Políticos mudam o lado, e o que era amigo vira inimigo na eleição municipal
Thiago de Araújo
Colaboração para o UOL, em São Paulo
"Toda coerência é, no mínimo, suspeita." A frase, do jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980), combina bem com a disputa pela Prefeitura de São Paulo. Quem é hoje adversário já foi aliado há não muito tempo, em uma verdadeira "dança das cadeiras". Com isso, sobram declarações contraditórias e são formadas alianças consideradas impensáveis no passado.
Esqueçam onde estive
Até 1998, os atuais adversários Fernando Haddad (PT), Luiza Erundina (PSOL) e Marta Suplicy (PMDB) estiveram no mesmo barco: o Partido dos Trabalhadores. Foi nesse ano que Erundina deixou o partido pelo qual foi eleita prefeita da capital paulista.
Já Marta saiu do PT em abril de 2015, com ataques à antiga casa. "Ela saiu no momento mais trágico da história do PT. É lógico que ninguém fica onde não está se dando bem, mas ela dizer que saiu por conta do envolvimento do partido com a corrupção e ir para o PMDB é uma brincadeira de mau gosto. O PMDB é o partido mais corrupto, o que mais está envolvido na Lava Jato, não tem apelo ético, não tem um passado digno", disse Erundina em julho deste ano.
Em 2008, porém, Erundina tinha outra opinião a respeito de Marta: "Ela consegue ter uma interação e consegue dialogar de igual para igual com essa população", afirmou, durante a campanha eleitoral daquele ano.
'Ele é nosso'
Haddad começou a ganhar destaque na política paulistana em 2001, quando foi chefe de gabinete da Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico do município de São Paulo, durante a gestão de Marta Suplicy (2001-2005).
"Peço seu voto para Fernando Haddad. Ele é do PT, ele é 13, ele é nosso!", sentenciou a senadora na propaganda do partido de 2012. Apesar de preterida quando o ex-ministro da Educação foi escolhido por Lula, à época Marta considerou a escolha "ousada".
Hoje, a peemedebista não tem dúvidas em dizer que Haddad "é o pior prefeito de São Paulo" e um dos maiores erros políticos de Lula.
Maluf para todos
Uma figura comum para vários dos candidatos à Prefeitura de São Paulo neste ano é o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP).
Quatro anos atrás, Erundina chegou a ser indicada como vice na chapa de Haddad, mas desistiu quatro dias depois da oficialização do apoio de Maluf ao petista, com direito a uma foto do atual prefeito ao lado de Lula e Maluf, que até hoje "assombra" o ex-ministro da Educação.
O deputado federal e ex-presidente estadual do PP já teve Russomanno como aliado e "herdeiro" (o candidato do PRB esteve no PP entre 1997 e 2011), quando os dois se desentenderam. Um ano antes, Maluf bancou o nome do apresentador de TV para o governo paulista.
"Ninguém pode negar as coisas boas que ele [Maluf] fez. Ninguém circularia em São Paulo se não fossem todas as avenidas que ele fez", afirmou Russomanno em um debate em 2010, na Rede Record.
Em 2012, Russomanno lançou-se candidato pelo partido vinculado à Igreja Universal, enquanto Maluf foi cortejado por Haddad e José Serra (PSDB). Acabou fechando com o PT, mas, quatro anos depois, o PP paulista, já sem Maluf no comando do diretório, anunciou seu apoio a João Doria em troca de um cargo no governo de São Paulo.
Maluf chegou a ensaiar uma candidatura própria para o pleito deste ano, mas acabou mantendo seu apoio a Haddad. Para as eleições presidenciais de 2018, porém, espera poder apoiar a candidatura do tucano Geraldo Alckmin.
Alianças
Líder nas pesquisas, o deputado federal Celso Russomanno (PRB) também já integrou as fileiras do PSDB, que lançou para concorrer à prefeitura paulistana o empresário João Doria Jr. Enquanto o apresentador de TV ficou filiado por apenas três anos (entre 1994 e 1997), o vereador Andrea Matarazzo, hoje no PSD, foi tucano durante 25 anos (entre 1991 e 2016), até deixar o partido em meio a desentendimentos com Doria.
Filiado ao PSD, Matarazzo havia descartado em abril a possibilidade de uma aliança com Marta, para meses depois fechar o apoio à senadora, agora no PMDB. Matarazzo, no passado, acusou Marta de "consolidar" a cracolândia e de ser responsável pela "tragédia" da gestão petista na cidade, entre 2000 e 2004.
Em contrapartida, Marta sempre foi uma crítica feroz das administrações do tucano José Serra e do ex-prefeito Gilberto Kassab, hoje líder do PSD que a apoia, gestões durante as quais Matarazzo foi subprefeito e secretário.
Em 2011, ela afirmou que os tucanos "não se dão conta de quantos pobres temos no Estado e na cidade de São Paulo". Contra Kassab, a virulência foi ainda maior, ao questionar a sexualidade do então adversário nas eleições paulistanas de 2008.
Hoje na mesma chapa, ambos minimizam as declarações. Marta diz que "foram feitas na emoção", enquanto Matarazzo defende que "o tempo passou" e ter descoberto "uma visão muito semelhante sobre a cidade". "As pessoas amadurecem, inclusive eu."
Collor
Vices
Vice na candidatura de Haddad, o ex-secretário estadual de Educação Gabriel Chalita já integrou as fileiras do PSDB, PSB e PMDB. A candidatura de Marta e o rompimento entre PT e PMDB no plano federal fez Chalita migrar para o PDT. É uma mudança significativa para quem foi candidato à prefeitura paulistana em 2012, classificando como "indecente, incorreta e criminosa" a aliança feita por PT e PP para apoiar Haddad à época.
O vice de Doria Jr., o deputado federal Bruno Covas, sempre foi filiado ao PSDB, legenda que tem como um dos fundadores o seu avô, o ex-governador de São Paulo Mário Covas.
Conhecido pelo seu combate ao "malufismo", Bruno já trocou farpas com Maluf na Câmara dos Deputados, mas seu partido chegou a apoiar Marta Suplicy, então no PT.
Nem mesmo Marlene Machado, vice de Celso Russomanno, escapa do passado. O partido dela, o PTB, já firmou a maioria das alianças possíveis em São Paulo: em 2004 esteve ao lado de Marta e do PT. Quatro anos depois, fechou acordo com o então candidato do DEM Gilberto Kassab, hoje líder do PSD de Andrea Matarazzo.
Nesta eleição, embora esteja com Russomanno como fez há quatro anos, o PTB quase se aliou a Marta, mas desistiu após a posição de vice ser dada a Matarazzo. Também passou o período entre as duas eleições ao lado do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB).
Temer parceiro ou golpista?
Erundina também tem na sua carreira política um dado do qual não demonstra muito orgulho: candidata à Prefeitura de São Paulo em 2004 pelo PSB, teve como vice na sua chapa o atual presidente interino, Michel Temer (PMDB), o qual ela hoje chama de "golpista".
Na sabatina UOL/Folha/SBT, Erundina disse ter "muitos defeitos, mas ninguém pode me acusar de incoerência". "Na época [2004], o PSB tinha uma política de aliança bastante ampla e firmou uma aliança com o PMDB. Meu partido entendeu que a cessão de chapa naquele momento era importante."
O que dizem os candidatos
Em sabatina promovida por UOL, "Folha" e SBT, Haddad disse que nenhum candidato negaria o recebimento de um apoio. "Quem dá a aliança é que tem de se explicar."
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