30/10/2010 - 07h00

Serra e Dilma deixam o ringue e aprimoram a comunicação

Reinaldo Polito*

Em alguns debates chegou a sair faísca entre os dois candidatos. Quando ouvíamos Dilma dizer "o candidato Serra", ou Serra começar com "a Dilma", já sabíamos que vinha chumbo grosso na conversa. A resposta tinha o mesmo tom da acusação, sempre acompanhada de um revide.

A temperatura mais elevada dos confrontos, embora criticada por alguns analistas, aumentou o interesse dos telespectadores. Lógico que pessoas com boa formação abominam a baixaria. Entretanto, uma disputa mais acirrada mexe com a adrenalina e cai no gosto da maioria.

A linha que separa a acusação ácida da afronta pessoal é delicada e perigosa. Se, por um lado, ao se aproximar dessa fronteira, o candidato demonstrava mais coragem, confiança e determinação aos eleitores, por outro, maior passava a ser o risco de ultrapassar o limite e de se mostrar grosseiro e agressivo.

Tanto assim que os dois aproveitavam os raros momentos de excesso do adversário para avisar aos telespectadores que o outro havia abandonado o debate qualificado. Independentemente de quem seja seu candidato, deve concordar que identificar essa divisa imaginária no calor da discussão não é tarefa simples.

Todos nós, com maior ou menor grau, temos audição seletiva. De maneira geral, ouvimos e assimilamos o que vem ao encontro de nossos interesses, e nos afastamos das mensagens ou fatos que não nos interessam. Esse processo está presente de maneira acentuada nos debates políticos.

Quase todos ouvem apenas o que beneficia seu candidato e prejudica o adversário. Da mesma forma que se fecham para as informações que possam prejudicar seu candidato e beneficiar o adversário. Por isso, por mais isenta que possa ser a avaliação do comportamento de um e de outro, sempre haverá discordância. Mesmo assim vamos aos fatos.

A disputa pela Presidência da República permitiu que os dois candidatos, José Serra e Dilma Rousseff, aprimorassem a comunicação. Embora Serra tivesse muito mais experiência, devido às inúmeras campanhas políticas em que se envolveu, aperfeiçoou ainda mais a maneira de se comunicar. Dilma, caloura em campanhas eleitorais, aprendeu rápido, em poucos meses.

O maior problema de Dilma no início da campanha era a insegurança. Produzia pausas indevidas no meio do raciocínio, repetia palavras, exagerava no uso de expressões como "eu acho que" e "no que se refere" (cerca de dez em um único debate) e se valia de gestos demasiadamente estudados. Dava a impressão de que havia decorado as informações.

O processo normal é ter um pensamento e encontrar as palavras adequadas para corporificar o raciocínio. Devido à insegurança e falta de domínio sobre alguns temas, Dilma se sentia desconfortável ao fazer as pausas. Por isso, se precipitava em pronunciar logo as palavras, invertendo o processo, pois tentava encontrar a sequência do pensamento a partir das palavras. Esse era o principal motivo das repetições, dos "ééééé" nas pausas e até de certa gagueira.

Serra sempre foi tido como carrancudo e antipático. Esse comportamento poderia afastá-lo dos eleitores. Consciente do problema procurou se mostrar mais simpático nos primeiros debates e nas entrevistas. Ficava evidente, entretanto, essa vontade de mudança, tirando assim parte da sua naturalidade.

No transcorrer da campanha os dois candidatos foram corrigindo os defeitos e aperfeiçoando os aspectos positivos. Dilma ficou mais segura e fluente na exposição de suas ideias. Diminuiu as interrupções indevidas e adquiriu mais tranquilidade para suportar os momentos de pausa. Depois de se mostrar agressiva no primeiro debate do segundo turno, se recompôs nos últimos confrontos, demonstrando convicção e assertividade, mesmo quando acuada.

Serra passou a sorrir de maneira mais espontânea e incluiu um ingrediente excepcional em sua forma de falar, a emoção. As conclusões que fez nos últimos debates foram exemplares. Falou com envolvimento, disposição e boa dose de eloquência.

Permaneceram pequenos senões que, provavelmente, não devem interferir na opinião dos eleitores. Serra se valeu da ironia em vários momentos. Por se tratar de um recurso sutil, que demonstra inteligência e presença de espírito, cativa as pessoas com boa formação intelectual e que já decidiram votar nele. Por outro lado, esse comportamento chega a ser perigoso em campanhas políticas, pois pode afastar os eleitores que ainda precisam ser conquistados.

Dilma merece todos os elogios. Inexperiente nas disputas eleitorais, teve como adversário um dos oradores mais competentes da atualidade. Poucos políticos são tão eficientes na tribuna quanto Serra. Mesmo assim, passada a fase inicial de adaptação, ela não se intimidou e entrou na jaula para combater a fera.

Também no seu caso alguns aspectos ficaram pendentes. Talvez não representem perdas de votos, mas são perigosos. Em certos momentos se deixou envolver pela fala mais agressiva. Desde que se candidatou investiu em mudanças na maneira de falar e de se apresentar em público. Procurou se mostrar mais suave, fez plástica, arrumou o cabelo, aveludou o tom de voz e passou a sorrir com simpatia. Por isso, a agressividade poderia ser vista como indicador de incoerência na sua comunicação.

Outro aspecto que Dilma não conseguiu resolver -a construção de frases muito curtas, que a obrigam a fazer sucessivas pausas. Em certas circunstâncias, essa atitude, além de não contribuir com a estética e prejudicar a qualidade do estilo, pode até ter passado ideia de insegurança e artificialismo.

Agora já foi. Vai vencer quem tocou mais o coração dos eleitores, quem foi mais ao encontro de suas aspirações. Aqui entra um ingrediente subjetivo, que nem sempre pode ser avaliado pela técnica da comunicação. Há situações tão especiais que até os defeitos podem ajudar mais que as qualidades. Saberemos breve, assim que as urnas forem abertas e os votos forem apurados.

* Reinaldo Polito é mestre em ciências da comunicação, palestrante e professor de expressão verbal. Escreveu 19 livros que venderam mais de 1 milhão de exemplares

Site: www.reinaldopolito.com.br
e-mail: polito@uol.com.br

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