Quilombolas têm voto garantido em povoados de Goiás

Marcelo Brandão

Da Agência Brasil, em Goiás

Para muitos brasileiros, votar é apenas um detalhe em um domingo de outubro. Uma atividade que, muitas vezes, pode ser feita em questão de minutos. Os mesários das grandes cidades têm mais trabalho. Acordam cedo e vão para as seções, onde passarão o dia inteiro para, ao final da tarde, voltarem para casa. Existem lugares no Brasil, porém, onde eleitores e mesários passam por uma verdadeira saga, muitas vezes iniciada no dia anterior, para votar ou possibilitar que outros votem.

Nos municípios de Niquelândia e Cavalcante, em Goiás, os cartórios eleitorais têm muito trabalho para levar o direito ao voto aos moradores. Em Cavalcante, a cerca de 375 quilômetros de Goiânia, é tortuosa a estrada que leva mesários e urna eletrônica a uma comunidade quilombola kalunga. Os mesários precisam sair da cidade no sábado, encarar uma longa viagem por estrada de chão, para conseguir chegar a tempo. Encerrada a votação, a urna eletrônica é transportada de helicóptero para um local próximo que permita a transmissão dos dados.

Em Niquelândia, maior município do estado, com quase 10 mil quilômetros quadrados, a dificuldade é ainda maior. São quatro povoados em áreas de difícil acesso, Machadinho, Acaba Vida, Garimpinho e Buriti Alto. Desses, Buriti Alto tem o acesso mais complicado. São 243 quilômetros de distância entre o povoado e o cartório eleitoral do município. Estrada de terra, morros e riachos estão no caminho. O trajeto só pode ser feito com uma caminhonete com tração nas quatro rodas. E não pode chover, senão o riacho transborda e o carro não consegue atravessá-lo.

"As estradas são sinuosas, morros muito grandes pra subir, com riachos. São cerca de cinco horas de viagem do Cartório Eleitoral de Niquelândia até Buriti Alto", explicou o chefe do cartório de Niquelândia, Alexandre Lopes. "É um caminho muito perigoso, precisa ser um motorista experiente. Ele passa por locais de travessia complicada e perigosos, como um precipício."

A urna saiu hoje (25) de manhã do cartório e está a caminho do povoado. Ao contrário da comunidade kalunga, Buriti Alto conta com mesários do próprio local. Apenas o presidente da seção mora em Niquelândia. "Ele dorme na escola do povoado, usa a cozinha de lá. As mesárias são as professoras do local. Há duas eleições, no entanto, os mesários também saíam daqui", diz Lopes.

A parte mais difícil na opinião dele é providenciar transporte para levar os moradores às urnas. Segundo a Lei 6.091 de 1974, a Justiça Eleitoral deve dar transporte gratuito aos moradores de zonas rurais que morem a mais de 2 quilômetros de distância de sua seção. São necessários 142 veículos para fazer o transporte dos eleitores, prioritariamente veículos estaduais e municipais. Cidadãos são convocados para trabalhar como motoristas para os eleitores.

Ao final do dia, os dados são transmitidos ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Goiás. A transmissão é feita ali mesmo, no povoado. Mas, por segurança, um helicóptero passa pelo local para levar a urna, caso a transmissão não seja possível. "O helicóptero vai até o povoado e um técnico faz a transmissão dos votos. Mas pode ser que o sinal de satélite não funcione, e o helicóptero é uma contingência para o satélite. Em seguida, ele vai para o outro povoado."

O piloto tem pressa, porque precisa voltar à cidade antes que escureça. Como a região não conta com tráfego aéreo eficaz, ele não pode conduzir o helicóptero à noite. Lopes lembra que no segundo turno haverá um pouco mais de tempo. "Agora, com o horário de verão, escurece mais tarde, né? Ele vai ter uma hora a mais". E no dia seguinte, quando os candidatos já comemoram a vitória ou lamentam a derrota, muitos mesários e presidentes de seção ainda enfrentam a viagem de volta para casa quando, finalmente, aquele domingo vai terminar.

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