27/10/2010 - 20h49

Tucana, Ruth Rocha se diz "indignada" ao ver seu nome em lista pró-Dilma; Eric Nepomuceno se desculpa por "equívoco"

Irineu Machado
Diego Salmen
Do UOL Eleições

A inclusão de seu nome em uma lista de apoio à candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, indignou a escritora Ruth Rocha –premiada autora de livros infantis e infanto-juvenis- e a levou a escrever uma carta à candidata, em que considera a publicação de seu nome na lista “um desaforo”. O assunto foi um dos mais comentados no Twitter no Brasil nesta quarta-feira (27).

Rodrigo Capote - 30.jul.2010/FolhaPress
A escritora Ruth Rocha, autora de "Marcelo, Marmelo, Martelo" e "Uma História de Rabos Presos"

Na carta, Ruth faz a seu modo uma breve análise sobre a democracia, o PT e os presidentes do Brasil na era da redemocratização. Ela conclui: “Risque meu nome de seu caderno. Meu voto não vai para Dilma.” A repercussão do assunto levou a um convite para uma gravação para o programa de José Serra (PSDB) no horário eleitoral que deve ir ao ar nesta quinta-feira (28).

"Esse tipo de descuido revela duas coisas: falta de educação e a porção autoritária cada vez mais visível no PT", escreveu ela no documento, intitulado "Carta à candidata Dilma". Formada em sociologia e política pela USP (Universidade de São Paulo), Ruth é autora de, entre muitos outros,  “Marcelo, Marmelo, Martelo”, livro infantil que já vendeu mais de 1 milhão de cópias (conheça a bibliografia completa).

Disseminada online por e-mail e redes sociais e publicada em vários sites que propagam a candidatura da petista, a lista de personalidades que aparece sob o título “Manifesto de artistas e intelectuais Pró-Dilma” inclui o nome de Ruth Rocha entre mais de cem pessoas. “Todo mundo sabe que sou tucana. Eu habito o topo do muro e olho sempre para os dois lados antes de qualquer decisão”, disse Ruth, que afirma ter votado em José Serra no primeiro turno.

Nem o PT nem a campanha de Dilma entraram em contato com a escritora depois da carta. Segundo a secretária nacional de cultura do PT, Morgana Eneille, o manifesto está sendo organizado pelo sociólogo Emir Sader. "Não foi uma iniciativa da campanha [de Dilma]", afirmou a dirigente petista. A reportagem tentou contato com Sader, sem sucesso. O escritor Eric Nepomucemo, outro dos nomes que integra a lista e que ajudou a organizá-la, declarou que Sader estava viajando e explicou que a inclusão de Ruth na lista foi “um tremendo e lamentável equívoco” (leia mais abaixo o esclarecimento dele sobre o episódio).

Frase de Ruth Rocha
na carta a Dilma Rousseff

Risque meu nome de seu caderno. Meu voto não vai para Dilma

Em entrevista ao UOL, Ruth Rocha disse que estava em casa no fim de semana quando passou a receber telefonemas de amigos e parentes comentando a aparição de seu nome na lista pró-Dilma. “Começaram a me telefonar perguntando sobre isso. Minha prima telefonou, depois minha irmã. Mais tarde, eu mesma vi, na internet, uma lista com o meu nome. Fiquei irritada, fiquei muito brava com isso. Eu não queria ficar com essa pecha. Eu ficava perguntando: quem foi que tomou essa atitude? Eu não a apóio e resolvi tomar uma providência. Meu irmão (o jornalista Alexandre Machado) deu a ideia, me  aconselhou a fazer essa carta.”

Ruth, 79, que é formada em sociologia política,  diz ser “PSDB desde criancinha” (“Fui MDB e PMDB antes de aderir ao PSDB” –lembra). “E não era uma coisa de família. Meu pai foi petista. Eu mesma já votei em Lula contra o Collor (na eleição presidencial de 1989) e também já votei em Erundina (Luiza Erundina, eleita prefeita de São Paulo pelo PT em 1988, hoje no PSB).”

“Essa oposição minha radical ao PT vem do mensalão (escândalo que emergiu em 2005, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva). Depois dessas aventuras de quem quer regular a imprensa, controlar os passos da mídia, o aparelhamento escandaloso do Estado... Há muito setores no governo funcionando mal por isso: tem sindicalista ocupando cargo de técnico. O PT foi se desviando da democracia. Isso me irrita profundamente. Admiro muito o Lula, por ele galgar as posições que galgou. Sempre o defendi muito quando falavam que ele era ignorante, que não tinha formação... Mas nunca mais voto no PT”, declarou a escritora  “Não precisavam botar meu nome nessa lista. Não sou nome para arrastar votos. Acontece que isso me irritou”.

 

  • Divulgação

    Eric Nepomuceno: "Foi um tremendo e lamentável equívoco”

Eric Nepomuceno pede desculpas a Ruth Rocha

Em e-mail enviado à reportagem, Nepomuceno pediu desculpas a ela pelo equívoco. “Foram mais de dez mil e-mails em menos de duas semanas, muitos deles de pessoas anônimas (aposentados, estudantes, donas de casa), aderindo ao manifesto que nós convocamos. Entre eles, o de uma senhora chamada Ruth Rocha. Fiquei encarregado, com a ajuda de alguns amigos, de buscar nomes do meio artístico e cultural (cineastas, atores, diretores de teatro, atrizes, músicos, escritores, dramaturgos, compositores) e não pedi, nem procurei, a adesão da Ruth Rocha escritora. Não a conheço pessoalmente, e procurei adesões apenas junto ao meu círculo de relações. Portanto, o nome dela não passou por mim. Emir Sader ficou encarregado, também com alguns amigos, de nomes do meio acadêmico. Pode ser que entre eles alguém tenha conseguido a adesão de uma senhora chamada Ruth Rocha.”

Nepomuceno afirmou que é impossível saber, neste momento, quem ao divulgar a lista de adesões viu esse nome e pensou que fosse a escritora. “Evidentemente, se trata de um engano sério e grave. Bastante razão tem ela ao protestar. Aliás, pela contundência de seu protesto, nota-se que, para ela, esse equívoco significou um desaforo. Peço que desculpe a mim e aos outros que encabeçaram o manifesto. Tratou-se de uma livre manifestação de posição numa contenda eleitoral. Não era para ofender ninguém”, declarou Nepomuceno. “Esclareço, enfim, que não sou nada distraído. Nem pertenço ao PT ou a qualquer uma de suas porções. E que sou bastante bem educado. Por isso mesmo, devo pedir as devidas desculpas à minha colega de ofício, com todo respeito que ela -- e suas obras -- merecem. Foi, sim, um tremendo e lamentável equívoco.”

“Nível da campanha está muito pobre”, diz Ruth Rocha

Ruth considera “muito ruim” o nível da campanha eleitoral. “Há acusações de todo tipo, uma campanha com ataques pessoais. Acho isso deplorável. A gente não consegue fazer uma discussão inteligente, responsável. Isso é um erro. Política não pode ser tratada como futebol. Há uma coisa cívica, ética. A campanha está muito pobre."

Ruth disse que é possível que o que ela tem visto na campanha a inspire para alguma próxima obra. “Sempre me inspiro nessas coisas”, disse, lembrando do livro “Uma História de Rabos Presos”,  que lançou em 1989. A história se passa numa cidade chamada Egolândia, onde há um prefeito chamado Egomeu e onde grande parte da população tem os “rabos presos” entre si. Num determinado momento, começam a nascer rabos de verdade nas pessoas. “Minhas histórias sempre têm um rei que adora o poder e que muitas vezes não sabe de nada do que está acontecendo.”

Ao final de sua “Carta à candidata Dilma”, Ruth relaciona três pontos principais sobre como deveria ser tratada a democracia: desprezo ao culto à personalidade, promoção da rotação do poder e escolher quem entenda ser a educação a maior prioridade nacional. Na entrevista ao UOL, ela falou mais sobre esses três pontos:

Culto à personalidade: “Todo dia na TV o presidente faz campanha eleitoral, diz que está se fazendo tudo o que não se fazia nesse país. Acho que isso é muito grave. E ele tem uma disposição clara de mandar nesse governo, da Dilma, se ela ganhar. Na próxima eleição já fala em voltar. Ele está pensando que ele é dono do país.”

Rotação do poder: “Em princípio, eu não seria contra a reeleição. Mas acho que o ideal seria haver um prazo maior de governo, sem reeleição. Talvez eu esteja errada, mas penso que isso seja importante. Seria mais saudável.”

Educação: “Os políticos falam muito, mas não fazem. As leis são absolutamente absurdas. Esse último governo fez uma bagunça com a educação infantil, essa história dos 6 anos de idade no primeiro ano, sem nenhuma orientação para professores e escolas. Estamos muito atrasados nisso. Tem muita gente novidadeira, que ouve falar em novos modelos de educação e querem implantar sem saber direito o que estão fazendo. Um exemplo: estou fazendo um livro sobre educação infantil para o MEC e num trecho eu menciono o saci. Falo do cachimbo do saci. Vieram me sugerir que eu não fale do cachimbo, porque é politicamente incorreto. O que é mais politicamente incorreto: falar do cachimbo ou modificar o folclore?”

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