Violência no Rio

Militares fingem que patrulham e exigem discrição de traficantes na Maré

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

Há sete meses, o Estado ocupou o Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, com a promessa de que as 16 comunidades situadas na região se transformariam em locais mais seguros. O então governador Sérgio Cabral (PMDB) afirmou, no dia da ocupação, que a entrada dos militares das Forças Armadas na Maré era "sinônimo de paz". No entanto, mesmo com o reforço de 3.000 homens em razão do segundo turno da eleição que definirá o próximo governador, neste domingo (26), a realidade era bem distante da projeção feita em março.

No sábado (25), a reportagem do UOL visitou ruas, becos e vielas de cinco favelas da Maré: Vila do Pinheiro, Salsa e Merengue, Conjunto Esperança (Palace), Vila do João e Baixa do Sapateiro. O patrulhamento militar inclui tanques de guerra, trincheiras e fuzis de grosso calibre. Porém, a cada cem metros percorridos, foi necessário pedir autorização aos gerentes das bocas de fumo para prosseguir. Quando informados sobre a intenção da reportagem, a maioria agiu de forma receptiva.

O tráfico continua ditando leis e regras de conduta: ninguém viu ou ouviu nada. Em geral, os moradores têm notável preferência pela vida de antes, pois dizem rejeitar a presença dos "periquitos" (como são chamados os militares). "A Maré é o melhor lugar do mundo para se morar. Todo mundo aqui se conhece e se respeita. Mas se você me perguntar o que falta para ficar ainda melhor, eu te digo: expulsar os periquitos", declarou uma moradora, que não quis se identificar.

A explicação é muito simples: em sete meses, as Forças Armadas não conseguiram uma aproximação com a população local. São frequentes as queixas e reclamações de moradores e comerciantes, como a do ambulante Deivid Baraúna Ferreira, que tem uma barraquinha de DVDs. Há alguns dias, afirmou ele, houve uma discussão com um soldado do Exército por conta de uma simplória troca de olhares.

"Ele olhou feio para mim, e eu olhei feio para ele", explicou Ferreira, que diz ter servido como fuzileiro naval por três anos e já conhecer "como eles [militares] são". "(...) O periquito perguntou se eu já tinha passagem na polícia e tentou me amedrontar dizendo que levaria a minha mercadoria. Felizmente, a situação foi resolvida e nada aconteceu", completou ele. A versão foi endossada por outros comerciantes, que também reclamam da abordagem dos militares.

A ocupação não deu fim à movimentação de traficantes armados, mas exige deles discrição e planejamento. As rotas feitas pelos militares são conhecidas. Todos os acessos às comunidades são controlados pelo Exército e por fuzileiros navais, e os que entram e saem são revistados. No entanto, há grande dificuldade para avançar ao interior das favelas. Em algumas localidades, os militares se restringem a dar voltas em quarteirões, conforme a reportagem presenciou.

As tropas são formadas por homens de outros Estados, que não têm conhecimento suficiente do terreno. Quando abordados, recusam-se a dar entrevista. Antes de entrar na Vila do Pinheiro, a reportagem do UOL se identificou e perguntou a um dos soldados se a situação estava tranquila no sábado. Na contramão da versão das autoridades, a resposta dada de forma curta e grossa mostra que nem mesmo os militares gostariam de estar ali: "Aqui nunca fica tranquilo".

A reportagem do UOL entrou em contato, por telefone e por e-mail, com a assessoria de comunicação da chamada "Força de Pacificação", que coordena a ação militar nas favelas da Maré. Na manhã deste domingo, foi enviada uma nota na qual as Forças Armadas afirmam que "a pacificação é um processo longo que visa promover um ambiente seguro e estável à população e desarticular as organizações criminosas, que se instalaram no Complexo da Maré há anos". "A Força de Pacificação realiza diariamente patrulhas a pé e motorizadas e estabelece os Postos de Bloqueio e Controle das Vias Públicasno Complexo da Maré, promovendo a Paz Social por meio da apreensão de armas e drogas, além da prisão de pessoas em flagrante delito", diz o texto.

Há cerca de dez dias, o general Ricardo Rodrigues Canhaci assumiu o comando da "Força de Pacificação", em substituição ao general Francisco Mamede de Brito Filho. Após a cerimônia de passagem de comando, o oficial de alta patente afirmou à imprensa que os últimos meses de 2014 marcam a etapa final da atuação militar no Complexo da Maré.

Pelo acordo entre o governo do Estado do Rio e os ministérios da Justiça e da Defesa, Exército e Marinha ficarão no conjunto de favelas até o dia 31 de dezembro. Em 2015, a intenção do governo estadual é inaugurar UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). A previsão é que cerca de 1.600 policiais militares atuem nessas UPPs.

Violência antes da eleição

Para a eleição no Rio, onde o governador e concorrente à reeleição, Luiz Fernando Pezão (PMDB), enfrenta Marcelo Crivella (PRB) no segundo turno, apenas o Complexo da Maré recebeu reforço de 3.000 homens das Forças Armadas. Em todo o país, o governo federal enviou 15 mil militares para atuar em locais considerados vulneráveis. Há segundo turno, neste domingo (26), em 13 Estados e no Distrito Federal.

O Rio é um dos que mais preocupam por conta dos atos de violência que ocorreram nas semanas que antecederam o primeiro turno. As UPPs enfrentam um momento conturbado, com ataques de criminosos a policiais e contêineres da PM e mortos e feridos em trocas de tiros. Por esse motivo, o esquema especial de segurança conta ainda com aumento de efetivo da PM. No total, o Estado emprega hoje 20.788 policiais militares nos 5.418 locais de votação em todo o território fluminense.

Na quinta-feira (23), dois dias antes da visita da reportagem do UOL à Maré, houve um intenso confronto entre criminosos de facções rivais. Motoristas que transitavam pela Linha Vermelha, que passa à margem do complexo, tentaram escapar da linha de tiro trafegando de marcha à ré e até abandonando os veículos. Houve engarrafamento e, segundo a Polícia Militar, criminosos invadiram a via expressa para tentar promover um arrastão. Ainda de acordo com a PM, os bandidos tentaram atear fogo em um ônibus municipal, que acabou ficando atravessado na Linha Vermelha.

Na semana anterior, dois militares do Exército ficaram encurralados em um mercadinho durante um tiroteio na comunidade Salsa e Merengue, no dia 15 de outubro. Os moradores gravaram a ação dos militares, que revidam os tiros de traficantes com um fuzil da porta do comércio.

Eleições 2014 no Rio de Janeiro
Eleições 2014 no Rio de Janeiro

Veja também

UOL Cursos Online

Todos os cursos