Violência no Rio

'Homem da Capa Preta' é um dos mitos da violência na Baixada Fluminense

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

  • Acervo UH/Folhapress

    Tenório Cavalcanti, o "homem da capa preta", dominou a cena política na Baixada Fluminense dos anos 1950

    Tenório Cavalcanti, o "homem da capa preta", dominou a cena política na Baixada Fluminense dos anos 1950

Antiga área de loteamentos e especulações de terra, a Baixada Fluminense (RJ) carrega em sua história recente, principalmente a partir da abertura da rodovia Washington Luís (Rio-Petrópolis), em 1928, um legado de assassinatos políticos e disputas de poder que envolvem grupos rivais, famílias tradicionais, milicianos e até traficantes de drogas.

Parte da região metropolitana do Estado, a Baixada já foi uma área próspera, com papel relevante na produção agrícola do país (ciclos do café e da laranja). Porém, aos poucos, seus domínios sofreram processo de desocupação.

Após as décadas de 50 e 60, houve grande fluxo migratório em direção ao Rio, e muitas pessoas em busca de terra e trabalho se estabeleceram na Baixada.

Esse é o período de protagonismo de uma figura mítica, marcada pela personalidade violenta e por aterrorizar seus adversários políticos: Tenório Cavalcanti, o "homem da capa preta".

"Ele chega ao Rio durante a década de 20 para atuar na empresa que fazia a estrada Washington Luís. Nesse momento, ele já se depara com uma intensa disputa de terras e começa a agir como um grileiro", explicou Alves.

"Rei da Baixada" x "Deputado pistoleiro"

Tenório tornou-se um negociador bem-sucedido e, em pouco tempo, arrendou mais de 40 imóveis na região da Baixada. Em 1950, foi eleito deputado federal pelo Rio. No período em que dominou a cena política local, teve seu nome associado a mais de 20 assassinatos violentos.

Pelos amigos, como o seu padrinho político, Inácio Tamborim, era chamado de "o rei da Baixada". Os adversários, por outro lado, lhe deram a alcunha de "deputado pistoleiro", pois ele costumava andar com uma submetralhadora alemã, apelidada por ele de "Lurdinha", envolta em uma capa preta. "O Tenório é o fundador dessa lógica de violência", diz o sociólogo José Cláudio Souza Alves, professor da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), do livro "Dos Barões ao Extermínio: A História da Violência na Baixada Fluminense". 

Acervo UH/Folhapress
Soldado carrega a "Lurdinha" após fazer busca e apreensão na casa de Tenório

Participavam das disputas de terra na Baixada não só os caciques do poder local, mas também fazendeiros e representantes de grupos loteadores. Eles contratavam grupos de extermínio formados por pistoleiros e policiais.

Alves avalia que os confrontos armados e a lógica de extermínio praticada pelos dois grupos são a gênese da violência política na região.

"Com a vinda maciça de imigrantes para essas terras, as disputas pelo controle territorial se acentuaram. A grilagem foi bem intensa nesse período e houve desapropriações por parte de grileiros que não estavam necessariamente associados à estrutura de poder", declarou.

Da capa preta às milícias

O professor da UFRRJ diz acreditar que o legado do "homem da capa preta" também está relacionado com o surgimento das milícias nas cidades da Baixada, que possuem relação íntima com a política municipal e estão quase sempre envolvidas com assassinatos de ocupantes ou pleiteantes a cargos públicos.

Os milicianos reproduzem estratégias anteriores de poder, como ocorria na época do Tenório, quando também houve uma escalada criminosa

José Cláudio Souza Alves, professor da UFRRJ 

Segundo Alves, a Baixada se tornou uma espécie de "nova fronteira de ocupação, invasão e tomada de terras", onde são fechados grandes negócios relacionados ao loteamento de terras. Isso se dá porque outros municípios da região metropolitana do Estado do Rio já se encontram territorialmente saturados.

"Agora, por exemplo, você tem até o tráfico de drogas buscando ocupar espaços na Baixada. A região passou a agregar outros tipos de negócio. As milícias também entraram com interesses muito claros", diz Alves."Há uma lógica de violência que se enraizou e continua a ocorrer por dentro do próprio Estado. Quem incomoda amanhece morto."

Magé, que tem cerca de 230 mil habitantes, é a cidade com maior acirramento. Reportagem do UOL mostra que, desde 1997, ao menos 14 pessoas ligadas à política municipal foram mortas. O rastro de sangue inclui uma vice-prefeita carbonizada e um vereador assassinado com a mãe.

Desde novembro do ano passado, 13 pessoas que ocupavam cargos eletivos ou que pretendiam ingressar na vida pública foram assassinadas na Baixada. Para a polícia, somente duas dessas ocorrências tiveram realmente motivação político-partidária

"A estrutura de poder que opera na Baixada torna a violência um fato normal, aceitável, com o objetivo de perpetuar essas práticas criminosas. São métodos antigos, mas que se prolongam porque há conivência de todos os agentes envolvidos", disse Alves.

Segundo o especialista, o trabalho da polícia na resolução desses casos "já nasce contaminado pela certeza da impunidade". Procurada pelo UOL, a Polícia Civil não respondeu ao pedido de posicionamento enviado pela reportagem. A instituição foi cobrada, mas também não deu retorno por meio de sua assessoria de comunicação.

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