'Meu desencanto é quase total', diz Hatoum após desistir de votar em Marina

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

  • Henrique Manreza/Folhapress

    O escritor amazonense Milton Hatoum, que desistiu de votar em Marina Silva (PSB)

    O escritor amazonense Milton Hatoum, que desistiu de votar em Marina Silva (PSB)

O escritor amazonense Milton Hatoum era uma das celebridades que apoiavam a candidatura de Marina Silva à Presidência. Mas ele trocou de opinião no final de semana.

A mudança no programa de governo de Marina fez com que ele ficasse desencantado com a política e voltasse a analisar o que fará com seu voto. "Agora que houve essa mudança, não faz mais nenhum sentido votar no PSB", comentou o autor de "Cinzas do Norte" e "Dois Irmãos", durante entrevista ao UOL. O escritor ficou decepcionado com Marina a ponto de pedir para o UOL retirar sua imagem de um álbum sobre em quem os famosos pretendem votar na eleição de 5 de outubro. Até então, Hatoum se dizia propenso a dar seu voto a Marina.

No último sábado (30), com a justificativa de que houve erro na impressão do material de seu programa de governo --divulgado na sexta-feira (29)--, a campanha do PSB retirou os trechos sobre a aprovação da lei da identidade de gênero, do projeto que regulamenta o casamento homossexual e do que criminaliza a homofobia; também foi eliminada a proposta de envio de material didático que conscientizasse as crianças sobre a diversidade sexual e as novas formas de família. "São questões que eu considero fundamentais em um Estado laico, sem interferência de qualquer religião", comenta Hatoum.

O que mais desagradou ao escritor foi observar a pressão de bancadas religiosas sobre as propostas da candidata. Para Hatoum, a situação --considerada por ele um recuo-- lhe gerou uma pergunta: "Quem vai governar com ela são as bancadas evangélicas? Acho que, hoje, um proselitismo histérico é assustador. Isso já é, para mim, assustador. Meu medo é essa liderança religiosa fundamentalista".

Hatoum diz não acreditar que a candidata do PSB faça parte dos grupos religiosos na política. "Entendo a religiosidade da Marina. Ela conhece gente da minha família no Acre. Sei como é difícil chegar aonde ela chegou. O problema é a chantagem. O perigo é quando a liderança religiosa tenta impor uma interpretação do texto sagrado na vida cotidiana."

Caso haja uma aliança de um possível governo Marina com as bancadas religiosas, o escritor não acredita que possam acontecer mudanças na política nacional. "[Os religiosos] vão pressionar a sociedade civil. Você acaba de mãos amarradas."

Outro ponto que irritou Hatoum foi a informação, divulgada nesta segunda-feira (1º) pela "Folha de S.Paulo", de que a  da candidata do PSB recorre a versículos da Bíblia para tomar decisões. "Gravíssimo. Não se pode governar com recado pessoal de Deus", comenta o escritor, vencedor de prêmios importantes da literatura brasileira como o Portugal Telecom e o Jabuti. "Se ela toma uma decisão de forma aleatória na Bíblia, acho isso temeroso."

Voto

Agora, Hatoum não sabe mais em quem vai votar. "Não há nada muito animador", afirma. Nos próximos dias, porém, ele pretende se dedicar a ler os projetos de governo das candidaturas de Eduardo Jorge (PV) e de Luciana Genro (PSOL).

Os pontos que lerá com afinco serão os das propostas econômicas e políticas. Até o último sábado, eram justamente esses dois itens que haviam chamado a atenção do escritor no programa de Marina. "O que gostei é a urgência da reforma política e da reforma tributária [citadas pelo projeto do PSB]. Achei consistente."

Hatoum também não descarta votar em Dilma Rousseff. "Se o PT fizer uma autocrítica… falta um pouco de humildade. Desde o governo FHC [do tucano Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002], houve avanços sociais, que cresceram exponencialmente no governo Lula [do PT, entre 2003 e 2010]", analisa.

Para decidir em quem votar ou se vai anular seu voto, o escritor prepara-se também para acompanhar os debates com os presidenciáveis. Hatoum, porém, acredita que o ideal para o próximo governo seja a realização de um acordo nacional. "Que se estabeleça um diálogo com os políticos que estão pensando o Brasil. Há nomes bons no PT, no PSDB, no PSB, no PMDB. A pior coisa é dizer que não há políticos dignos no Brasil. Há políticos éticos, responsáveis. Agora, será que [um governo] vai conseguir uni-los? Não é fácil."

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