sonegação fiscal por parte das empresas que venceram o edital". O Tribunal de Contas do Estado chegou a recomendar que a licitação fosse anulada. Mas ninguém foi punido.

A outra comissão tratou da disputa travada entre moradores e INSS por uma área de quase 200 mil metros quadrados no Ahú, bairro de classe média na zona norte de Curitiba, chamada de Vila Domitila. A área, por coincidência, é vizinha ao prédio da Justiça Federal onde trabalha o juiz Sérgio Moro. O relatório final, aprovado em 12 de agosto, determina que o Ministério Público será requerido a fazer novas investigações na esfera judicial. 

A única CPI polêmica criada pelos vereadores ocorreu em 2011. Tratou de irregularidades em contratos de publicidade que envolveram o ex-presidente da Casa João Claudio Derosso (sem partido, ex-PSDB) e vários outros vereadores.

O relatório da comissão, porém, inocentou os vereadores suspeitos, sob o argumento de que os indícios de fraude não eram "conclusivos". Foi aprovado, às vésperas do recesso parlamentar, por seis votos a três.

João Claudio Derrosso, atualmente afastado da política, atendeu a reportagem do UOL, mas informou que, por orientação dos advogados, não dá entrevistas. Instado a comentar as denúncias contra si, declinou.

Sem cassações

Os vereadores de Curitiba são também brandos com seus pares. A Câmara Municipal não cassa mandato de um vereador por quebra de decoro parlamentar desde 2000.

Não que não haja casos. João Claudio Derosso e outros parlamentares que foram alvos de denúncias renunciaram ao mandato antes de se tornarem alvos de processos de cassação --o que, até decisão recente da Justiça Eleitoral, garantia ao político o direito de disputar as eleições seguintes.

Consultada pelo UOL a respeito, no início de agosto, a Câmara informou que dados de comissões processantes e CPIs não estão armazenados em formato digital; assim, um levantamento demandaria tempo. Solicitado, ele não ficou pronto até o fechamento deste texto.

Servidores ouvidos pela reportagem contam três processos abertos contra vereadores em comissões e 15 no Conselho de Ética desde 2000. Nenhum deles resultou em cassação de mandato.

Dois vereadores --Paulo Frote (então no PSDB) e Custódio da Silva (então no DEM)-- foram condenados pela Justiça por ficarem com parte dos salários destinados a ocupantes de cargos em comissão em seus gabinetes. Frote renunciou antes da abertura de processo de cassação, em junho de 2012. Custódio, cujo último mandato terminou em 2008, foi preso em 2011 e cumpriu pena em regime fechado.

O caso mais recente é o do pastor Valdemir Soares (PRB). Suspeito de votar no lugar de uma colega, ele renunciou em abril deste ano.

Frote e Soares não atenderam às ligações em seus telefones celulares nem retornaram às mensagens deixadas em caixas postais e redes sociais nos dias 13 e 14 de setembro. Custódio da Silva não foi localizado pela reportagem.

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