Oiapoque (AP)

No extremo norte do país, índios pedem aprovação de caciques para serem candidatos

Índios representam 17% dos eleitores da cidade

Oiapoque tem fama de ter sido uma das primeiras cidades a eleger um índio prefeito, em 1996. A população indígena representa 27% dos moradores e 17% dos eleitores. Diante disso, as coligações adotam a política de boa vizinhança com caciques para fazerem campanha nas aldeias e garantir votos por lá. Mas a participação dos caciques na campanha local não se limita apenas a isso. Candidatos indígenas entrevistados pelo UOL dizem que a aprovação dos caciques é decisiva para entrar na corrida eleitoral.

Alexandre Santos, Ana Paula Rocha e Bárbara Therrie

Do UOL, em Oiapoque (AP)

“No Oiapoque [o voto] se divide todinho. Um pouco pra cá, um pouco pra lá. Nós aqui não. Se a gente quiser mesmo, pode contar que a eleição quem decide somos nós”. A afirmação é de um cacique de uma das 37 aldeias de Oiapoque (a 576 km de Macapá), que prefere não se identificar. De acordo com o cartório eleitoral da cidade, os indígenas somam 2.871 dos 17.023 eleitores da cidade, o que representa 17%. O número é uma estimativa, pois corresponde à soma dos eleitores que votam em aldeias, de onde se deduz que todos, ou a maioria, sejam indígenas.

O UOL visitou a cidade dentro do projeto UOL pelo Brasil, série de reportagens multimídia que percorre municípios em todos os Estados da federação durante a campanha eleitoral.

Se a gente [indígenas] quiser mesmo, pode contar que a eleição quem decide somos nós

Cacique de uma das aldeias de Oiapoque, que prefere não ser identificado

O cacique cita a eleição de 1996 à Prefeitura de Oiapoque para comprovar sua tese. Naquele ano, João Neves, da etnia galibi marworno, se tornou um dos primeiros índios a se eleger prefeito no país. Ele pertencia ao PSB. O cacique conta que, naquelas eleições, diversas comunidades indígenas entraram em consenso de que queriam que Neves assumisse a prefeitura. “Nós nos reunimos e dissemos: queremos um indígena. E colocamos ele lá”, afirma.

Tendo em vista o peso dos votos dos indígenas, as coligações seguem uma política de boa vizinhança com os caciques para ter acesso às aldeias. E ter um indígena participando do processo costuma facilitar. Atualmente, Neves coordena nas áreas indígenas a campanha de Maria Orlanda, candidata do PDT à prefeitura. Nem ela nem candidatos ao cargo de vereador da coligação entram em qualquer aldeia sem que Neves faça antes disso um primeiro contato com o cacique. “Ainda tem muito candidato não indígena que confunde a terra indígena com bairro da cidade”, explica.

Veja fotos de Oiapoque (AP) e de Saint George, na Guiana Francesa
Veja Álbum de fotos

Oficialmente existe um formulário da Funai (Fundação Nacional do Índio) que deveria ser preenchido pelos candidatos que querem ir às aldeias, mas, conforme uma funcionária da instituição, na maioria dos casos o contato é feito diretamente com os caciques.

Não é possível saber quantos índios são candidatos. Quando se inscreve para disputar uma vaga nas eleições, o futuro candidato não precisa informar se é indígena. Questionadas, as coligações majoritárias e proporcionais informaram que possuem, no total, pelo menos 14 candidatos indígenas. A campanha de Oiapoque tem quatro candidaturas a prefeito e 118 candidatos a vereadores (eram 136, mas 12 tiveram a candidatura indeferida e seis renunciaram).

O candidato do PR à prefeitura, Sidney do Palace, diz esperar conseguir cerca de mil votos nas aldeias. Apesar do otimismo e de ter dois candidatos a vereador que são indígenas em sua coligação, ele afirma que a vitória com estas comunidades não é garantida. “Esses candidatos que a gente tem nas aldeias são lideranças lá dentro. Um deles é filho de um cacique. Mas isso na verdade não quer dizer nada. Não é porque você fez um negócio com o cacique que toda a aldeia vai te apoiar. A realidade hoje é corpo a corpo. É ir de casa em casa, fazer aquele trabalho de formiguinha”, declara.

Candidato a vice-prefeito diz que caciques o escolheram

Se para candidatos não indígenas, na maioria dos casos, apenas a aprovação do partido basta para levar uma candidatura adiante, índios de Oiapoque que desejam assumir cargos no Legislativo ou no Executivo dizem que costumam pedir a opinião dos caciques de suas aldeias, que levam as sugestões para o Conselho dos Caciques.

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  • http://eleicoes.uol.com.br/2012/enquetes/2012/09/21/voce-concorda-que-a-funai-ou-um-cacique-decida-se-candidatos-podem-fazer-campanha-nas-aldeias-indigenas.js

Elton Anica (PV), que disputa o cargo de vice na chapa do atual prefeito e candidato à reeleição, o não indígena Aguinaldo Rocha (PP), diz que apresentou seu nome como uma alternativa ao Conselho dos Caciques, que o escolheu. “Não foi uma imposição minha. Primeiro ouvimos essas lideranças”, conta Anica. Ele diz que os caciques indicaram a candidatura dele a Rocha. O prefeito foi procurado pela reportagem para comentar, mas não atendeu aos pedidos de entrevista do UOL.

O cacique que deu entrevista ao UOL na condição de que não fosse identificado confirma que houve consenso entre a maioria dos caciques das aldeias de Oiapoque para apoiar a candidatura de Anica e diz que normalmente os indígenas consultam as lideranças para pedir apoio ou mesmo autorização para se candidatarem.

Acontece que, após a indicação de Anica, outro indígena surgiu como candidato a vice em uma chapa: Josinei Anika (PRTB), da etnia karipuna. Ele concorria a uma vaga na Câmara de Vereadores, mas renunciou para ser o candidato a vice de Maria Orlanda (PDT) na coligação "Oiapoque mais forte".

Ele entrou na disputa para substituir Nilo Martiniano, da etnia palikur, que teve a candidatura indeferida por dupla filiação. A candidatura deles consta no cadastro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) como indeferida com recurso. Até a conclusão desta reportagem, o caso estava sendo avaliado pelo TRE-AP (Tribunal Regional Eleitoral do Amapá). Mesmo assim, a coligação já havia começado a distribuir materiais de campanha com a imagem de Anika.

Anika diz que foi convidado pela coligação para ser candidato a vice, pois havia receio em substituir Martiniano por um candidato não indígena. Entretanto, o contato dele com as lideranças indígenas foi feito depois da decisão com o partido, pois, de acordo com ele, a coligação precisava resolver isso logo e não havia tempo de questionar os caciques. Ele diz que as lideranças estão recebendo ele bem e que não acredita que a campanha perderá força em função de caciques terem declarado anteriormente apoio à candidatura do prefeito Rocha e Anica.

Creuza Maria dos Santos, candidata do PV a vereadora e cacique da aldeia Ahumã, diz que sem o consentimento dos demais caciques não teria levado a candidatura adiante. “A pessoa tem que confiar na maioria”, diz.

Diário de Bordo

  • Alexandre Santos/UOL

    Leia mais curiosidades e histórias das viagens; conheça o projeto UOL pelo Brasil

“Oiapoque: aqui começa o Brasil”. Será mesmo?

  • Alexandre Santos/UOL

    Um monumento na cidade ostenta a frase "município de Oiapoque: aqui começa o Brasil". Nele, uma placa traz o registro de uma viagem que teria ido do extremo norte (Oiapoque) ao extremo sul do país, na cidade de Chuí (RS). Este talvez tenha sido o começo de um erro muito frequente: o de que Oiapoque é a cidade mais ao norte do Brasil. A real detentora do título é Uiramutã, no Estado de Roraima, onde fica o Monte Caburaí. A expressão “Do Oiapoque ao Chuí” refere-se à extensão do litoral brasileiro.

Hospital está improvisado em antiga clínica há 4 anos

  • Alexandre Santos/UOL

    O hospital de Oiapoque (foto) entrou em obras em março de 2008. Desde então, os pacientes são atendidos no prédio onde antes funcionava uma clínica particular, que foi transformada em unidade mista de saúde. Por três meses Luiz Alexandre da Silva, 53, foi o único médico do local. A necessidade fez com que ele passasse a atender em mais especialidades do que era habitual. Ele atua há oito anos em Oiapoque e conta que os colegas foram deixando a cidade em busca de salários maiores. Desde o início de setembro, ele conta com uma colega recém-formada, que foi contratada de forma emergencial. Recentemente foi feito um concurso público, mas nenhum dos inscritos foi aprovado para preencher uma das quatro vagas oferecidas. Outros médicos só devem reforçar a equipe a partir de 13 de fevereiro de 2013, quando o governo do Estado do Amapá planeja reinaugurar o hospital da cidade reformado.

Ponte espera conclusão da área de fronteira

  • Alexandre Santos/UOL

    A ponte binacional, que vai ligar Oiapoque e Saint George (Guiana Francesa), está pronta. Mas o trajeto entre as cidades ainda depende de pequenos barcos. Houve atraso na construção das instalações de fronteira e na pavimentação de acesso à ponte do lado brasileiro. A parte da Guiana Francesa já está pavimentada, contando inclusive com aduana. De acordo com o Ministério dos Transportes brasileiro, a Receita Federal e a Polícia Federal teriam discordado em relação ao projeto proposto pelo Dnit para a área de fronteira. Está prevista para 18 de outubro a abertura de licitação para a construção desta área. A partir da data de contratação, a obra deve ser entregue em cerca de 18 meses. A pavimentação dos acessos está sendo feita pelo Estado do Amapá. O valor estimado para conclusão da obra é de R$ 135 milhões.

  • Cidade: Oiapoque
    Estado: Amapá
    Distância da capital: 576 km
    População: 20.509 (censo 2010)
    PIB per capita: 10.995,17 (2009)
    Área (em km²): 22.625,075
    Número de eleitores: 17.023
    Data de fundação: 23 de maio de 1945

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