Câmara de Curitiba bancava programas de vereadores-radialistas com notas frias, diz jornal

Rafael Moro Martins

Do UOL, em Curitiba

A Câmara de Curitiba destinou parte dos quase R$ 35 milhões que gastou com publicidade nos últimos cinco anos com vereadores que mantêm programas de rádio, mostra nova reportagem apresentada nesta quinta-feira (26) pelo jornal “Gazeta do Povo”.

Um deles, Algaci Tulio (PMDB), ex-vice prefeito de Curitiba por duas vezes (de 1989 a 1992, com Jaime Lerner, e de 1999 a 2002, com Cassio Taniguchi, atual secretário estadual do Planejamento), admitiu ao jornal que comprava notas para receber o dinheiro.

“A verdade é que existia uma verba para os vereadores que têm meio de comunicação pra publicitar a Câmara”, disse Algaci à “Gazeta do Povo”. “A gente comprava nota. Muitos que não têm empresa compram nota de uma empresa de publicidade. Na verdade, [comprar notas] é uma barbaridade.”

Procurado nesta quinta pela reportagem do UOL, Tulio se recusou a conceder entrevista. “Só dou entrevistas ao vivo e a cores. Falo por telefone e as pessoas não reproduzem o que digo. O que eu tinha a dizer já disse à Gazeta”, afirmou.

Além de Tulio, outro comunicador admitiu ao jornal que recebia o dinheiro – Luís Ernesto, ex-vereador pelo PSDB. Atualmente sem mandato, Ernesto comanda um programa na Rádio Educativa AM, emissora de propriedade do governo do Estado.

Ainda segundo o jornal, o atual líder da bancada de apoio ao prefeito Luciano Ducci (PSB), Roberto Hinça (PSD), empregaram em seu gabinete funcionários que assinaram recibos de serviços de publicidade prestados à Câmara.

Na mesma situação, estão os ex-vereadores Mário Celso Cunha (PSB, atual secretário estadual para a Copa  do Mundo) e Valdernir Dias (PMN).

No caso de Luís Ernesto, o pagamento era feito à uma empresa registrada em nome da mulher dele.

À “Gazeta do Povo”, ele disse que “na época em que era vereador, todos os vereadores que faziam programas de rádio, como acontece até hoje, recebiam dinheiro (da Câmara)”.

“Indecência”

O pagamento a vereadores-radialistas foram feitos durante a gestão de João Claudio Derosso (PSDB), que comandou a Câmara de 1998 a 2011.

Ele afastou-se do cargo em novembro do ano passado, acuado por uma ação judicial em Ministério Público pede a devolução de R$ 5,9 milhões gastos com empresas contratadas para a publicidade casa. Uma delas pertence à jornalista Claudia Queiroz Guedes, mulher do tucano.

“Estamos assistindo à revelação do esquema de manutenção de poder e de fidelidade mantido por Derosso”, avalia o cientista político Adriano Codato, professor-adjunto da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “O que surpreende, no caso dos vereadores-radialistas, é como eles podiam ser comprados por pouco dinheiro.”

Os pagamentos aos radialistas raramente ultrapassavam R$ 10 mil mensais – à empresa da mulher do ex-vereador Luís Ernesto foram pagos R$ 8 mil de janeiro a março de 2007 e de julho a outubro de 2009, segundo a “Gazeta do Povo”.

“Enquanto isso, o grosso do dinheiro de publicidade ia para a empresa da mulher do ex-presidente da Câmara”, lembra Codato.

Para o cientista político, o pagamento de radialistas-vereadores pela Câmara criou um círculo vicioso, em que a casa pagava para ter noticiário favorável, o que, por sua vez, facilitava reeleições contínuas do dono do programa. Em troca, eles garantiam fidelidade a Derosso. “É uma indecência”, resume.

Cerco a Derosso

João Claudio Derosso foi homem forte da Câmara por 13 anos, e aliado importante dos últimos três prefeitos de Curitiba – Cassio Taniguchi (DEM, atualmente secretário estadual do Planejamento), Beto Richa (PSDB, atual governador) e Luciano Ducci (PSB, eleito como vice de Richa e pré-candidato à reeleição).

Sob o comando de Derosso, a bancada de apoio à sempre teve maioria folgada no plenário. Até a eclosão do escândalo dos contratos de publicidade, ele era cotado para candidato a vice-prefeito em 2012, ao lado de Ducci. 

Derosso pediu afastamento do cargo em novembro de 2011, acuado por uma denúncia de improbidade administrativa apresentada à Justiça pouco antes pelo Ministério Público.

Na ação, os promotores pedem à Justiça que o tucano devolva R$ 5,9 milhões aos cofres públicos, provenientes de fraudes em licitações de serviços de publicidade à Câmara.

Uma das empresas contratadas, a Oficina da Notícia, pertence à mulher dele. Os promotores também suspeitam que a revista Câmara em Ação – que custou R$ 18,3 milhões – seja superfaturada, e tenha tiragem inferior à contratada.

Na semana passada, o Ministério Público do Paraná denunciou Derosso por nepotismo. Dessa vez, ele é acusado de contratar a sogra, Noêmia Queiroz Gonçalves dos Santos, e a cunhada, Renata Queiroz Gonçalves dos Santos, para cargos na Câmara.

Dias antes, o tucano havia se tornado réu em outra ação, em que o MP pede a devolução de R$ 2,5 milhões usados na “contratação de funcionários fantasmas”.

Nesta semana, a “Gazeta do Povo” denunciou que a Câmara gastou quase R$ 35 milhões em publicidade entre 2006 e 2011, e ao menos parte desse dinheiro foi pago a empresas subcontratadas via notas fiscais emprestadas.

Segundo o diário, Antônio Carlos Massinhan e Francely Villagra, funcionários de Derosso assinaram recibos em nome de cinco empresas, todas subcontratadas pelas agências Visão Publicidade e Oficina da Notícia.

Ambos são funcionários públicos de carreira, vinculados a empresas da Prefeitura de Curitiba e, à época, estavam cedidos à Câmara. Por lei, não poderiam participar, mesmo indiretamente, de execuções de contratos com o poder público.

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