“No Oiapoque [o voto] se divide todinho. Um pouco pra cá, um pouco pra lá. Nós aqui não. Se a gente quiser mesmo, pode contar que a eleição quem decide somos nós”. A afirmação é de um cacique de uma das 37 aldeias de Oiapoque (a 576 km de Macapá), que prefere não se identificar. De acordo com o cartório eleitoral da cidade, os indígenas somam 2.871 dos 17.023 eleitores da cidade, o que representa 17%. O número é uma estimativa, pois corresponde à soma dos eleitores que votam em aldeias, de onde se deduz que todos, ou a maioria, sejam indígenas.
O UOL visitou a cidade dentro do projeto UOL pelo Brasil, série de reportagens multimídia que percorre municípios em todos os Estados da federação durante a campanha eleitoral.
Se a gente [indígenas] quiser mesmo, pode contar que a eleição quem decide somos nós
Cacique de uma das aldeias de Oiapoque, que prefere não ser identificadoO cacique cita a eleição de 1996 à Prefeitura de Oiapoque para comprovar sua tese. Naquele ano, João Neves, da etnia galibi marworno, se tornou um dos primeiros índios a se eleger prefeito no país. Ele pertencia ao PSB. O cacique conta que, naquelas eleições, diversas comunidades indígenas entraram em consenso de que queriam que Neves assumisse a prefeitura. “Nós nos reunimos e dissemos: queremos um indígena. E colocamos ele lá”, afirma.
Tendo em vista o peso dos votos dos indígenas, as coligações seguem uma política de boa vizinhança com os caciques para ter acesso às aldeias. E ter um indígena participando do processo costuma facilitar. Atualmente, Neves coordena nas áreas indígenas a campanha de Maria Orlanda, candidata do PDT à prefeitura. Nem ela nem candidatos ao cargo de vereador da coligação entram em qualquer aldeia sem que Neves faça antes disso um primeiro contato com o cacique. “Ainda tem muito candidato não indígena que confunde a terra indígena com bairro da cidade”, explica.
Veja fotos de Oiapoque (AP) e de Saint George, na Guiana Francesa
Veja Álbum de fotosOficialmente existe um formulário da Funai (Fundação Nacional do Índio) que deveria ser preenchido pelos candidatos que querem ir às aldeias, mas, conforme uma funcionária da instituição, na maioria dos casos o contato é feito diretamente com os caciques.
Não é possível saber quantos índios são candidatos. Quando se inscreve para disputar uma vaga nas eleições, o futuro candidato não precisa informar se é indígena. Questionadas, as coligações majoritárias e proporcionais informaram que possuem, no total, pelo menos 14 candidatos indígenas. A campanha de Oiapoque tem quatro candidaturas a prefeito e 118 candidatos a vereadores (eram 136, mas 12 tiveram a candidatura indeferida e seis renunciaram).
O candidato do PR à prefeitura, Sidney do Palace, diz esperar conseguir cerca de mil votos nas aldeias. Apesar do otimismo e de ter dois candidatos a vereador que são indígenas em sua coligação, ele afirma que a vitória com estas comunidades não é garantida. “Esses candidatos que a gente tem nas aldeias são lideranças lá dentro. Um deles é filho de um cacique. Mas isso na verdade não quer dizer nada. Não é porque você fez um negócio com o cacique que toda a aldeia vai te apoiar. A realidade hoje é corpo a corpo. É ir de casa em casa, fazer aquele trabalho de formiguinha”, declara.
Candidato a vice-prefeito diz que caciques o escolheram
Se para candidatos não indígenas, na maioria dos casos, apenas a aprovação do partido basta para levar uma candidatura adiante, índios de Oiapoque que desejam assumir cargos no Legislativo ou no Executivo dizem que costumam pedir a opinião dos caciques de suas aldeias, que levam as sugestões para o Conselho dos Caciques.
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- http://eleicoes.uol.com.br/2012/enquetes/2012/09/21/voce-concorda-que-a-funai-ou-um-cacique-decida-se-candidatos-podem-fazer-campanha-nas-aldeias-indigenas.js
Elton Anica (PV), que disputa o cargo de vice na chapa do atual prefeito e candidato à reeleição, o não indígena Aguinaldo Rocha (PP), diz que apresentou seu nome como uma alternativa ao Conselho dos Caciques, que o escolheu. “Não foi uma imposição minha. Primeiro ouvimos essas lideranças”, conta Anica. Ele diz que os caciques indicaram a candidatura dele a Rocha. O prefeito foi procurado pela reportagem para comentar, mas não atendeu aos pedidos de entrevista do UOL.
O cacique que deu entrevista ao UOL na condição de que não fosse identificado confirma que houve consenso entre a maioria dos caciques das aldeias de Oiapoque para apoiar a candidatura de Anica e diz que normalmente os indígenas consultam as lideranças para pedir apoio ou mesmo autorização para se candidatarem.
Acontece que, após a indicação de Anica, outro indígena surgiu como candidato a vice em uma chapa: Josinei Anika (PRTB), da etnia karipuna. Ele concorria a uma vaga na Câmara de Vereadores, mas renunciou para ser o candidato a vice de Maria Orlanda (PDT) na coligação "Oiapoque mais forte".
Ele entrou na disputa para substituir Nilo Martiniano, da etnia palikur, que teve a candidatura indeferida por dupla filiação. A candidatura deles consta no cadastro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) como indeferida com recurso. Até a conclusão desta reportagem, o caso estava sendo avaliado pelo TRE-AP (Tribunal Regional Eleitoral do Amapá). Mesmo assim, a coligação já havia começado a distribuir materiais de campanha com a imagem de Anika.
Anika diz que foi convidado pela coligação para ser candidato a vice, pois havia receio em substituir Martiniano por um candidato não indígena. Entretanto, o contato dele com as lideranças indígenas foi feito depois da decisão com o partido, pois, de acordo com ele, a coligação precisava resolver isso logo e não havia tempo de questionar os caciques. Ele diz que as lideranças estão recebendo ele bem e que não acredita que a campanha perderá força em função de caciques terem declarado anteriormente apoio à candidatura do prefeito Rocha e Anica.
Creuza Maria dos Santos, candidata do PV a vereadora e cacique da aldeia Ahumã, diz que sem o consentimento dos demais caciques não teria levado a candidatura adiante. “A pessoa tem que confiar na maioria”, diz.