01/11/2010 - 13h16

Derrotado, Serra corre risco de isolamento político após campanha errática

Maurício Savarese
Do UOL Eleições
Enviado a Brasília

"Vocês não estão vendo que esta é a minha última chance?", esbravejou o então pré-candidato ao Palácio do Planalto, José Serra, ao esmurrar uma mesa cercada de aliados. O relato, feito por participantes do encontro, parece atual. Reflete o espírito ansioso e autocentrado de quem diz ter se preparado “a vida inteira” para comandar a República. A história ajuda a explicar a obstinação do tucano neste ano, cheio de ombradas nos rivais.
 

Mas aconteceu há oito anos, quando, como ministro da Saúde, almejava a cadeira do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Serra não teve sucesso, mas a vontade nunca sumiu. Hoje, aos 68 anos de idade e pela segunda vez derrotado em sua busca, o tucano tem seu projeto político novamente rejeitado pelas urnas. No segundo turno, o candidato tucano conseguiu expressivos, porém insuficientes 43.711.299 milhões de votos, ou 43,95% do total. Sua rival, a petista Dilma Rousseff, amealhou 55.752.493 de votos (56,05% do total).

Há semelhaças entre as campanhas de 2002 e 2010. Quando perdeu as eleições que deram o primeiro mandato a Luiz Inácio Lula da Silva, após um impopular segundo governo de FHC, Serra também se esforçou para não parecer candidato do governo nem da oposição.

Em ambas as disputas presidenciais, manteve a fama de centralizador e impetuoso, organizando a própria agenda e as próprias políticas sem consultar aliados. Rachou o PSDB por ter ofuscado as conquistas do governo que ajudou a conduzir, como a modernização da telefonia. Tudo para evitar o rótulo de "privatista", eleitoralmente mal visto.

"Sou como se diz em latim na bandeira de São Paulo: não sou conduzido, conduzo", costuma dizer. Pois novamente os aliados –principalmente os não-paulistas– foram minguando. Na campanha pelo segundo turno, o ex-governador mineiro e senador eleito Aécio Neves até ensaiou se engajar. Mas não foi o bastante para evitar o triunfo de Dilma, nascida em Belo Horizonte. Serra foi conduzido a mais uma derrota.

Quando se elegeu prefeito de São Paulo (2004) e governador paulista (2006), Serra ainda não tinha a idade como empecilho para tentar o Palácio do Planalto. Derrotado, fica sem mandato político e com maior concorrência numa eventual nova chance de buscar o cargo, já que o partido conta com os mais jovens Aécio e Geraldo Alckmin na fila da sucessão.

Flexibilidade retórica

Para dirigentes de partidos que compuseram sua aliança, os maiores problemas na campanha de Serra foram  as idas e vindas do discurso do candidato, além da demora em assumir que que postulava a sucessão de Lula.  A forma com que se referia a Lula é emblemática. Chegou a dizer que o presidente estava "acima do bem e do mal", para depois, na reta final, criticá-lo com dureza.

"Somos dois homens de história, é natural que eu cite o presidente", disse o tucano para justificar o uso de imagens de Lula no horário eleitoral. As críticas internas na ocasião recaíram sobre o marqueteiro Luiz González. Mas a decisão de exibir foi do candidato.

"O tom oposicionista só se fortaleceu no segundo turno, quando muitos dos votos já estavam cristalizados", afirmou o cientista político David Fleischer, da UnB (Universidade de Brasília) ao UOL Eleições. "Usar Lula na TV mostrou que Serra não sabia bem qual papel desempenhar."

Foi Serra, dizem tucanos mineiros, quem acirrou o confronto com Aécio pela candidatura à Presidência. Contrariado, o senador eleito abriu mão meses antes do esperado, atraindo a mira dos aliados de Lula para o então governador de São Paulo.

O ex-ministro da Saúde tentou atrair o ex-rival interno para a vice na chapa, para atenuar a crise. Acabou levado a escolher o pouco conhecido e verborrágico deputado federal Indio da Costa (DEM-RJ).

"Esse processo de escolha tirou confiança da candidatura no nascedouro", diz Fleischer. "No segundo turno, Serra até chegou a ter chances de virar na primeira semana, mas a verdade é que os eleitores que deixaram Dilma tinham apenas feito um pit-stop entre os indecisos e, parte deles, em Marina. Tanto é assim que Serra nunca subiu enquanto Dilma caía nas pesquisas, nem no primeiro turno nem no segundo."

Falta de agenda

Na reta final do primeiro turno, Serra –que se esforçava para deixar o tom professoral e se encaixar no papel de "Zé", simples e popular-, viu-se diante de dois escândalos que poderiam abalar a candidatura petista: o vazamento de dados sigilosos da Receita Federal, incluindo o de sua filha, Verônica, e as denúncias de tráfico de influência e propina no governo, levando à queda da ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra.

Martelou os dois assuntos na imprensa, e a campanha de Dilma foi abalada. Muitos eleitores abandonaram a petista, mas a maioria deles migrou para a candidatura de Marina.

Ainda assim, haveria um segundo turno para confirmar o dogma dos marqueteiros políticos brasileiros: quem bate, perde. E o que se viu foi quase uma "pancadaria" verbal entre Dilma e Serra do início de outubro até o dia da votação final. Com os dois no ataque, a petista se beneficiou.

"Houve dificuldade muito grande da campanha do PSDB em colocar uma agenda nova para o Brasil. O candidato Serra não conseguiu isso", diz o cientista político Luciano Dias, do Ibep (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos). "Surgiu a pauta religiosa, que Serra abraçou com mais fervor do que Dilma, porque achou que surfaria nela. Mas a verdade é que a agenda econômica cedo ou tarde prevaleceria. E esse sempre foi o ativo de Lula."

Na reta final do segundo turno, em meio à falta de fatos novos que abalassem a candidatura de Dilma, um assunto improvável virou tema de discussão com repercussão no noticiário nacional: afinal, Serra teria sido atingido apenas por uma bolinha de papel atirada por petistas na zona oeste do Rio de Janeiro ou também por um objeto mais pesado, não detectado claramente pelas câmeras presentes no local?

A pauta negativa não ajudou o tucano a reverter a desvantagem. Sem fatos novos da campanha, estava selada a vitória de Dilma. Pelo menos por enquanto, terá de buscar consolo no que disse a influente revista britânica "Economist" a seu respeito: "O melhor presidente que o Brasil nunca teve".

Sites relacionados

Siga UOL Eleições

Hospedagem: UOL Host