Maioria das crianças acha que políticos são uma farsa, diz pesquisa

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

A desconfiança com a política é um sentimento muito presente entre as crianças. Segundo a "Conicktados", pesquisa feita pelo canal infantil de televisão por assinatura Nickelodeon (do grupo Viacom Brasil) com o instituto QualiBest, o pensamento de que os políticos seriam uma farsa atinge cerca de dois terços das 120 crianças participantes do levantamento. Entre os entrevistados estão crianças de São Paulo e Rio de Janeiro, com idades entre sete e 12 anos, das classes A, B e C.

A menina Larissa, de 10 anos, aluna da escola municipal Amorim Lima, de São Paulo, é um exemplo dessa amostragem. "Tem umas coisas que [os candidatos] falam que não têm noção. [O país] tá precisando de água, de comida. De que adianta ficar falando de cachorro?", diz ao UOL. A crítica dela é uma referência a candidatos a deputado que aparecem no horário eleitoral falando de proteção aos animais como principal proposta.

Às vésperas das eleições de 2014, o UOL foi a duas escolas da capital paulista --Amorim Lima e colégio Ítaca-- para perguntar às crianças o que elas pensam sobre política. Para estimular o debate, também foi combinada uma simulação do pleito presidencial aos alunos dos 4º e 5º anos do ensino fundamental das duas instituições.

A visão das crianças sobre a política não deixa de ser um reflexo do sentimento dos pais sobre o tema. "A gente vê que tem um efeito que é o das conversas dos pais. Os votos acabam sendo parecidos, as falas acabam sendo parecidas", analisa o coordenador pedagógico do colégio Ítaca, Flávio Cidade.

"É uma reprodução, mas nessa ocasião as crianças podem refletir sobre essas coisas, o que, em outros momentos, não teriam chance", diz. É assim para Verônica, 10, do Ítaca: "Meu pai fala que não sabe em quem votar porque são todos ruins".

As crianças chegam a questionar o sistema político. "Não confio no sistema democrático. Só as pessoas do governo sabem o que acontece", opina José, do Amorim Lima, que diz até cogitar uma volta do militarismo.

Para a doutora e professora da Faculdade de Educação da USP Silvia Colello, a fala do garoto reflete a insatisfação do ele que vê como democracia em seu cotidiano. "Ele está se remetendo a problemas como corrupção, mensalão. A democracia tem como princípio ser transparente. A voz que ele emite é da democracia roubada, da democracia corroída", explica a pedagoga. "Ele está representando uma corrente que está desencantada."

Voto

Apesar de descrentes sobre alguns políticos, as crianças são favoráveis a votar. "Acho importante [votar] porque a gente pode eleger o presidente que a gente quer", conta Felipe, 10, do Ítaca. Gabriel, 10, que estuda na mesma escola, ficou triste ao ver os pais anulando o voto. "Achei isso chato porque ajuda quem está liderando".

Larissa, do Amorim Lima, sabe até explicar o que o colega quis dizer: "Se a Dilma tiver menos de 50% dos votos, vai ter segundo turno", considerando o cálculo dos votos válidos para o resultado do primeiro turno.

"Acho que a sociedade em geral tem uma visão de que criança não entende um tanto de coisas e que, por isso, não pode participar desse tanto de coisas. Uma dessas coisas é política", diz o coordenador do Ítaca. "Na hora em que isso começar a acontecer, na hora em que a sociedade e as famílias começarem a escutar mais as crianças, a participação política vai ser natural".

De verdade

Algumas crianças acham inclusive que já poderiam votar. Chyara, 10, do Ítaca, diz que deveria haver uma participação das crianças na vida política do país. "Os adultos pensam demais em vez de fazer. Ter uma criança [na política] seria bom porque as crianças fazem em vez de pensar", argumenta a menina.

Chyara é o reflexo de cerca de 60% das crianças, segundo o "Conicktados". Na pesquisa, elas afirmaram que gostariam de participar da cena política, dando sua opinião. Outros 40% creem que ainda são muito novas ou que não têm opinião para contribuir.

Existe uma necessidade de rever o papel que as crianças têm na sociedade, segundo o coordenador do Ítaca. "A gente tem de pensar que essas crianças todas vão crescer e que o futuro estará na mão [delas]. Quanto mais cedo a gente conseguir colocar essas crianças em uma situação de vantagem para pensar sobre si mesmas, para pensar sobre as cidades, sobre seu país, mais chance temos de ter um país mais legal daqui a uns anos."

"A escola não deveria perder a oportunidade de trazer um grande acontecimento à baila cada vez que um deles acontece", observa Colelli, citando as eleições como um desses temas. "A criança não é passiva diante do mundo. A criança vai aprendendo com os acontecimentos do mundo", complementa a doutora.

Resultado

Como curiosidade, no resultado da simulação do pleito presidencial nas duas escolas, a vencedora foi a candidata Marina Silva (PSB), com 32% dos votos.

Em seguida, veio Aécio Neves (PSDB), com 28%. A candidata à reeleição, Dilma Rousseff (PT), teve 18%. Na simulação, ainda aparecem Luciana Genro (PSOL), com 8%, Eduardo Jorge (PV), 6%, e Mauro Iasi (PCB), 1%. Votos em branco atingiram 6%. Outros 2% dos eleitores prefeririam anular seu voto. O total dos votantes contabilizou 111 eleitores-mirins.

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