Falta de investimentos na saúde faz Belo Horizonte viver risco de "apagão" na área

Carlos Eduardo Cherem

Do UOL, em Belo Horizonte

Belo Horizonte está às portas de um “apagão” na área de saúde. A falta crônica de investimentos públicos no setor foi agravada ainda mais, nos últimos anos, por uma intensa migração de usuários do SUS (Sistema Único de Saúde) para os planos privados de saúde, que não foi acompanhada pela ampliação da infraestrutura de atendimento. Mais ainda, levou os hospitais privados da capital mineira a reduzirem de forma drástica a oferta de leitos para o SUS.

Espera no SUS e no convênio

  • Carlos Eduardo Cherem/UOL

    Atendimento para Raison (dir.), filho de Clóvis Ribeiro, demorou duas horas na saúde pública e uma hora na rede privada: "Qual a diferença de uma hora e duas horas? Para mim, está tudo junto"

Enquanto o tema aparece no topo da agenda dos principais candidatos à prefeitura, poder público e iniciativa privada correm contra o tempo, a fim de evitar a piora ainda mais da situação daquele que é considerado o setor mais crítico da capital mineira.

O motorista profissional Clóvis Natal Ribeiro, 38 anos, não vê muita diferença entre o atendimento à saúde nas redes pública e particular em Belo Horizonte. Na terça-feira (18), seu filho Raison Douglas Ribeiro, 12 anos, sentiu fortes dores no ouvido. Imediatamente, o pai levou o adolescente à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do bairro Sagrada Família, em Belo Horizonte. Esperaram duas horas. O médico prescreveu um medicamento.

Na quinta-feira (20), a dor de ouvido de Raison não melhorou. O pai resolveu usar o convênio da Unimed BH a que tem direito. Ele paga mensalmente R$ 38, metade do custo total. O resto é bancado pela empresa em que trabalha. Se houver necessidade de serviços, é feita uma cobrança extra. O atendimento emergencial custou R$ 16. Pai e filho esperaram uma hora no hospital da Unimed. O médico manteve os remédios prescritos pelo profissional do posto de saúde, mas incluiu um anti-inflamatório.

“Aí vem aquela questão: até pouco tempo atrás, o pessoal xingava muito o atendimento dos planos de saúde, que estavam muito ruins mesmo. Melhorou um pouco... Mas não está tudo igual? Em relação à UPA da Sagrada Família, o atendimento aqui (na Unimed) não é igual? Qual a diferença de uma hora e duas horas? Para mim, está tudo junto”, diz o motorista.

Demora generalizada tanto no serviço público quanto no privado

“A fila do SUS passou para os convênios privados. Os atendimentos nos prontos-socorros conveniados estão demorando de duas a três horas. A marcação de consultas nos hospitais particulares demora, em média, 30 dias. Nas unidades públicas, a situação é ainda pior”, alerta o diretor do Hospital Felício Rocho, Pedro Pires. Segundo ele, num cenário otimista, faltam 2 mil leitos para atender a população de Belo Horizonte.

Entre 2008 e 2012, a proporção de clientes de planos de saúde saltou de 47% para 57% da população da cidade, o que representa mais de 1,4 milhão de pessoas num universo de cerca de 2,5 milhões. No Brasil, essa porcentagem é inferior. O número de segurados da saúde privada em todo o país é de 47,6 milhões, algo em torno de 25% da população. Os dados são da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Belo Horizonte tem, atualmente, 10.451 leitos. Enquanto os clientes dos planos são 57% da população, os leitos nos hospitais privados representam somente 40% do total (4.228). Os leitos para o SUS (que incluem hospitais filantrópicos e a rede estadual da Fhemig) representam 60% (6.233).

O aumento da renda da população é uma das possíveis explicações para o crescimento do número de clientes de planos de saúde. Entretanto, se houve melhora na qualidade de vida, a rede particular, a exemplo da pública, ficou também saturada e necessita de ampliação.

“Atualmente, a maior parte da população de Belo Horizonte é de usuários dos serviços de saúde privados, em detrimento do atendimento do SUS. Com essa migração, houve uma piora no atendimento à saúde como um todo. Tanto no setor público quanto no setor privado”, afirma Pires.

No quadro atual, os índices de ocupação dos leitos em Belo Horizonte chegam a 95%, o que representa um perigo adicional para o doente: a infecção hospitalar. O ideal, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), é que esse índice não supere 80%.

A procura pelos pronto-socorros também teve ampliação significativa, por causa da demora na marcação de consultas. O paciente busca o pronto-atendimento porque sabe que vai ser recebido por um médico, apesar da demora. De acordo com Pires, 80% dos atendimentos de urgência poderiam ser resolvidos em consultas comuns.

Infraestrutura da rede privada não acompanhou crescimento de usuários

Os números da Unimed BH são auto-explicativos desse cenário. Maior operadora de planos de saúde da capital mineira, com 32% do mercado, ela comercializou mais de 500 mil planos de saúde nos últimos seis anos. Passou de 614.448 clientes em 2006 para 1,12 milhão, este ano, em Belo Horizonte e nas cidades vizinhas de Contagem e Betim, um aumento de 82%. No mesmo período, o número de médicos passou de 4,6 mil para 5,2 mil, crescimento de 10%. O diretor da Unimed BH, Helton Freitas, afirma que, este ano, estão sendo incluídos 250 novos profissionais na rede da cooperativa médica.

Na avaliação de Freitas, desde meados da década passada há necessidade de ampliação da infraestrutura da saúde em Belo Horizonte, o que fez com que a Unimed investisse em hospitais. Ele defende um aumento do investimento público no setor e reclama da burocracia da Prefeitura de Belo Horizonte, que teria inviabilizado a construção de um hospital da Unimed na região do Barreiro, que tem mais de 200 mil habitantes. “A maior parte das pessoas já está vinculada à saúde suplementar. É preciso políticas públicas para incentivar o desenvolvimento de unidades hospitalares para o atendimento dessa população”, afirma Freitas.

Tanto a Unimed quanto o hospital Mater Dei estão, no momento, investindo na ampliação de suas atuais unidades, ambas com parte dos recursos financiados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Segundo o diretor do Mater Dei, Henrique Salvador Silva, o hospital, um dos maiores de Belo Horizonte, está com quase 100% de ocupação, daí a necessidade de ampliação.

Outros dois hospitais de grande porte, o Felício Rocho e o Vera Cruz, aguardam liberação da prefeitura para iniciar obras de expansão. “Sabemos que há a demanda, já que trabalhamos com uma taxa média de 95% de ocupação. No entanto, precisamos aumentar o prédio para que possamos dar continuidade à expansão”, afirma o diretor-geral do hospital Vera Cruz, Luiz Fernando Caetano Machado.

Em maio do ano passado, a prefeitura encaminhou à Câmara Municipal um projeto de lei para flexibilizar o uso do solo e facilitar a ampliação dos hospitais. A proposta, no entanto, foi retirada de pauta para aprimoramentos, segundo a Secretaria Municipal de Saúde. A secretaria acrescentou que ela será reencaminhada “no momento oportuno”.

Serviço público convive com estigma de "local para pobre"

O médico e professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Antônio Thomaz Gonzaga da Matta Machado aponta problemas também no atendimento prestado pelos postos de saúde. Membro do Núcleo de Educação em Saúde Coletiva da UFMG, Matta Machado revela que pesquisas realizadas com  usuários do serviço público municipal demonstram que eles veem os postos como “locais pobres para atender pessoas pobres”. O médico defende que a infraestrutura desse locais precisa passar por melhorias para uma resposta mais adequada a quem procura o serviço. 

Outro problema apontado por Matta Machado é o fato de a rede hospitalar da capital mineira ser referência para muitas cidades do interior e da região metropolitana, o que acaba sobrecarregando o sistema. Minas Gerais tem 853 municípios.

A saúde das crianças também preocupa a população. Segundo levantamento da Sociedade Mineira de Pediatria, nos últimos quatro anos, 19 unidades públicas e privadas desativaram o atendimento na cidade. A sobrecarga restou para os locais que ainda oferecem o serviço. Faltam leitos, inclusive, em CTIs infantis.

Com tantos gargalos na saúde, o tema aparece como prioridade nos programas eleitorais dos dois principais candidatos à Prefeitura de Belo Horizonte, o atual prefeito Marcio Lacerda (PSB) e o ex-ministro Patrus Ananias (PT). Porém, Matta Machado classifica as propostas de ambos como “rasas”. “Eles não discutem a saúde. Não enfrentam o problema. Apresentam um monte de promessas, que acabam se transformando em um emaranhado que você não sabe muito bem como vai ficar”, afirma o médico.
Para o diretor da Unimed BH, Helton Freitas, os candidatos são omissos também ao tratar de questões relacionadas aos planos de saúde. “Parece que a saúde suplementar não é politicamente correta para eles. Assim, a questão não é abordada”, afirma.

Propostas dos candidatos

Candidato à reeleição, Marcio Lacerda promete construir sete novas unidades de pronto-atendimento para funcionar 24 horas por dia, inclusive nos fins de semana e feriados, e 73 postos de saúde. Também diz que vai contratar 78 equipes de saúde bucal e ampliar para 11 o número de equipes para atender moradores de rua. Até 2013, Lacerda se compromete a inaugurar o Hospital Metropolitano do Barreiro, com 300 leitos.

O atual prefeito também pretende incluir a questão das drogas como uma das prioridades da política municipal de saúde pública. No que diz respeito à saúde da mulher, Lacerda afirma que vai implantar a maternidade de Venda Nova e construir a nova maternidade do hospital Odilon Behrens.

Patrus Ananias pretende abrir os postos de saúde nos fins de semana e feriados. O candidato do PT promete, ainda, criar mais 102 equipes de saúde da família e 70 equipes de saúde bucal; reformar 58 unidades básicas de saúde e construir outras 22; implantar novos centros de especialidades médicas e ampliar os centros de especialidades odontológicas já existentes.

Patrus pretende, ainda, abrir a Maternidade Municipal Leonina Leonor e construir a maternidade do Hospital Odilon Behrens, além de ampliar a capacidade de leitos da Maternidade Odete Valadares e do Hospital Júlia Kubitschek. O programa do candidato do PT inclui a conclusão do Hospital Metropolitano do Barreiro até 2013, com capacidade para 320 leitos.

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