31/10/2010 - 19h00

Maior desafio do próximo governo na saúde é garantir o financiamento adequado ao SUS

Tatiana Pronin
Editora do UOL Ciência e Saúde

O gasto público em saúde no Brasil atualmente equivale a cerca de 3,5% do PIB (Produto Interno Bruto), sendo que para garantir a universalidade do SUS (Sistema Único de Saúde) seriam necessários ao menos 6%. Conseguir mais recursos para o sistema e definir prioridades de investimento serão o maior desafio do próximo governo no setor, afirmam especialistas ouvidos pelo UOL Ciência e Saúde.

“Desde a criação do SUS, que considera a saúde um direito universal, de responsabilidade do Estado, seu financiamento não foi resolvido”, explica Áquilas Mendes, professor doutor de Economia da Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo).

“Para dobrar o gasto público em saúde, de modo a atingir nível condizente com a média dos demais países que têm sistema similar, seria preciso mais do que simplesmente obter aumento de recursos mediante barganha, seria necessário elevar o SUS à condição de prioridade entre as políticas de governo”, ressalta.

Na opinião do especialista, o arranjo político para aumentar os recursos para o SUS exigiria, ainda, medidas como o fim das deduções do imposto de renda das despesas com saúde, e também que os sindicatos de trabalhadores aderissem ao SUS em vez de reivindicar planos de saúde.

Emenda 29

Uma das esperanças de incremento aos recursos do SUS seria a aprovação da Emenda Constitucional 29, algo que os principais candidatos à Presidência prometeram repetidas vezes ao longo das campanhas.

Os principais desafios, segundo especialistas ouvidos pelo UOL

- Aumentar o repasse de recursos para o SUS
- Garantir a aprovação da Emenda Constitucional 29, que fixa os percentuais mínimos a serem investidos por Estados, municípios e governo federal
- Definir prioridades para o sistema
- Garantir a boa formação, a educação continuada e a boa remuneração de médicos
- Pensar em projetos a longo prazo, que ultrapassem a própria gestão
- Aumentar a regulação da Saúde Suplementar, para melhorar o pagamento de honorários médicos e ampliar a assistência aos pacientes

A EC 29, de 2000, fixou os percentuais mínimos a serem investidos todos os anos em saúde. Estados ficaram obrigados a aplicar 12% da arrecadação de impostos e municípios, 15%. A União teve que investir, naquele ano, 5% a mais do que havia aplicado no ano anterior e, dali em diante, a correção seria feita pela variação nominal do PIB (Produto Interno Bruto).

As regras estão em vigor, mas até agora não foi aprovado um projeto de lei complementar para regulamentar a emenda. E o adiamento tem desviado da pasta uma pequena fortuna a cada ano, como explica o professor. Isso porque gastos que não são exatamente relacionados a saúde, como merenda escolar e benefícios a aposentados, acabam entrando na conta de Estados e municípios.

A regulamentação está parada no Congresso porque, após o fim da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), em 2007, o governo idealizou a CSS (Contribuição Social para a Saúde), nada mais do que um novo imposto da saúde, mas com alíquota menor, de 0,10% (contra 0,38%). A novidade, incluída no texto do PLP 306/2008, estava prestes a ser votada quando a oposição veio com um destaque, apresentado pelo DEM, para inviabilizar o novo imposto.

Prioridades

Para o médico Marcos Bosi Ferraz, professor da Universidade Federal de São Paulo e diretor do Centro Paulista de Economia da Saúde, uma eventual aprovação da CSS aliviaria um pouco a situação da saúde, mas não a resolveria. Isso porque a demanda só aumenta: “Continuamos com doenças típicas do mundo em desenvolvimento e do Brasil a década de 1970, como dengue, malária e leishmaniose, e ainda acumulamos os males dos países desenvolvidos, como as doenças cardiovasculares e o câncer, que aumentam conforme a expectativa de vida se eleva”, resume.

O que se vê nos hospitais, como ele observa, são leitos de UTI disputados não só por pacientes oncológicos, mas por crianças que caem da laje e motoboys acidentados. “São problemas evitáveis que competem com doenças não evitáveis”, diz. A consequência? As escolhas são feitas sem critério. Somado a isso, o país vive uma natural “tentação de consumo”, já que qualquer novidade tecnológica chega com facilidade. E todo mundo quer o que há de mais moderno em tratamento quando está doente.

Na visão de Ferraz, a única saída para resolver minimamente a equação é definir prioridades, algo que ele defende que seja feito com a participação da sociedade. “O novo presidente terá que assumir que não dá para dar tudo para todos”, diz. O outro desafio será abandonar a mentalidade política vigente e pensar em projetos de longo prazo, que provavelmente não trarão louros para sua própria gestão.

Formação médica

Por último, o especialista reforça a necessidade de garantir a boa formação e a educação continuada dos médicos. “Claro que é preciso haver investimento em diagnóstico e remédios, mas o sistema de saúde depende essencialmente de gente qualificada”, enfatiza.

A questão da qualificação profissional também é defendida por entidades médicas (Associação Médica Brasileira, Conselho Federal de Medicina e Federação Nacional dos Médicos),  que na semana organizaram uma mobilização e entregaram uma carta de reivindicações ao Ministério da Saúde. Entre os pedidos, estão a melhoria da remuneração dos profissionais, a criação de uma carreira de Estado para os médicos e a limitação da abertura de novas escolas médicas.

"Não é formando milhares de médicos que se obtém bons resultados; nos últimos anos o número de escolas médicas aumentou de 90 para 180 no país e não houve melhora alguma na questão assistencial", afirma Emmanuel Fortes, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina.

O documento também pede a imediata regulamentação da Emenda 29 e ainda reivindica que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) seja mais atuante, garantindo o reajuste dos honorários médicos a fim de preservar a ética e assegurar ampla assistência aos usuários.

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